quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Amanheceu em meus olhos

Amanheceu em meus olhos a procura
Incessante nos escombros do mundo.
O poço que seca ao findar a tarde
E transborda em novo dia
É a minha esperança pacata.
Sob os olhos dos homens, trabalho amiudadamente
Nas miudezas que me convém
E que enchem meu poço do quintal.

Toda manhã sou ermo na cama
Sozinho, isolado do mundo
Mas todos os dias, minha caravana humilde
De olhar difuso na miséria humana
Se lança como uma Nau em mar bravio
Rumo aos desconhecidos fatos cotidianos
Desbravando e redescobrindo o já descoberto
Mas com meus olhos de pálpebras ébano
E saio de casa na aventura das relações
Tentando mentir pouco e ouvir mais
A fala das certezas mundanas.


Rotina inexiste em quem se transforma
Constantemente, acreditando e duvidando
E voltando a acreditar em mim mesmo
Toda noite, antes de ir dormir, posso sorrir solitário.
Rezo às vezes, repito um mantra
E oro e peço perdão aos Santos
Pois parece estúpido acreditar no impossível
Na bondade dos corações transeuntes
Nas revoluções condicionadas à vontade
Dos que serão decapitados e perderão seus postos
E o poder que têm.
Costumo sentar-me à janela à noite
A olhar as estrelas mais distantes possíveis
Nelas deposito minha esperança
E por serem estrelas fixas
Toda manhã sei onde elas estarão
E é lá que busco, finalmente
A esperança que parecia ter perdido
Toda manhã, todos os dias...

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Rara

O travesseiro aquiesce
Toma a forma da cabeça
Estranha a nova estranha
Deforma-se conformado.

O edredom torna-se apoio
Para o pé ainda frio
Que outro pé em desafio
Tenta o calor devolver.

O lençol estranhamente
Reaquecido na cama
De um corpo em outro corpo
Entrelaçados como um só.

E à noite tudo balança
Oscilando fremente
Volve a vida ao corpo nú
Que agora descança quente.


segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Castelã

Dá-me o bastião sob tua guarda
Qu'éssa força que tu ostentas
Em meus braços hão de suplantar
Esse medo que vaga em teu redor

Sou teu escrivão, tua justiça
Que habita teus olhos e tua boca
Banham-me e me inflamam
A querer-te à frente de minh'alma

Castelã que teme a liberdade
Presa em ti mesma me condenas
Aos instantes de infelicidade
Por saber teu nome e ser distância

Do corpo que os homens desconhecem
Da pureza que os ventos não tocaram
Da voz que sussurra o meu augúrio
De plenitude ao lado seu.






domingo, 22 de novembro de 2015

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Lápide do peito

Na lápide do peito
Uma palavra presa: amor.
Como fazem com poesia
Enterrada na garganta
Alforriam a alma
Essas palavras:
Versos livres não existem,
Ou se prendem na mente
Ou entre as linhas da folha.

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Eu não gosto quando você vai embora

Eu não gosto quando você vai embora
Fica um azedo no ar, uma saudade
Um frio de alma triste
Uma solidão convexa a empoeirar tudo
E um olhar distante nas coisas...

Eu não gosto quando você vai embora
Prefiro-te aqui, ao meu lado
Nos beijos demorados, nos sonhos difusos
Degustando um silêncio de olhos
Uma risada com gosto de tempo
Uns segundos que duram horas...

Eu não gosto quando você vai embora
Não gosto mesmo! Fico fremente
Feito criança gripada, doente
Esperando que se passem as horas
Para ter de novo sentido em meus caminhos.
Até a minha sombra me abandona nesses dias
O sol brilha pálido, a piscar os olhos te procurando...
E você vai levando o perfume das flores
Que tu trazes entranhado em teus poros
Como se fosses tu Margarida, Violeta, Rosa ou Jasmin...

Eu não gosto quando você vai embora
Mas não posso querer controlar os teus caminhos
Tu vens e vais ligeira, pés furtivos
Um Soltício de Verão nos meus dias cinzentos
Eu atento, aguardo dobrar a esquina
O próximo dia quente, o céu azul de ti.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

NóS

Nosso amor foi um cadarço
E meu corpo foi o seu tênis
Sob seus pés, pisoteado
Peito nu, coração aberto
E você foi o nó,
Prendendo meu peito.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Xícara Preta

Essa xícara preta está cheia
Sem chá, sem café, sem leite, sem água,
Cheia de tudo, menos de vida...
Perecível, desfalece e
Às vezes parece porcelana,
Xícara mundana, quase gente!
Vive na lama, longe da prataria da casa.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Anjos negros

Anjos negros penderam do céu
Há tanto que deles não há pinturas
Nossos anjos negros, periféricos
Caem ainda hoje em rasas sepulturas.

Na terra santa, queimada e negra
Nasceram apóstolos, prostitutas e santos
Todos loiros, todos brancos
Na Bíblia europeia essa é a regra.

Agora, nos dizem descendentes de Cam
Amaldiçoados, malditos e merecedores
Dos augúrios de um branco Leviatã
Da senzala, da escravidão e dos anos de dores.

Como posso eu, um descendente Banto,
Seguir teus credos, tuas ordens e cantos,
Amar teus santos, beijar teu manto,
Se você queima e apedreja o meu terreiro?

A ti profano, a mim sagrado
Na contradição de um santo de injustiças
Rezar o pai nosso que nos deixou desamparado
Em troca dos dízimos e da cobiça.

Minha cultura ancestral, minha religião,
Minha pele e meu crespo cabelo
Aos teus olhos azuis, um pesadelo
Aos meus, uma forma de não viver em vão.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Volátil, Etérea!

Volátil, etérea...oh, flor cigana!
Pelas terras a caminhar nesses jardins
Sidérea flor sem pétalas
Que outros corações você engana?




quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Que alvorada! Que penumbra!

Que alvorada! Que penumbra!
Esse desforro da minha luz querida
Fanal luzente de mim esvaída
Dor perene transfigurada em sombra!

Que alvorada! E que sorte tive!
Ter sido escolhido para sofrer na vida...
Sofrer de amor e parecer humano
Ver minha angústia assim repetida!

Que penumbra paira! Que palor!
Sobre mim se apaga o céu da luz descida
E tombado de joelhos foge-me o calor
E me adentra, enfim, a prometida!

Derradeira volúpia esse amanhã
Um porvir de alento e escuridão
Ter meu fim na fulgura de um afã
Rebentar num flui arrebol de solidão.






quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Um dia mudaram tudo

Um dia,
Mudaram as minhas coisas de lugar,
Não me perguntaram nada e eu me calei.
No outro, vi minhas coisas sendo levadas,
Minha vida ficando vaga, e ainda assim,
Eu me calei.
Em seguida,
Mudaram meu nome
Mudaram minha casa
Mudaram minhas refeições
E eu esperei.
Agora ou mudo a mim
Ou permaneço mudo.


terça-feira, 6 de outubro de 2015

Amanhã, eu não sei não

Dá-me o teu sorriso
O teu melhor
E faça um dengo frouxo,
Que esse corpo
Anseia há tempos
Tê-lo em si de novo.
Olha o céu azul
E a terra seca
Foi época de colheita
Agora cubra a pele
Nua, num reverso
Do verso do corpo
Pede em silêncio
Pra desfazer o pedido
E dormir de peito partido
Um a um da camisa de botão.
Sou tua, só tua
Ilusão, doce ilusão
Sou minha antes e sempre
Hoje me faço, sua
Amanhã, eu não sei não.


segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Queria não sofrer no amor

Queria não sofrer de amor, e é verdade.
Queria ser um desses velhinhos da praça
Passeando com suas esposas, trinta anos de casados...
Queria.
O som das árvores inspira poesia
A rua colorida, o asfalto ofegante no calor
A música que transcende as casas,
Os artistas que me encantam...
Tudo é inspiração, até a morte,
A religião, a cultura, a natureza, enfim,
Os sofrimentos...
Eu me inspiro com a dor da carne
Com o sentimento mais profundo do homem
O pior e o melhor amigo: o amor.
Queria não sofrer no amor...
Queria não sofrer no amor...
Queria não sofrer no amor...
Mas no final, nem quero mais amar.

