quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Soneto ao Menino

Era um sinal divino a luz vermelha
Balas postas no chão, vai o menino
No minuto que tem repete o Hino
Desenvolto, no verde destrambelha...

Aquela gente triste e o desatino;
Abre e fecha o sinal, voa a abelha
No semblante fechado vê a centelha
Essa tristeza é ódio ao seu destino.

Deu-se então de morar onde há crime
Do tipo que a Tevê ama e espalha
E que é pra essa gente uma navalha

E o menino que lá longe trabalha
Vendendo suas balas foi pro time
Dos que o trabalho honesto não oprime.


terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Porto-saudade

Os olhos no cais
As mãos não alcançam o fim do azul.
Turvo, cristalino
Reflexo disritmico 
Sobe e desce a maré.
A saudade contraída
Feito doença contagiosa
Espalha a fossa do dia
Os olhos que tremem
Os olhos que nem enxergam
Os olhos que olham longe, perdidos
A fossa, o perfume do esgoto,
O que deixamos para trás
O que se expele na raiva
Palavras tortas cruzadas
Palavras que não voltam mais.

À beira da noite
O silêncio sopra um portão
O cais mora nos olhos
Os olhos, na solidão.

À beira da noite, à beira da morte...

Do curto porto,
Dor que se eleva
Chega outro pescador
Chega e descarrega.
Saem Namorados, Pintados, Sardinhas
Saem do convés Dourados, Robalos.
Saem todos do barco,
Fica a espera.
Uns minutos a olhar o vazio
A fitar a possibilidade
A maré subiu novamente
A maré descerá ao amanhecer.

Quando saio da praia
Abandono a saudade, a espera
A solidão e a melancolia descansam
Finalmente.
À minha frente, à esquerda do mar
O bote salva-vidas
Os lisos cabelos escuros
Que enfeitam meu quarto
Espalhando raízes.
Espera, desejo, solidão, abandono...
Do outro lado da margem
Há de ter quem os queira!

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Soneto abandonado

Esse quarto é um reflexo retorcido;
Essas paredes são garras felinas,
Bem conheço essas cama'as - vi meninas
Quando aqui cheguei, no auge dum tempo ido...

Minhas pegadas tristes criam vinas
O espelho me desvela um ser ruído;
Dos móveis sou o enfeite preferido
Sou parte da paisagem: as cortinas...

Ensaio um ou dois passos...não me movo
Já nem sei sair...fora, o que há de novo?
Outro planeta vaga junto ao Sol?

Atrofiado numa alcova fria
Podia ter o mundo, quem diria?
Que a solidão seria o meu farol?

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Os negros desta terra

E nós, por onde andamos?
Em terras enlameadas, no barro vivo
Esgueirando-nos pela mata,
Subindo e descendo morros.

A tocha acendia quando o galo cantava
A casa de pau a pique tornou-se barraco
E o cimento das paredes ainda nem secou.
A noite estendia-se sobre nossos pés
Mas os dias mais escuros foram no passado
Quando a terra adusta tinha o nosso gosto
Quando havia sorrisos sob os nossos olhos vermelhos.

Sem nadar atravessamos o oceano
Sem vontade, deixamos nossas famílias
Ouviu-se choro e lamento e ladainha
Nos porões, nas senzalas, nas favelas
E nenhuma corrente se quebrou sem nossa luta.
Ninguém deixou de olhar pro céu
De olhar o passado buscando a glória perdida
A doutrina veio nos assolar em mangas de camisa
A chibata nos ensinou a não gritar tão alto
Os terreiros floresceram na primavera
Sem nossos pés por tempos imensuráveis

Mas eis que chegou o momento de nos levantarmos
Entre herdeiros de capitanias, barões e baronesas
Entre os flagelados que concordam com o flagelo
E os que nunca se admitirão escravos
Pois ecoa novamente o nome dos antigos reis
Aqualtune, Ganga Zumba, Sabina, Zumbi e Dandara
E hoje podemos ouvir o seu chamado.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Minha prosa

Minha prosa empírica é o poema
Ardendo em tolices
Sangrando no papel calvo
Onde tento me agarrar sem sucesso.

