sexta-feira, 29 de maio de 2020

Eu vou morrer de porrada

Eu vou morrer de porrada, não de velhice
Uma bala encrava enquanto grito
Ou vou morrer das batalhas que não travei
Das inconsequentes ações de homens da lei.

Eu vou morrer cedo e não é porque tenho pressa
A espera tem sido longa  e o dia não chega
Eu vou morrer com o coração partido e não é de amor
Ver meu povo morrendo me trespassa em dor.

Eu vou morrer sem meus olhos verem a liberdade
Meu corpo é preso ainda na cor da carne
Eu vou morrer sem glória e em solidão
Fitando o rosto de quem mata de arma na mão.

Não, não há tempo para atos pacíficos
Hastear bandeiras brancas, soltar pombas da paz
Enquanto um corpo esfria na calçada imunda
Prometemos a nós mesmos: ninguém fica pra trás.

Madames e senhores de monóculos ditaram nossos preços
Prenderam o samba e a capoeira, derrubaram a navalha
Entendam: eu morro toda sexta-feita
Numa volta do trabalho, numa ronda de rotina.

Não sou semente, não me enterrem agora
Olhem pro meu rosto: ainda tenho um sorriso?
Quem me vê de fora pensa que sou aquele carnaval
Mas me ensinaram que sou a maçã do paraíso.

Eu vou morrer...virá a mim o vosso reino?
Quantos pretos tem no inferno? Quantos pretos tem no céu?
É só mais uma morte, não incendeiem a cidade...
Não atrapalhemos os soldados no quartel!