Em meu choro a gratidão

Você me olha por detrás do espelho
Se faz perguntas
Mas não há ninguém a sua frente.
Não há respostas ou saídas
É como um pano muito desgastado
Que a costura já não resolve.
Não é seu rosto, sua energia...
Onde estamos, afinal?
Essa é a última estação? Mas nem partimos...
Minha viagem frente a mim
Uso meu corpo para evadir e mim
Penetro-me com os olhos dos outros
E não me vejo; nunca me veria.
É preciso um amor que se vai de madrugada
E vinte e quatro horas depois
Já está em outros braços
É preciso morrer para viver para sempre
A vida eterna mora além do corpo:
Mora na alma.
Minha alma anseia vida, anseia o verde
Anseia Oxossi, Oxum, Iemanjá...
Minha alma é de mim o que me lembro
Mas deveria ser o que se é.
Sou cacos, centelhas refratadas, dispersas,
Sou o que ninguém nasceu para ser
Mas não sou isso para sempre.
Eu a vejo, finalmente,
Com os olhos que me foram furtados no seu encanto
Como eu deveria sempre tê-la visto.
Eles dirão-me que é para esquecer-te,
Impossível!
Não posso esquecer quem me fez lembrar de mim!

É dor que sinto e não tem cura

É dor que sinto e não tem cura
Essa distância que dilacera
Longe desse corpo tudo é silêncio
E a morte faz-se flor envolta em candura.

E dessa flor quero a coroa fúnebre
Para o meu jardim de caos adornar
E na discrasia desta noite lúgubre
Quero a paz, a vida e a morte em mim.

Queria um banho nessas águas claras
Que escorrem do meu rosto negro
Queria o castelo construído em teu nome
E continuar feliz: esse é o meu segredo!

Jogue aos porcos as tuas migalhas
Esse teu sentimento mesquinho de felicidade
Estar sozinho com um sorriso pungente
Bebendo e festejando sobre meu cadáver

Escondo tudo, mas não quem sou
Pena Branca, cabelos vermelhos!
Perdi teus olhos dos meus, que vacilo!
Nosso navio: quando afundou?

Ter coragem para ser sorriso em ti
E ser em mim o que o passado me furtou
Ter te amado tanto, te querer e ser o algoz
De um mundo que a minha mão moldou

Nessa varanda da vida que é a tua face
Nasço e morro em teu horizonte,
Todos os dias, me prostro em frente a tua fronte
E te ilumino com a luz que nem há em mim.












sábado, 3 de outubro de 2015

Humano impuro

Oh, minha querida,
Como és doce em teu toque!
Como és bela em tua idiossincrasia!
Tudo em você refrata
A luz divina que em teu peito emana
E na minha estupidez,
O sonhos dos tolos tive:
Amar um anjo vivendo no inferno!

Oh, que tolo sou e fui!
Como pude acreditar-me feliz
Ao lado de quem nasceu
Em uma era distante; já vivida
Semeia em si as germinadas
Sementes de frutos bons.

Mas eu, um pobre diabo
Qui-la minha, como se pudesse
O céu descer à Terra
Atendendo às minhas preces
Mas Deus deve estar ocupado
Com os mortos, pois eu que vivo,
Sangro a tristeza em minhas veias
Transpiro o desejo humano impuro.


Paixão digital

Paixão em sinal Digital
Por quem de mim,
Em tubo catódico,
Não entende o chiar
De um peito em sintonização.


quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Nós enxergamos, nós vemos

Os olhos cegos em plena luz do dia
Eles se calam, eles viram a cara
A dor paralítica que oprime
O opressor ri de nós em seu palácio
A liberdade das amarras físicas
Lapidou a nossa amarra social
E quem vem de longe não enxerga
Que não nos querem em seu quintal.

Mas nós enxergamos, nós vemos

Os afásicos periféricos, somos
Sem chances de serem ouvidos
As negras sementes
Das árvores da terra adusta
Somos dessa fauna a presa
Mutilados, quando não escondidos
Mortos,quando encontrados.

Mas nós enxergamos, nós vemos

Eles se aproximarem com seus canhões
Como se houvesse outra guerra para lutar
Que não a guerra estática, imóvel
Do pensamento lacerante
Que sangra a carne com sua foice
Longe das escolas, longe do lazer
Longe da vida, longe da dignidade
Longe dos condomínios, perto dos morros
Longe dos sorrisos, perto das mortes.

Mas nós enxergamos, nós vemos

E não há luz nessa clareira
É só um monte de alva ameaça
Às vidas disformemente negras
Que vão e que vem, que acordam cedo
Os homens e mulheres da redenção
Os rebentos dos sem-correntes
Pessoas livres escravizadas,
Seres humanos em construção

Mas nós enxergamos, nós vemos

Os atabaques soam num tom
Que as matas vibram ao seu toque
Que conversa em Bantu, em Iorubá
Que fala criolo com seus irmãos
Depois da calunga grande, o sofrimento
E todos os navios que o mar tragou
Deu sabor de lágrima às águas atlânticas
Tocou a despedida em tom de banzo
E então calou-se, do lado de cá.

Mas nós enxergamos, nós vemos























segunda-feira, 14 de setembro de 2015

A tristeza é oca

A tristeza é oca
Um profundo silêncio
Um furacão que traga
Puxa e nos derruba
Revelando em nós
O nosso pior.

Eu sou a morte.
Nasci para o fim
E do fim sou vassalo.
Sou a escolha errada encarnada
O tropeço, a mazela
A tosse dos concertos sou eu.

Meus olhos são fogos-fátuos
Perdidos sem foco
Cansados, como meu coração
Como meus pensamentos o são
Cansados da dor debaixo dos panos
Se escondendo atrás dos véus
Externando em meu peito
O vazio que sinto
Chamado de tristeza.






Te faço minha Coca Cola

Te faço minha Coca Cola
E tomo um gole
Mas sou saudável
Faço da outra um suco de frutas
E bebo Parte
Paulatinamente Digerindo
Enjoo do gosto daquela
Mudo de Sabor
Engulo o paladar da Moda
Consumindo a moça
Igual àquela da TV
Esqueço o corpo
Agora quero a que parece
Carro importado
Compro-a numa esquina
Esqueço na outra
Após uma hora de Transa
Ou de CONSUMO
Porque a que meus olhos clamam
Agora é outra
Exposta na vitrine, bela,
Já semiNua
TERMINO DE DESCASCÁ-LA
Fruta exótica
Cuspo o caroço na rua
Sem terra Fértil
Compro a que me sorriu
Semana passada
Estava na loja que gosto
Das calças jeans
E uso-a para bater
No dia-a-dia
A DESCARTO e arrumo outra
Após o desgaste
Aquele amigo que tinha
Também se foi
Arrumo outro outro dia
Em algum SITE
E se eu conseguir desconto
Compro uma dúzia
E deixo no aguardo na estante
Lá do meu quarto
Ao lado da mulher que escolhi
Pra ser meu Tênis
Pra PISAR e acompanhar
Na minha CORRIDA
Mas a escolhi pela beleza
E por ser CARA
Pois mais me importa é consumir
E ser o DONO
Do que ser e fazer feliz
Quem amo sendo quem sou
E tendo o que preciso.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

As miudezas que me cabem

As miudezas que me cabem
Nessa mão diminuta
Meus erros, minhas frustrações.
Nada disso serve aos homens
Nada disso serve ao mundo

Vasto mundo que me engole
Sem poesia nos dentes
Me devora
FAMINTO
Esgoelado e sem pudor
Rói meus sonhos pequenos
Minhas mudas de esperança
Num mundo melhor
Transforma tudo em mercadoria
E me vende a um alto preço
Só pra eu me endividar...

Meu tamaninho! sou uma criança
Tentando brincar de VIVER
No mundo de gente grande
Já acostumada a SOBREVIVER
Gente que acorda cedo pras ninharias
E no seu tiquinho de terra
Seu tiquinho de teto
Pensa ter tudo que precisa:
Um pedaço de pão
Uma água barrenta
Um pouco de tempo enlatado
E um sorriso falso de televisão.

Sou o cotovelo da sociedade
Um pequeno que anda só
E sou a menor história da humanidade
Aquela que vai embora fácil
Que termina abreviada sem começar
Por que sou um mundo e uma existência
Onde eu não existo nem em mim.




domingo, 30 de agosto de 2015

Vermelho do Sol

O sol tomou forma...E eu vi!
Veio subindo por detrás do monte
Escalava sem parar, desde manhãzinha...

Fazia tempos que eu não via um dia tão azul
Já estava bem claro
Quando o Sol chegou no cume do monte.
Não trazia nada nas mãos
E sorria com dentes longínguos...

Expandiu-se num instante!
Pegou sua capa e voou céu adentro.
Parecia entender do assunto
Nem balouçava no céu...flutuava sereno!

E como chegou, se foi
Afundou no mar da noite
Acho que ficou tão quente e feliz
Que queimou sua própria capa...
Ou cansou de brincar de nuvem.
E sem temer a partida
Se foi num arrebol
Colorindo de vermelho o horizonte!


quinta-feira, 20 de agosto de 2015

A fome em terra seca

A fome
O osso a terra come
A pele engorda a traça
Sertão que se alastra
E não tem fim na terra.
O solo seca a alma
A sede é maldição
Vai matar mandacaru
Assum preto e azulão
Chuva molha o sertanejo
Fica verde toda parte
Mas se em janeiro não chover
Carcará faz seu abate
Come as carcaças que tiver
Enquanto água não vier
Pra esse solo de meu Deus
Parece amor que parte
Angústia que nunca passa
Tristeza que cobre o rosto
Choro  sofrido de adeus.