Alcanço meus versos sem correr
Ponho a mão frente a meu peito
Transpiro um suor dessalinizado
No esforço impróprio e sem propósito...

Sou navegante das palavras
Mareio feito vaga - à terra e ao céu
E minha tinta escorrendo do meu rosto
Faz-me caneta em mundo branco.


quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Eu sou alguém

Tive que dizer-me quem eu era
Bizantino homem desse tempo
De Benim ou do Congo, do Mali ou Songhai
Meu passado reside em mim
Como marca da erosão em rocha antiga
E o meu corpo é o papiro da minha história
Escrito em vermelho (ou), marcado a fogo
Em minha pele sempre negra.
Sou o comércio internacional de carne
Sou o chão da fábrica imunda
E não sou nada disso.
Eu sou alguém, Emily,
Que ri e que chora; que sofre e que é feliz
E sou a memória dos povos doutrora
E se eu não soubesse bem quem sou
Talvez eu já não estivesse nesse mundo.


segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Drummond

Quando escrevo sou espectro
E devo ser tantos
- Desde os Leminsks aos Eliots -
Que na ânsia por agradar a todos
Acabo por ser Drummond.

Nascer e morrer

Entre o nascer e o morrer
Entre o partir e o chegar
Está toda a essência da viagem.
Consta nos manuais do existir
E deve ter sido dito por algum sábio chinês
Que a rota e seus percalços
Consiste por si só no motivo de partir
De acordar de manhã e de ir dormir à noite
Por que o importante não é onde chegamos
É como se parte de onde estamos
E como chegamos no nosso objetivo.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Canção de um enganador

Anda, sigamos – eis meu mandamento,
E o asserto antes a mim do que a vós.
Sigamos pois nessas ruas revoltas
E nessa vida onde o fim chega a todos.
Seríamos diferentes de alguém lá fora?
Nossas casas são templos em ruínas
Estamos escorados em paredes sem emboço
Fitando móveis antigos dos nossos antepassados
E, ainda assim, desejando vida nova
Sigamos…

(Lá fora um rádio velho toca uma canção poética
Que diz para olharmos o passado com carinho.)
É a história da humanidade que escrevemos...
Um capítulo calvo e já grisalho
Que, abatido pelo tempo, acumula sobre si
Teias de aranhas e pó da rua.
Os amores são danos à essência do ser
E amar tão intensamente e tão sincero
Fez-me ser novo, fez-me enaltecer
Os verdadeiros eu’s que se me brotam
- Como se eu fosse uma fonte enquanto amo -
Tão reais e tão igualmente possíveis
Que não os distingui nem os separei
Cozinhei todos no mesmo caldo e os tomei
Para cobrir o estrago de quem fui quando me perdi.
Estive de mim ausente, caminhando por estradas de barro
E em ruas que davam em lugares tenebrosos
Enfim, tive medo dos meus passos,
Mas não retrocedi um centímetro sequer
(À diante há uma cerca e um boi bravo
Dê olá ao animal e ouça o seu rugido
Há mais sinceridade na violência do que na paz.)
Nós somos ferozes, animais indomáveis
E ter um peito que nos diga o contrário é pura audácia
É a cabeça que nos controla as emoções
Raciocina as perdas e ganhos, balanceia a estupidez
Mas logo logo será dezembro de novo
E as cores enfeitarão as ruas, as luzes tomarão conta
Das frentes dos edifícios, das árvores e das casas
Logo será fevereiro, com suas alegorias e cantos animados
Pois sempre fora assim e sempre será
Nada muda, nem os amores, nem os amantes, nem as decepções
O mundo continua girando exatamente igual.
(Lá fora um rádio velho toca uma canção poética
Que diz para olharmos o passado com carinho.)

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Agonia...Angústia

Convoluções meus pensamentos...
Hora vai, hora volta...Hora estagna...
Começo tudo que terminei
Termino por deixar tudo de lado.
Conversa de louco eu comigo:
Discordo de discordar de algo sabido
Contrario o tempo acreditando
Que o segundo se dilatará como eu veloz...
Eita agonia, eita aquietação
Reviro-me; parto-me, junto
Desconto nos porquês meu sofrimento
Mãos à obra, nada evolui, nada desdobra
Coração finge que para, dá meia volta...



segunda-feira, 5 de setembro de 2016

No meu quarto

No meu quarto eu guardo pedras.
Vermelha, preta, marrom clara...
Guardo-as como quem tem um tesouro
Mesmo sabendo que não valem nada...

