domingo, 17 de fevereiro de 2019

Preto é medroso


Preto é medroso:
Tem medo de branco,
Tem medo de banco,
Tem medo de igreja,
Tem medo que seja
Escravizado

Tem medo de polícia
Tem medo da política
Tem medo de médico
Tem medo de cético
Que nos desacredita

Tem medo da história
Tem medo da memória
Tem medo da noite
Tem medo do açoite:
Nos lembra senzala.

Tem medo do bispo
Tem medo de Cristo
- Redentor de pecado -
Que de tão ocupado
Tenha nos esquecido

Tem medo de som alto
Tem medo de asfalto
Tem medo de supermercado
Tem medo de agente armado
Temos alvo na testa...

Tem medo de chuva
Medo de andar com guarda-chuva
Tem medo de furadeira
Tem medo pela escola inteira
Nunca está a salvo

Tem medo do morro
Tem medo do corro
Tem medo do mato
O verde e o armado
Tem medo do fico

Tem medo da morte
Tem medo da sorte
Tem medo do patrão
Tem medo do irmão
Que diz amém na igreja.

Tem medo das pás
Tem medo da paz
Sobre nossas cabeças
Fazendo que se esqueça
O auto de resistência.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

A lama do mundo

Não parem as máquinas,
Ainda há muito a ser feito!
Cada pedaço de terra
Clama por uma função.

Alimentar o mundo-lixo
Enterrar o lixo do mundo.

Atemporal o desejo de mudança
Mudar de Estado geográfico
Mudar de estado da matéria
De morro pra lama
De lama pra mato
Soterrado, atolado, asfixiado
Avalanche de rejeitos sobre os rejeitados.

Somos gado, somos gado, somos gado.

Mais um rio se calou
Perdeu para o silêncio
Apostou alto, dobrou a aposta
Pensou: comigo será diferente!
Mas também a natureza se engana.

Enquanto isso, a fantasia e o engano
Se espalham como blefes nas praças
O jogo é outro, noutra esfera
- Malditos detentores da realidade! -
E nós, de passeata em passeata
Vamos passear no parque
Enquanto seu novo não vem.

Homem de Bem

Eu mataria para endireitar-te
Eu mataria para clarear-te
Eu mataria para comportar-te.
Eu mataria.

Eu mataria para dar-te decência
Eu mataria por sua condescendência
Eu mataria pela tua obediência
Eu mataria.

Eu te mataria para não revelar-me
Eu te mataria para não libertar-se
Eu te mataria para não explanar-me
Eu te mataria.

Eu mataria, eu mataria, eu te mataria...

Filho meu anda direito
Filho meu não casa com preto
Filha minha não se veste desse jeito!
Filha minha!...

Merece apanhar, seu desmonhecado
Tinha que ser preto pra roubar mercado
Mulher não se dá com política!

Que Deus tenha pena da tua alma
Que sua morte seja lenta e calma
Que pague pela vida em pecado!

Mas homem de bem nunca fraqueja
Mulher de bem sempre te deseja
Ser a bruxa e lutar contra a igreja.

Verão

Mal nos despimos do verão
E o frio já nos atropela a alma.
Corpos imundos na lama apodrecerão
E logo o outono nos irá sorrir.

Uma bola de fogo a engolir sonhos
Uma avalanche a rolar vidas
O carnaval se aproxima com cuidado
Será ele a próxima vítima?

Quem são esses senhores no alto das Torres?
Ternos cinzas decidem destinos
Indenizam os diligentes - soldados do capital
O que resta aos esforçados, além da memória?

Lavar os corpos com o pó preto dos céus
Lágrimas escorridas serão enterradas
Nada além de lástima nos rostos
Corra, logo passará o busão.