Barco da redenção

A barca é branca
O corpo é negro.
A esperança nunca foi verde
Do lado de lá.
Navega tisga,
Famélica trupe
Família desfeita
Origem renegada.

Busca o senhor de engenho
Busca o braço da repressão
Busca quem o fez miserável
Implora um instante de reparação.

Navega ao norte do Norte
Navega rumo aos anjos da morte
Navega sem saber onde fica o porto...

Mas não há ancoras
para essa barca
Porto seguro,utopia!
Nas terras alvas serão
Vendedores de bolsas,
Guarda-chuvas, falsos relógios.
Serão coopitados pelo tráfico
Serão intorpecidos de brancura
Serão desumanizados pela falta
E a distância é só o começo.

Sonho infundado!
Mar revolto em sua rota
Boias esgotadas
Ébano não boia
Afunda no mediterrâneo
Junta-se aos antepassados
No imenso azul que finda
As histórias da pele negra.

Amora nova

Ofusca a rosa a linha curva
Dos lábios doces que margeiam teu sorriso
Empalidecidos no fulgor da manhã turva
Degustam o calor, enrubram o riso.

E mais feliz sou eu ao ver teu rosto
Amora nova, rosada em flor
Alfora a pele amarga, esconde o gosto
Do brotar negro que adocica a cor.

Somos,juntinhos,mar e jangada
Todas as cores e a ausência delas
Amor que nasce quente em alma apaixonada
Feito pra ser eternizado em aquarela.


quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Tenho medo da certeza

Eu tenho medo da certeza.
A certeza é uma pedra no peito
Um peso morto na mochila
E só é útil para quem não tem bom senso.
Gosto de quem não sabe se gosta,
Quem no fim não lembra do começo.
Eu não olho o relógio.
Eu não vejo a previsão do tempo.
Tenho sempre um casaco para emergências
E um amor engatilhado ao lado da cama.
Eu não lembro datas
Nem sei qual é a próxima música
Adoro o caos da noite
Os sons que nos farejam
O perfume das recordações
E as sombras que nos movem.
Meu combustível é o amor
Meu comburente é a dúvida
A fogueira que queima em mim
Me consome; o amor me reduz a cinzas,
E do amor - é consenso,
Não se reclama.
Certeza é a morte, o fim.
O destino do amor é a última estação.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Dói-me sua boca

Dói-me sua boca
no recôncavo
No âmago da amargura,
Essa distância,
Que tece no tempo uma lágrima
E causa no peito meia saudade.

Volta hoje, inda tem tempo
Temos um estojo cheio
De lápis
E das cores do infinito
No rebojo
do Sol poente
E da noite clara surgindo.

Me daria a aurora
Nas mãos correndo
feito relâmpago
No teu corpo
quente, ebulindo
Minhas carícias
no teu rosto
E o meu medo consumindo.




sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Mandacaru

Terra adusta entre o meu atlântico
A sul de Câncer, ao norte de Capricórnio
Nessa ponta de terra, onde a seca brota
Houve você, nascida Flor de Todos os Santos.

Houve mais de você, ainda, pelas estradas
Que teus caminhos o chão lembra, o solo fértil...
Da flor ebúrnea, boca rubra e coração
Que tanto é mistério quanto o meu arritmia.

Repousa em teu semblante esse dilema
Um sol da meia-noite de um inverno no Ártico
Esconde a escuridão atrás dos teus olhos
Esquece a noite perdida dentro de mim.

Trás-me, contudo, um sorriso de esperança noturna
O palor das horas é uma ampulheta emperrada
Que não deixa desabrochar a rosa do sertão
Nem deixa dormir meus pensamentos

E estar longe assim é chão de barro
Nascente de belezas e sofrimentos
Morro na distância da moça e no Adeus
Até o reencontro estou morto também.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Poucas palavras

São poucas as palavras
e o silêncio
Era um eco da alma
grito sufocado, um socorro,
que ricocheteou nas árvores
E bateu no ouvido.

às vezes tudo foi sonho
e ela também era.
Encontrei-me em desencontro
Descaminhos, fora de mim
a rua olhava-me e me via
eu não... estive cego por muito tempo.

Voz calada nas esquinas
nennhum violão ousou tocar
nos escombros do meu orgulho
reitero que ela não é mais que as horas
e  também há de passar.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Philomena

Philomena, essa prece,
Escuta? É minha voz...
Os lírios já não crescem
Lá fora, o canto cessou.

Silêncio que meu corpo emana
Sem choro, sem lágrimas,
Eu já não vejo a grama verde
Nem as flores coloridas
O que há de tão severo
De tão caótico e tão atroz,
Dentro dos seres humanos?
Philomena, você não ouve...

Não ouve o pranto das ruas?
Não há beleza em ser vil...
Não enxerga as dores que passo
Não vê que da minha boca não saem palavras
Não tenho nada para dar
Nem ao menos posso receber
Estou fechado hermeticamente
Como uma embalagem de super mercado
E não tenho espelhos para achar a tampa.
Philomena...se ao menos tuas mãos me tocassem!

Queria que não fosse assim
Que o Sol voltasse a queimar minha fronte
Mas esse inverno não me abandona
Parece o odor de um Gambá moral...
E é tão frio estar sozinho
E tão triste não ver as estrelas em seus braços...
Onde estamos, meu doce amor?

Não há seu nome nas esquinas
Não há suas lembranças na memória
Os pássaros são os mesmos, porém calados,
Sem carcarás nas árvores da frente
Sem manhães bucólicas no centro da cidade
Sem xote e sem baião pra nós.
Só um gosto amargo na gargante
Uma vontade de gritar que não cessa
Um ódio tremendo de ter vindo sozinho
Até onde meus sonhos me trouxeram
E seus pés não puderam alcançar.
Philomena? Philomena? Ouça meu recado...

domingo, 5 de julho de 2015

Acubens, Altarf, Arsellus

Tambú que vem de Minas, pele clara
A carne negra como a raiz, retinta-rubra
Se bate forte no Tambú grita alto
E o teu canto dá prazer a quem te escuta.

Tambú-mulher de força bruta
Vinte primaveras sobre essa terra
E sob esse céu de ebúrneo encanto.
Padouk e Ébano verdejam em seus traços
Bocas, olhos, mãos e língua Banto
E o Sol se pondo nas pontas dos seus cachos.

Teu Sol poente invade a minha noite
Olho acima das nuvens, vejo
Acubens, Altarf e Arsellus
Derreto,enfim,
Nas lembranças dos seus beijos.

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Boca do tempo

A boca do tempo
E suas dezenas de dentes
Mordem-me, mastigam
Meu frágil corpo,
De ir e vir atrasado,
Meus planos,
Minuciosamente projetados,
Me dilacera com os seus caninos.

De uma vez me engole segunda
E me cospe numa sexta
Já completamente digerido
Pelo mundo que me moldou sem relógio
Pelo ócio que me domina.






Todos os cantos

E todos os cantos
Foram ouvidos de repente:
-Au Revoir! Auf Widersehen! Adeus!
Gritava toda gente.
E, assim, libertos da carne,
Um alívio sentiram,
Não os que aqui ficaram,
Mas os que daqui partiram.

Entranhas

Derrubo minhas entranhas
Sobre esses móveis sujos
Tentando dar razões ao meu gozo
Nas mesquinharias diárias.
Tiro de mim tudo o que me faz vivente:
Sentimentos tolos, sonhos, pâncreas....
E na bagunça do meu avesso
Não acho uma lágrima decente para me vestir
Saio sem meu choro, usando sorrisos
E, olhando atentamente aomeu redor,
Procuro um outro alguém que sofra também.

Passarinhos

De manhãzinha,
Após espreguiçar-me,
Canto com os passarinhos
Agradeço-os pelo bom dia
E,dentro de mim, bem no meu interior,
Também eu tenho asas.

terça-feira, 16 de junho de 2015

Se eu disser que te amo

Se eu disser que te amo,
Saiba de uma coisa:
A língua é falha!
E talvez eu queria ter dito
Que te quero muito
Que suporto teus erros
Que te tenho tesão
E nada mais.

Se eu disser que te odeio
Pode ser uma grande mentira
Não sei se disse o que eu queria
É que eu penso B e falo V
Mesmo que sejam ideias próximas
Mesmo que o som das letras se pareçam
Perdoe!, foi mal uso meu da língua!


Prisão

Prisão-corpo
Prisão-alma
Prisão-tempo
Prisão-pele
Prisão-emprego
Prisão-crediário
Prisão-hétero
Prisão-gay
Prisão-definição
Prisão-fenótipo
Prisão-genótipo
Prisão-seu signo
Prisão-cela
Prisão-dinheiro
Prisão-luxo
Prisão-currículum perfeito
Prisão-diploma
Prisão-pobresa,
Prisão-gosto musical,
Prisão-time do coração,
Prisão-seriados de TV,
Prisão-gosto literário,
Prisão-psicológica,
Prisão-moda,
Prisão-transporte público,
Prisão-hospital precário,
Prisão-educação sem qualidade
Prisão-escuro
Prisão-claro
Prisão-noite
Prisão-dia,
Prisão-faculdade
Prisão-desemprego,
Prisão-orgulhar a família
Prisão-felicidade
Prisão-liberdade
Prisão, para!

Aprisionado às maneiras
E aos costumes; Às regras
Todos buscam liberdade
Dentro do mesmo Universo
E quem é livre demais...Aahh!

Esses nós chamamos de pecadores!
Quem é livre dentro de si?
Livre da prisão
De tentar a todo custo
Ser livre, de verdade?

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Seis Vidas

Seis vidas e um sorriso pavoroso
Rosto de deixar marcas com copos vazios.
Caminha, se vai; se voltar...resisto!
Chegou: "- Tem um cigarro?"
Que pergunta! Não...respondi.
Então quer um? Tenho dois...
A noite seria longa demais e fria
História de diversão de segundas
Sempre as piores e mais divertidas.
Saímos sob os olhares de suspeita
Aquele céu havia sido pintado de nuvens há pouco
Quando voltei a vê-lo, que loucura!
Estava salpicado de estrelas, como em Carolina.
A rua nos chamava com bafo de aguardente.
Então o mundo girava e eu sentia,
Como uma aversão aos acidentes domésticos,
Precaução, cautela e passos lentos
Má combinação pra quem sai tão pouco.
Eu estava tão bonito, nem parecia com meu pai
E a maldita entradinha na parte esqueda da testa
Quase calvo como o velho...Eu reluzia feito ouro
Ela não notava nada em mim. Estava enternecida, porém,
Com um olhar mal criado num scarpin marrom escuro
Pernas fortes, rosto fino. Veloz e inteligente na língua
Seduziria até uma rocha, se o quisesse fazer...
Tudo era anormal naquela noite
Estavamos imensos, solas de sapato gastas
Quilômetros rodados a pé
Não disse uma palavra por infinitos minutos
Nem ela...Nada fora dito.
Até os lábios se curvarem em direção ao outro.
Ouvimos um sussurro. Nada mais.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Nenhum verso

Nenhum verso, nenhuma palavra, nenhuma sílaba
Nada, nesse Universo de perdições, de mágoas vívidas
Não resta em mim uma gota do orvalhado afã
Que motivaram meus dias de ontem, para o amanhã.

Não restaria em mim em vida uma Orquídea,
Uma Bromélia ou um Lírio vermelho em meu jardim de traumas
Que a cor aos meus olhos enfim devolveria
E viver fosse de novo uma noite alva.

As castas flores e as brancas revoltas vagas
Dos perfumes e frescores já esquecidas
Em meus olhos quando pousam no pensamento, enternecidas
Aquecem-me o peito com lembranças parcas.

E agora, com esperança de sorrisos, já despetalada
Chora a rosa em seus funestos dias
A recontar histórias de seus amores
Para quem delas foi protagonista.










Aquela mulher que não existe

Todas as belezas estão nela:
No jeito de amar o ócio,
E tocar violão desafinado.
Sua enigmática falta de tato
Para as coisas pouco práticas fascina.
Suas caretas são horrendas,
Sua organização inexistente
Suas roupas são uma mistura
De roupas imensas com outras que nem lhe cabem
E o sorriso ranzinza...!
Amo-a!Amo-a! Amo-a!
Pena que eu nunca a tenha conhecido...


domingo, 24 de maio de 2015

Beijando Palavras

Peguei-me pensando em poesia
Beijando palavras, encontrei teus lábios.
Descobri que é no som das frases ditas de coração
Que os olhos brilham e encontramos,
Dentro da escuridão dos dias vazios,
A degustação dos prazeres perenes,
Que habitam as pequenas coisas.

Sim, são escuros meus olhos castanhos
Meu olhar é mais escuro ainda, cor da tua pele,
E no cansaço que o horizonte esconde
Estão meus olhos, a te procurarem
Como se houvesse um pedaço de ti nas coisas,
Não em todas elas, mas nas melhores,
As que nos fazem amar os segundos,
E não conhecem relógios, conhecem o tempo
Posto que esperam por ti na eternidade da tua presença

E quando tu passas os teus caminhos orvalham
Transparecem a memória da terra
Que lembram de ti quando nela as flores crescem,
Quando os primeiros raios de sol tocam o solo
E os vermelhos da manhã se vestem de folhas
Por quê o melhor do amanhecer é verde
Como teus olhos cor da mata,
O mesmo verde que abraça a luz do sol
E cresce no seio do calor desse abraço.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Gaveta de Bigigangas

Na mesma gaveta de bugigangas
Quinquilharias espalhadas
Livros e sonetos, réguas quebradas, bilhetes...
Algumas fotos entre coisas esquecidas
Um bocado de coisas desimportantes
E é lá que eu me guardo, me refugio.

Parece-me distante, ainda
Tornar-me parte da prateleira arrumada
Acima da escrivaninha, lá, pra onde olho
Sempre que procuro coisas importantes
Por que é nela que estão os melhores livros
As melhores histórias que tenho para contar
E tudo o que me é mais caro:
As fotos das pessoas que amo,
Os lembretes dos meus compromissos
Meus livros de estudo, enfim, tudo o que tenho.

Acho-me ainda morando sozinho neste corpo
Mas não moro na cabeça
E sempre parece que moro num apêndice de mim
Numa dobra minúscula do inestino
Fazendo coisinhas para parecer importante
Ensinando pequenos truques para pequenas pessoas
Servindo chás e servindo de exemplo
Para mim mesmo, exemplo do que não se deve ser.

Que orgulho! Ela me olha lá de cima e me vê menor
Como se os meus vermes fossem edifícios enormes
E eu fosse como eles, tão pequenos e tão miseráveis
Rastejando pela face da terra
Espalhando pequenos sorrisos, servindo de Puppet pra vida.

A despeito dessa gaveta me caber
Ela não cabe em mim, na minha totalidade
Sou um universo recostado numa parede
Tomando ar para continuar a expandir
Tão aceleradamente que nem sei onde vou parar
Mas se eu parar, será no topo de uma coisa qualquer
Não onde estou, num buraco de engolir vidas
Na ponta de baixo de um ice berg.


















terça-feira, 19 de maio de 2015

Quis dizer que te amava

Quis dizer que te amava
Mas as palavras não vinham
Não vieram as sílabas
Não vieram os pensamentos...

Quis dizer que te amava
Mas os sentimentos se esconderam
Tão bem que não os encontrei
Dentro de mim, em ninguém mais...

Quis dizer que te amava
Mas vi seus olhinhos famintos
Mas eram de fome mundana, fome de pão
Tua fome eu não poderia matar...

Quis dizer que te amava
Mas disse silêncio, desses sinceros
Que são o desabafo do coração
Quando vem na forma de um suspiro...

Quis dizer que te amava
Mas suspirei admitindo a derrota
Fui meu lobo ao pelejar
A luta que não se vence.

Quis dizer que te amava
E disse baixinho, pra mim mesmo
Tão baixo que nem eu escutei
E por não me ter escutado, hoje eu choro.



















quarta-feira, 13 de maio de 2015

Canção de Súplica

Arquétipo de súplica escrita
Canção motriz que me norteia
Minha lira, minha musa, minha derradeira
Tentativa de manter-me são nesta heresia.

Popular sentimento lascivo
Que a dois corpos se faz cordão umbilical
A mim foi dada a sorte da morte prematura
Da esperança em um fim triunfal.

Sou Werther, sou o vivente inebriado
Um trôpego pássaro engaiolado
Sou nada além do meu lobo atroz
Que tudo fareja, e a tudo destroi.

Paixão e poesia, assim, rebatizada
Como se eu jurasse amor eterno
Como se sofrer fosse-me um alento
Para redimir-me dos meus erros.

Olhar sereno que se foi de andada
Carregado em sonhos sem baterias
Que nem funcionam em olhos fechados
Tampouco funcionam à luz do dia
O que querias, por quais caminhos andara?
Quantos sofreres tuas mãos já suportara?

Aperta-me o peito na noite serena
Deixo a memória dos ventos sussurrar em mim
Todas as lembranças do meu relento
Todos os orvalhos caidos, enfim.

E o peito que descambou em manhã fria
Vislumbrava o beijo da pétala umedecida
Mas quis-me a morte a andar em sua companhia
Para matar-me pouco a pouco, todos os dias...

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Silêncio de fim

Passo apressado pelo mundo:
Não sei se um dia vou ter tempo
Para ter tempo a perder.
As diligências são todas
Em tudo na vida a inquietação
E no fim, tudo acaba
Em um profundo silêncio.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Guerreiro-menino

Guerreiro-menino,
Fiho da mata
Criado ao som do atabaque
Passado distante
Tambor vibra
Bate no peito a saudade
Chama a ancestralidade
O chamado ecoa
O ouvido não ouve
Quem ouve é a alma
Na voz da Jurema
O passado te chama
O banzo é doído,
Seus olhos bem sabem...
A dor sem explicação
A falta essencial
Os mistérios ressoam nas árvores
Sussurram ao pé do ouvido
Seus pés querem ir sentir a maré
Ver a Lua maior
Quem sabe o espírito é liberto
No pé do Jacarandá
No tronco do Ipê?
Guerreiro-menino,
Fiho da mata
Criado ao som do atabaque
Passado distante
Tambor vibra
Bate no peito a saudade...

terça-feira, 28 de abril de 2015

Sombra de um novo dia

Amanhece a sombra de um novo dia.
Ainda agora os garis varreram as ruas
Limparam as calçadas mas esqueceram
de limpar a sujeira dos homens.

Dias sujos nos coraçãos mundanos
Vidas feito árvores da amazônia
Trabalhadores pagando para trabalhar
Flores desabrochando mortas
Frutos podres nascendo nas videiras.

Em cada olhar extasiado na calçada
Vejo um reflexo da sociedade
Um egoísmo de sete da manhã
Que só quer ir para a mortalha sentado
E ouvir os esbravejos do patrão em paz.

Vivendo nas alcovas solitariamente
Cercamos-nos de uma multidão eletrônica
Acreditamos em datas festivas
Chocolates caros em forma oval
Mas não damos valor aos seres humanos
Esquecendo que também somos um...

E no vai-e-vem de ideias
Diariamente somos enganados
Mas fingimos que não ligamos
Para morrermos felizes e ignorantes.


Ária de Silêncio e Paz

Ária emplumada que tua voz entoa
Na melodia de uma primavera
Transforma tempestade em garoa
Acalma-me, os males dilacera.

Dos lábios doces de fazer quimera
No estribo, a nota que estridente ecoa,
Propagada a onda no ouvido gera
Silêncio d'alma que a paz coroa.

Quando o cair da noite visceral
No âmago dos seres vocifera
Tua voz faz-se meu mantra contra o mal

E quem de longe te ouve, imagina
Que o céu, enfim, à terra descera
Num mar de graça de voz cristalina.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Camponês de ideias

Abrir mão de toda a essência
Par ser um camponês de ideias
Sem toda a sofisticação computacional
Sem a pompa dos títulos acadêmicos.
Ser um pastor dos próprios pensamentos
Sem mesas de formação intelectual
Sem debates entre teóricos opostos
Somente si e o próprio silêncio
O âmago das coisas somos nós
E a filosofia primeira é a vida
Sem filosofias, somente viver.
O quê é então a solidez do conhecimento
Senão perguntas irrespondíveis?
Quem somos nós...para onde vamos...
Quando conseguiremos a paz mundial...
Quem é Deus? Quem é Deus de quem?
Perguntas vazias, perguntas sem respostas
Que nos fazem pensar no externo, 
Sem olharmos para nós. 
Temos computadores, mas não temos paz.
Temos internet, mas não temos paz.
Tem astronomia, mas não temos paz,
Técnicas fantásticas, máquinas fantásticas
Mas o que temos, não somos.
Não podemos ser máquinas, mas podemos, sim,
Ser pensamentos, ser os representantes 
De nossa própria filosofia
E, no fim, ninguém recordará de nós
Só de nossas máquinas, pois, 
Até agora, foi nelas que nos tornamos.

Certezas girassol

Certezas girassol
São volúveis, são tão eu
São caminhos bifurcados
Cheias de si de tão vazias...

Amanhecer fora melhor
Noutros dias, antes daqui
E onde estou, lágrimas nos olhos
Dor de Cabeça, trabalho em vão...

Espremido entre um por quê
E vários e se...E se não houvessem
Certezas? E se não houvessem manhãs?
E se não houvesse trabalho?
No que pensaríam os poetas e os filósofos?

Amanhecer...na vida alheia
Na minha, nasce o Sol
As brumas esfriam-me a alma
Tapando o Sol por um instante

Mas não há verão que se interrompa
Quando é meio dia na alma
Cabeça erguida, girassol!
Mude de ideia, mas sempre aponte
Onde houver mais vidas!

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Cabeça

Cabeça-pedra, anda
Pendente, encerrada
Dura feito panda
Robusta, rotunda.

Humana, cabeça,
Mantida, mordida
Ouvida e cheirada
Macia a bochecha.

O cabeça, mil cabeças,
De gado, quebra-cabeças,
De alho, os dentes,
Cabeça vazia.

Chacoalha a redonda
Esfera de osso
Maciça pensante
Oca, estridente.

Cabeça de aço,
Capacete acolchoado,
Apêndice do tronco
Pra ser amassada.

Oficina do cão no ócio
A cabeça oca (sem índio)
Geniosa-mente
De Einstein, Pessoa...

No fim do corpo,
No topo do monte
A mente é quem manda
Os pés obedecem.

Poetizar

Esta poesia que não me vem à mente
Que não faz louvor aos elementos da natureza em nada
Nem ao canto das aves pela manhã
Nem ao som da água do rio fluindo serra à baixo
Nem ao chiar das árvores quando passa o vento
Nem ao som dos animais correndo ao ar livre...nada!

Esta poesia que não possuo
Que não tem palavras dentro dos homens
Que é incompleta, incompreendida
Dita pertencida aos grandes mestres - homens também,
Esta poesia bandida que me foge à mão quando a escrevo
Que me foge à boca quando a declamo
Que me foge ao peito quando a quero sentir...

Esta poesia que mal imagino
Não é uma poesia, nem eu sou poeta.
Nunca houve natureza traduzida em palavras
Nem sentimentos, e nem horas, e nem momentos,
Nunca houve poesia no meu poetizar.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Morto coração

Morto não sei quando
O coração que nunca tive.
Anunciou a família num carro de som
Uma nota, o falecimento do coitado.
Vinha sentindo-se mal,
Vomitando sentimentos mal-digeridos
Regurgitando remorsos
Amores passados, decepções
Doenças fatais, arrebatadoras.
Agora, adormece, finalmente,
O corpo, relaxando,
Num ofurô de pensamentos fugazes,
Corpo são, mente sã,
Alma tranquila a drener angústias
Reciclar memórias e afazeres.
Planeja a cabeça um final feliz
Sem ter complicadores nas decisões
Agora não teme bifurcações na estrada
Segue seu caminho o corpo
Guiado por uma mente racional
Que livre nunca há de ter sido
Posto que liberdade é um sonho
Mas que agora respira um ar
Sem as ilusões de um coração parasita.


quarta-feira, 1 de abril de 2015

Vitral

O vitral dava pra ruazinha
Na lateral da igreja velha
Antiga como a cidade
Construída ao redor dela.
Parecia um litostroto suspenso
Mais polido, transparente
Quase translúcido
Quanto a paz que ali pairava.
Da igreja tradicionalmente branca
Via-se o efeito do tempo em seus detalhes.
O sino velho acima dela
As pessoas novas em sua frente
Lembrava velhas canções
Velhos poemas, velhas lembranças...
Todas as tardes eram sonolentas
Como as missas rezadas
Como as canções de Hildegard
Cantadas em coro por uma multidão
Que acompanhava o soar do órgão.
Uma saudade deslizava nas paredes
E habitava os vapores
Que as janelas altas expulsavam...
Hoje longe, muito longe,
Após tanto tempo
Eu só olho as fotos daquele tempo
E peço com devoção
Pra que nada tenha mudado por lá...




Se não fosse dezembro...

Hoje não haveria sol
Se não fosse dezembro...
Paira em redor
Do vento frio uma aura
Que sussurra com ele,
Que faz gritar os portões
E derruba como que sem querer
Uma fina camada
De gelo picotado sobre
A grama verde dos jardins.
Flores que não desabrocharão
No cinza da tarde
Fontes que não nos brindarão
Com água pura da torneira
Os cães não sairão
A funçar, cascabulhar
Um lixo menos amargo que a ração
Pelas ruas por preguiça
Pois é pálido o brilho da luz de hoje
Mas se dezembro já tivesse passado
Hoje não haveria sol
E no passado,
Nada é tão triste quanto o agora:
Os olhos se abrem cedo
As lojas se fecham tarde
A vida move-se tão depressa
Que nem se dá conta de que está viva...
Os que são pesadêlos
Respiram um ar puro
Os que sonham,
Enxergam o ar que respiram...
E as árvores, continuam
A morrer e a viver à mercê
Do cimento, dos facões e das serras
Sempre verdes, sempre altivas
E nas minusculidades da existência
Pensa a água que está em seu fim
Pensa a terra que está sufocada
Pensa o ar que já virou cinzas
Eu penso que há pouco tempo
E muito frio nas esquinas...
Vi perdida uma arara outro dia
Voava sem compromisso, sem hora
E assim, nunca conseguirá sua casa na praia
Sua independência...pobre arara!
Fria como os dias de hoje...
Acho que são os últimos dias de dezembro
Perto do fim do ano, todas as festas
Que não há de serem comemoradas
Pois logo será janeiro
E só quem viveu dezembro
Poderá se lembrar do calor do Sol.

segunda-feira, 30 de março de 2015

Nas filas dos Hospitais

Ilusão de céu azul
Sobre a cabeça, vertigens
A bem vinda aurora
Por quê veio?
Deixe o vazio seguir seu rumo
Fio de prumo da vida
Amor? Trabalho? Igreja? Filhos?
Mostre-me uma lágrima
Que não tenha secado
Chamarei-a de esperança
E as minhas moram no chão
Pisoteadas pela inocência
Da igualdade que não existe
Dos amores que não resistem
Das vidas que não residem
Das dúvidas que persistem
Sentimentos? Que é sentir?
Um ou zero, binário,
Resuma-me a códigos
E máquinas não sofrem
Eu ainda tenho um coração
Que é parte das estatísticas
Nas filas dos hospitais.

Poema sem Nome

Mais uma vez, rainha,
Arrebata-me violentamente,
Na fugacidade dos meus sonhos vis
Que ostento em surdina...

Amor, ser amado, ser amante,
O ser que não é nem verbo, nem sujeito
É o indizível, um moleque
Cuja juventude o deixa à mercê 
Do balouço do mar
Nesta vida que é um barco atracado no cás
E quando partimos para o amor,
Não voltamos para nós.

É o mar que nos molda o modo de amar
Em cada onda, em cada correnteza
Na espuma das vagas massivas 
Que nos molham os olhos
Em cada porto que não é porto
Em cada âncora que nos impede de seguir em frente.

Tristeza, abraça-me carinhosamente
Deixa-me em presença do quê não tenho
Como se fosse beijar minha fronte
Acariciar-me a face rotunda
E sobre minha espádua negra fosse debruçar-se
Na hora que te preciso de corpo e alma
Abandona-me, arrebata-me o calor
Congela-me em mim, nos meus mares e rios
Quando cai o céu sobre minha alma
E a noite me abarca em suas mãos.
Pousa-me no seio da solidão, amante silenciosa,
Vai partir rumo ao infinito de novo
Tão depressa que quase sou feliz
Antes que tu voltes.

E ainda assim sou meu próprio algoz...
Quem tem o amor que me seduziria?
Quem acreditaria que é possível amar como eu amo?
Estou morto? Sou um sonho, 
Que ninguém há de sonhar comigo...

domingo, 22 de março de 2015

Poesia do Silêncio

De vez em quando tudo é silêncio
Árvores e rios e estradas e a gente.
Eu me torno parte de tudo, de repente...
Deito em meu silêncio
Sonhos que me tomam, memórias que navegam minhas ideias
Pessoas que não posso mais ver
São meus olhos que turvam inebriados
São as horas que me ganham na corrida
Passam mais depressa que eu
E afugentam minhas vontades
Controlam minha força e os meus gritos.
Sou silêncio ante às atrocidades do mundo
- Morte que beija alguém na aurora da vida,
Os ares que são enfumaçados demais,
E o amor que cada dia se esconde mais.
Talvez um dia saiamos da caverna interior
Do nosso instinto primata
Mas, por enquanto,
Sou silêncio e escrita
Silêncio e medo
Silêncio e olhar à diante
Silêncio e positivismo
Silêncio e angústia,
E nada mais.

quarta-feira, 18 de março de 2015

Afrocentricidade

Afrocentro da cidade branca
(Periferia)
Afroconcentrados, empilhados
Afroseparados pela covardia
Sempre alva, mão da matança...
Pele macia, carne dura
Pele dura, carne macia...
Onde estão seus irmãos?
Ao teu lado! Na luta do dia-a-dia
Sangue vermelho escuro,
Retintos, Sol a sol fez tua cor
No epicentro da escravidão
O afrocentro do amor.

terça-feira, 17 de março de 2015

Palavras atravessadas

As palavras caladas cochicham.
Traçam planos num papel em branco
Escravisam lápis, canetas, poetas...
Aparece e desaparecem
Não escreve e nem descrevem,
Circunscrevem, dilaceram
Sentimentos e sentidos, a semântica das coisas.
As palavras são labirintos de se perder
São como ratos acuados, perigosas
Traiçoeiras, Ardilosas e dóceis, muitas vezes.
Só os tolos acreditam ser letrados
Mas apesar de tudo, há quem se dê bem com elas
E por toda a vida são enganados.
Palavras não amam, não tem nervos
Não tem coração
Palavras são meio prato de comida
Para os poetas e escritores
Matam a fome, por hora, mas não saciam.

Nos arredores do amor

Nos arredores do amor não cresce mato
Não crescem flores e não há fauna,
Há, no entanto, espinhos e pedras,
Nos arredores do amor há a certeza
Que se não for o amor, não pode ser nada.


Natureza

Conheci a poesia quando eu me calei
E, no meu silêncio vi que mais bonito era,
O som das árvores, o azul sereno do céu,
Ou a passarada a gralhar e bater asas.
De galho em galho a vida animal se faz,
Seja com os macacos, seja com as aves,
Ou com as onças a caçar ferozmente.
Tudo na natureza são árvores e rios
E nascer do sol e céu e ar e terra.
O resto, é invenção do homem.
Chamo a natureza de vida pois a sinto,
E nunca senti-a nos escritórios,
Ou nas repartições ou atrás dos balcões.
Acho, porém, que nessas masmorras de se empilhar dinheiro,
Morrem mais sonhos do que nos penhascos,
E sonhos – felizmente para mim,

É o quê de mais bonito alguém pode ter.

segunda-feira, 16 de março de 2015

Pequena lista do que quero

Em primeiro lugar, quero paz.
Depois, quero silêncio.
Quero justiça, além de tudo
E, além de justiça, quero igualdade social.
Quero ter direito a ter direito
E quero ir e vir sem pagar pedágio
(Pelo menos, não mais que uma vez)
Quero ver o céu azul, vez ou outra,
Quero ver o céu cinzento da chuva
E não o cinza amarelado da poluição.
Quero ser feliz, como todos querem,
Mas quero uma felicidade leve
Que não atropele ninguém e nem seja atropelada.
Quero ter uma família, do jeito que eu quiser
Casado ou não, hetero ou não,
Quero poder fazer o que me dá na telha
Se isso não ferir nem magoar ninguém.
Quero chegar cedo no trabalho
Quero que isso não me custe uma noite de sono
Quero que os ônibus passem no horário
Quero metrô na cidade inteira
E quero poder ir pra casa de transporte público
Quando já for de madrugada.
Quero poder viajar para fora das fronteiras do país
Quero que o mundo seja livre, como as pessoas deveriam ser...
Quero que crianças nasçam sadias
Quero que as mulheres escolham
Se querem ou não ter filhos
Quero que nenhum soberano exista
Quero mais amor ao próximo
Quero mais demonstração de amor do que de guerra
Quero menos morte e mais vida
Quero solidariedade...
Quero poder não querer nada.
Quero que a polícia militar acabe.
Quero que o genocídio do povo negro acabe.
Quero que o capitalismo devore os capitalistas.
E quero que o povo seja liberto do patronato.
Reparou que fui meio repetitivo?
Pois é...quero muito do mesmo, várias vezes
Pois é preciso reiterar o que quero
Para que assim talvez eu consiga que as pessoas me entendam...
Ah, quero também liberdade de expressão sempre
Pra que esse poema seja publicado sem censura ou cortes.




Ela

Ela
E seus cabelos encaracolados
Viam algo além de mim
Eu não via
Nada além de mim
Como ela.
Mas era uma imagem
Forte e altiva
Simples, porém,
Feito menina risonha
(Acho que era só isso)
Eu que via o que não era
Ela não era o que eu via
Era mais.

domingo, 15 de março de 2015

Não era por vinte centavos

Não era por vinte centavos.
Não era por um partido, nem pelo outro.
Não era por liberdade, tambouco.
Não era pelo que diziam ser.
Os criminosos não cometeram crimes.
Os bonzinhos, tornaram-se vândalos
Os heróis se meteram em escândalos,
Logo vimos que não eram os nossos heróis...
Confundimos um pouco o pão com o circo
Primavera com inverno
Povo com meio dúzia de loucos
Que gritavam por sandisses do passado.
E de um ano pro outro mudou-se pouco
Os vilões ainda são os mesmos
Mas encontramos agora outros agregados
Tão familiarizados com a dificuldade da nossa luta
Que resolveram mudar de lado.
Onde tinham milhares, falou-se em milhão
Onde tinham milhão, falaram em milhares
Mas lá onde o asfalto é liso
É possível ainda reclamar
Pedem impeachment, intervenção
Se esquecem da sede estadual
Do anseio por mudanças no país
E dos problemas sociais.
Quando pedimos o fim da morte dos nossos
Fomos reprimidos. Não teve mídia.
Quando pedimos melhorias onde moramos
Fomos reprimidos. Não teve mídia.
Não entendia em que Brasil morava
Até entender que em meu país faltava país
Faltava tudo que os manifestantes já tinham
E reclamavam não ter.

quinta-feira, 12 de março de 2015

Celeste

Paisagem irreal em meu caminho
A sombra dos dias deitada em fulgura
Tão belas que foram as horas das tardes
Em que juntos caminhávamos pelos bosques...
Passado o calor que nos molhou a fronte
Uma despedida cortez, olhares curiosos
Eu olhava para trás, você também
Receosos da distância que se aproximava calmamente
E o alcance das mãos pequeno se fazendo.

Melhores lembranças, nos melhores dias
Dias em que os céus nos permitiram uma olhadela
Através das portas que a nós se abriram
E o Paraíso à nossa frente se mostrara.
Senti-a viva em todas as vezes que sorrira
Mais que você vivi eu,finalmente,
Na primavera dos meus anos de vida
Quando tive a certeza de que as estrelas nos beijam
Todas as vezes que as olhamos a fazer um pedido.

Paisagem irreal em meu caminho
A lua nova desejava-me nova vida
A grama esverdeada balouçava num verde profundo
Ao sabor da brisa que nos refrescava.
Eu fui até o último centímetro que pude contigo
Em sua doce companhia, lado a lado
Degunstando cada uma daquelas horas
E por mais que eu tenha pensado anteriormente
Que a vida nada além de tristeza me pudesse trazer
De repente, os anjos ma trouxeram, como em meus sonhos
Cândida, envolta na moldura celeste
Pintura celestial que os meus olhos acalma
E os meus sentidos apaziguou.

Manhã que se apresenta nas primeiras fagulhas helíacas
Traga-me de novo o beijo doce daquela visão
Que a luz refretida na face erbúrea ma trás!
Sorvi-a e vi-me inteiro, novamente,
Em cada palavra que perfazia-me os ouvidos
Saidas dos seus rubros lábios.

Pouco a pouco vi que me tomava
O desejo de passar outras tardes ao seu lado
E que caminhar já não seria o suficiente.
Qui-la em minha essência, parte minha indissociável
Como se teu azul fosse o azul do céu
E o meu azul fosse o azul do mar
E no horizonte em que nos encontramos
Somente as estrelas nos entenderiam
E cada lágrima que um dia derramamos
Fosse nesse instante, elevar-nos
Da terra ao mar, do mar aos céus
E do meu peito aos teus abraços.

(São palavras tudo o que possuo
E imagens que perpassam-me num vulto
A sossobrarem minhas vontades
Permeiam aquilo que chamei de planos
E desfiz o que antes me parecia real
Como se mais real se fizera
A ilusão que os bosques me ofereceram
E as nuvem que nos molhavam de volúpia
Em cada lufada do seu hálito sobre o meu
Toda vez que relembro os nossos dias.)

Vibrara minha alma com a sua chegada.
A aurora que tingia a abóboda celestre enrubesceu-me
O amado dilúculo me beijou a fronte
E pareceu que era o teu carmim sobre a minha boca
Num ósculo que adormeceria os meus tormentos.
Fora sonho, tudo além da sua chegada
Paisagem que o horizonte dobra para ver passar
Linha tênue entre o meu infortúnio e o meu júbilo.

(Toda página em branco esconde um nome
E uma história a ser contada ainda
Possuo um livro em que você figura
Em todas as páginas desde a primeira
Desde o primeiro instante que a vi distraída
Sentada ao ar livre, feito um jarro de flor.)

E nomeei paixão a tudo o que em minha vida tomava forma
Amei sua silhueta como se fosse uma imagem
Que o mais nobre templo me concedera.
Divina! Celeste! Como senti-me um sacristão em sua presença
Mas em meu corpo humano batizado em pecados
Habita a carne que a pureza dos tronos consome
E a torna a mim a mais desejada das humanas
Pois habito em ti como um frágil silêncio
Em teu corpo sublime, no qual até a sombra reluz.

Pensei que os anjos só habitassem os céus.
A vez primeira que a terra fez-se sublime
Nessa visão que a redenção nos oferece
Poucos momentos a deparar-me com o universo
A obra divina de mãos macias, olhar tímido
Sorriso acanhado, melodia visual
Um amálgama de cores que cintilam
Em meus olhos e bruxuleam
Feito a luz das estrelas mais distantes
Feito os sonhos que moram no infinito
E que só os Deuses mo trazer poderia.

Por isso, entrego aos Deuses que ma concederam,
Todos os segredos que escondo de mim.
Os medos que tenho dessa solidão
Que habita a sua ausência, sua despedida.
Entrego-me, como um réu confesso,
O qual cometera o crime de amar emudecido
E morrer em cada segundo ante ao dissabor
De ter no peito mais do que se pode carregar
A vida humana em forma de amor.

domingo, 8 de março de 2015

Papiro azul escuro

Quando me levanto pela manhã,
Rezo ao pensar no nascer do Sol.
Não sei ao certo a que Deus eu rezo
- Se à Alah, Buda ou mesmo o Deus Cristão -,
Só rezo, num esforço quase orgânico de admitir,
Que sou tão pequeno quanto o meu mundo.
Meus olhos miram o céu firmemente,
E todo o resto que por vezes estão acima de mim.
Conto pombos, pardais, Pica-paus,
Diversos seres que, como eu,
São mínimos na natureza,
Mas fazem, cada um do seu jeito,
Uma grande diferença para a vida na Terra.
Essa é a minha janela, dentro da minha casa,
Casa que fica dentro de um condomínio arborizado,
Dentro de uma cidade com mais de um milhão de pessoas.
Se essa é a natureza da cidade,
- A despeito da poluição dos automóveis,
Do lixo doméstico, dos esgotos e da fumaça dos cigarros e carros-,
E já assim sou feliz com tão pouco dela,
Imagino-me cercado de verde, como nos campos...
Por isso amo cachoeiras e estradas de terra,
Amo, na chuva dos campos, o cheiro da terra molhada,
A possibilidade de fazer bonecos de barro,
Ou algo mais personalizado, para o qual não tenho habilidades.
Amo e detesto as cidades muito grandes,
Sou talvez nascido para viver um pouco aqui e um pouco ali,
Sem montar uma fortaleza, sem adquirir bens,
Pois possuo em meu ser,
Uma verdadeira admiração, uma enorme devoção,
A tudo o que não posso ter.
Quero a liberdade, mas o que é ser livre? Ser livre para quê?

Zum Bleiben ich, zum Scheiden du erkoren,
Gingst du voran – und hast nicht viel verloren.”
Goethe sempre foi o meu poeta preferido,
Mas ele não falava muito em natureza,
Apesar de amá-la com fervor, como em Werther.
Por isso gosto de Alberto Caeiro, vulgo Fernando Pessoa.
Meus gênios preferidos sabiam escrever e sabiam,
Acima de tudo, ler a natureza das coisas ao redor de si,
Ou ler as pessoas e seus sentimentos.
Eu sei muito pouco de muita coisa,
E fico triste, às vezes, por saber de tudo e de nada.
Sou um físico não-formado (como todos os outros que conheço),
Um homem de parco conhecimento mas que observa,
Ao seu redor – como fizeram os grandes poetas-,
As pessoas e a natureza, desde os bebês aos mares revoltos.
Acho que homens são um espelho da natureza:
Alguns são furacões, outros são lagos tranquilos,
Ademais os temperamentos, todos são natureza,
E possuímos muito mais em comum do que pensamos.
Alguns homens, porém, são exceção,
São terremotos, ou maremotos, ou erupções vulcânicas,
Violentos demais para não destruírem de alguma forma,
Ou para serem totalmente evitados,
Incontroláveis por si só e imprevisíveis.
Nesse aspecto, sou um grande poeta,
Não controlo meus amores e nem a natureza,
E os observo compulsivamente,
Como se houvesse pra mim um espelho d'água,
Que no final de todas as histórias,
De todos os universos,
Se revelaria para mim a grande verdade Universal,
Em um grande papiro azul escuro,
Com versos simples e uma letra bonita,
Os versos inicias do Criador desse imenso poema que é a vida.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Ampulheta

Descorrem os especialistas sobre o tempo
Mas não vejo futuro nessas barbas brancas
Encobrindo com pelos grossos os pálidos rostos
Descontentes quanto a própria ignorância...

tento olhar além dos seus monóculos.
Estou em pleno século dezoito,
Lavando roupas à mão,
Tomando café num banco de madeira,
Aguardando as notícias da capital
Enquanto lá fora, as crianças envelhecem,

e o tempo aqui é outro.
Somos verdadeiras máquinas de petições
Ora a pedir informalmente,
Ora a apresentar um papel timbrado
Com firma reconhecida
exigindo não mais um brinquedo desses de madeira
mas um desses que não sujam as roupas...

Se eu fosse um jardim de flores
Seria um pastor de margaridas
As botaria para crescer rumo ao Sol a todo instante.
O tempo não me passaria, eu passaria o tempo
Eternizado pelas cores vibrantes que me tocariam
Em forma de raios ultravioleta.
Mas, afinal,
Por quê os homens contam os dias? E as horas?
Nós envelhecemos como um trem alemão
Pontualmente mas cobrindo um grande caminho
Num trajeto de vida chato
e sem muita alternativa de percurso até o fim.

Foi quando conheci uma ampulheta que eu
Pensei que tudo fosse cronômetro
E que a gravidade fosse um imenso relógio.
Descobri mais tarde que o tempo é meu
Para brincar e colorir
Como se viver fosse um jogo tonto de pintar figuras.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Cresceriam flores

Cresceriam flores em todos os túmulos,
Talvez cravos florescessem,
Quando a terra revelasse:
Esse foi um grande homem!
Essa foi uma grande mulher!
A brutalidade que blinda a pele
Sangra a carne e humedece os olhos
Transforma homens e mulheres
Em máquinas de matar,
Em alvos a morrer lutando.
Farda preta, Farda Cinza,
Pernoitando na espreita
Esperando uma oportunidade
De espalhar sombra na periferia do país
Somos tantos, fomos mais...
Se menos balas nos desferissem
Se mais escolas fossem construídas aqui
Se mais lazer houvesse,
Se ao menos os ônibus passassem no horário
Se mais amor aqui existisse
Se ao menos nos tratassem como gente
Seriamos mais fortes, mais felizes,
Menos luto, menos dor...

Cresceriam homens e mulheres entre nós,
E não alvos a consumirem os ideais burgueses
Alienação e desunião vendidas
Em forma de tecnologia barata.
Não veríamos os nossos jovens mutilados,
Os nossos jovens vilipendiados sem razão,
Os nossos jovens mortos pelas calçadas e ruas,
Os nossos jovens sem futuro no olhar,
Os nossos jovens serem tirados de nós.
Cresceriamos como flores em jardim bem cuidado
Mas somos pisados por coturnos sujos,
Botas do Estado Brasileiro, fascista!
Somos caçados como javalis em plantações,
Enquanto num suspiro infeliz,
Simplesmente demonstramos que estamos vivos...vivos!
Estamos vivos, embora tentem tornar o contrário,
E esse é o maior incômodos dos embranquecedores da nação.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Azulada estrela

I

Irrompe em sonhos a alvorada,
Me vejo a sós com as tuas lembranças...
A tua doçura me lambe os ouvidos
Quando em meus pensamentos
Oiço a tua voz.
A mais azulada estrela habita os teus olhos,
E a nossa distancia também é azul: um oceano!
Eu, nas sombras destes dias,
Perpasso o tempo como uma viúva de guerra,
Sou feito de espera e luto, e luto e espero,
O dia em que revê-la seja,
Nada além de verdade.

II

Para que teus olhos me entendam
Sem fitarem os meus,
Para que tuas mãos me toquem
Sem eu estar de corpo presente,
Para que tu ouças minha voz
Sem eu nada sussurrar,
Para que a saudade morrem um s,
Sem estarmos juntos,
Para que morram as sombras do passado,
Dentro do teu ser...
Para acalmar meu peito ávido,
Que teu calor precisa e não tem.
Por isso, e só por isso, escrevo-te,
Na esperança de ser tão simples
Que minhas palavras possam se tornar
Amoras doces, quando ditas por ti,
Um pôr-de-Sol, quando tu as ler,
E a nona de Beethoven,
Quando em teus ouvidos ecoarem.
Assim, terás-me inteiro em versos livres,
Como um grafite derramado em uma singela poesia.


III

Quantas palavras existem
Para descrever uma estrela,
Que, quando calidamente
Derramada em fulgência,
Desmente o indizível,
Numa onomatoéia de cansaço?
Apenas uma, diria: você!
Nunca a vejo
Onde meus sonhos repousam,
Mas repouso em ti,
Numa ilusão reconfortante.
E perseguindo-te
Nas luzes da cidade
Acabo em mim, na chama
Que acendeste em meu peito!
Um elo soldado por carne em brasa
Uniu teu corpo ao meu,
Num ritual de divindade
E até o crepúsculo de nossas almas,
Carregarei teu calor no meu sangue
A percorrer-me o corpo,
Posto que de todas as palavras que conheço,
A mais triste ainda é Saudade...



História curta

Loiro dos olhos azuis,
Negro dos olhos vermelhos
Teu choro deitado na calçada
Teu corpo crivado de balas
Tua história foi curta demais...


sábado, 31 de janeiro de 2015

Mudar-se

Está acabando a água no sudeste do Brasil
Por isso eu vou aproveitar pra me mudar
Vou mudar minha postura quanto ao governo

Vou mudar minha postura quanto ao desperdício
Vou mudar minha postura quanto ao meu vizinho
Vou mudar minha postura quanto ao desmatamento
Vou mudar minha postura quanto a minha inação,
Vou mudar minha forma de protesto
Vou mudar minha indiferença com as desigualdades sociais
Vou mudar minha distância frente aos acontecimentos no mundo
Vou mudar minha postura de inabismação frente aos assassinatos da polícia militar
Vou mudar minhas ações dentro da minha comunidade
Vou mudar minha forma de descartar lixo
Vou mudar minha postura de admitir ser roubado por bancos e grandes empresas
Vou mudar minha forma de pesquisar o mundo
Vou mudar minha forma e minha opção de voto
Vou mudar minha forma de agir politicamente
Vou mudar o descaso que tive comigo mesmo
Vou mudar minha forma de ouvir e de ler
Vou mudar o conteúdo da minha leitura
Vou mudar meus discurso de reclamação do mundo...
Vou me mudar para o mundo em que eu quero viver
Mesmo que eu a princípio viva sozinho nele.
Vou me mudar de dentro pra fora,
Da mente para o corpo, mudar o meu comportamento
Porque senão, onde eu estiver, será uma eterna seca.



segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Terra Seca

Quando o dia abriu, finalmente,
Após longa tempestade,
As ruas tomaram a cor das águas,
E parecia que as pessoas estavam limpas
(Ou pelo menos mais aliviadas.)
Árvores travavam as ruas
O fluxo interrompido dos carros
Os riachinhos que se espalhavam ao lado dos meio-fios,
A esperança e a fé das pessoas
Pouco a pouco reaparecendo nos corações...
Parecia que não estávamos em guerra
Guerra contra o tráfico
Guerra contra os favelados
Guerra contra os jovens negros
Guerra contra tudo que não fosse caucasiano o suficiente
Ou que não se parecesse assim
Eles só falavam da falta d'água,
Eu sabia que havia bem mais além disso...

Os céus trazem a bonança algum dia
A tempestade que me acometeu o coração, porém,
Dura há anos e não sei se conheço a calmaria.
Meus guarda-chuvas quebrados,
Minhas capas rasgadas
(que deixam à mostra minha pele escura)
Minha bota de borracha
Tudo inundado, levado pela forte correnteza
Que nos transborda a paciência e nos afoga
No poço da nossa indignação
Fonte de onde tiramos fôlego, porém,
para continuarmos na luta...

Eles dizem que há previsão de chuvas Para os próximos dias,
pode ser mas, em mim,
há uma tempestade que não cessa
Não para de trovejar
E nem se quer sabe o que é ver terra seca.