O sentido das coisas e das ações é-me obscuro.
Escrevo sentado, olho as horas de quando em quando
Sou um mímico do mundo, nada mais...
(Se me ensinarem a relaxar, serei um bom aluno.)

E no que meus olhos tocam acomodados
O pior são os objetos da minha casa.
Minha janela anda muito fechada
A luz do sol conversa com o batente
Despendem horas, se despedem sem muita euforia
Esfria-se o concreto da parede depois das seis
Mas eu continuo a ouvir os passos lá fora
Quieto, na solidão da minha escrivaninha.

De onde me encontro, portas fechadas, escuro
Uma luz bruxuleia vez ou outra na fresta sob a porta
Pego uma xícara com água quente e cidreira
Chamo de chá o que enlanguece o meu corpo
Despeço-me do relógio na parede; dou olá à noite
Logo logo vem me distrair a fantasia
Depois disso, sou nada além das minhas frustrações...



sábado, 13 de agosto de 2016

Olhos da noite

Nasce, enfim, os meus olhos da noite
No céu azul sem estrelas
Brilhando opaca, luz derramada
Feito lágrimas de dor por quem se vai.

Choro essa vã angústia
Mas choro em silêncio.
Disfarçando o riso, rio baixo
Para que ninguém acorde.

(Se olho para cima buscando consolo
É por que aprendi a rezar com as mãos para o céu
Mas é lá, onde o universo começa,
Que terminam meus sonhos como poeira.)

Pedi para ser feliz a um Deus velhinho 
Ele me disse para nunca amar...
Balela! Amor é arte dos tolos
Mas pode ser belo como a lua:
As fases são tão certas e previsíveis
A dor muda de estação pra estação.







sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Voo

Só posso transformar lágrimas
Em silêncio - ou poesia.
Que mais seria feito de palavras vãs?
O teu olhar de pena
O meu olhar de medo...
Há solução na dor?
Por hora, vejo as flores desabrocharem
Pássaros voando e eu
Voo também do meu jeito tolo
Pelos jardins que te brotaram
Pelos céus que te sustentaram
No seu voo de adeus.

Autopoemas em Série V

I
Essas marcas que trago...que marcas são?
São da sua voz e silhueta no escuro
São dos dias passados em claro...
E essas portas que estavam abertas
Fechadas a cadeado me encerram
Dentro do menor infinito dentro de mim.


II
O meu corpo é um tatame
No qual travei as maiores lutas e as perdi.

Sem esperanças...cadê?
Sem amores...(logo eu!)
Sem rumos (eu me perdi?)
Sem palavras doces (silêncio...)

III
É madrugada...todos dormem!
Dorme o meu amor também

Sem saber que escrevo agora
Com olhos vermelhos da noite pálida
Com um relógio velho no pulso esquerdo
Desejando voltar as horas e não os ponteiros
Desejando retorno do belo que vivemos.

IV
Minhas derrotas marcaram meu hoje
Sou fruto dos viés que meu corpo impôs
Lutei contra mim o tempo todo
De peito aberto, expus minhas fraquezas:
Amar demais, confiar, ser humano.
Ah, como dói ser feliz!
Não tenho mais nada além de memórias foscas
Não sou nada além de luz apagada.



quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Ciranda

Ela não sabe
- nem eu-
O que eu sinto por ela.
Disse adeus sem certeza
Ela disse 'Eu te amo'.
Despedidas sem dor
Não são despedidas.
Quem dera saber de mim
Escolhas feitas, malas prontas
O destino é uma ciranda.


Sonhos ocultos

Eu conto até vinte antes
De me perder na conta.
Distraído, vou e volto
Não que eu não saiba contar
Não que eu não saiba onde estou
Ou onde quero ir.
Não que eu saiba nada
Apenas conto os números
Como se fossem histórias
Tão reais e já tão vividas
Que os olho como se fossem tão meus
Quanto os meus sonhos mais ocultos.


Poesia do ínfimo

A poesia não para, se esguia
É só um pensamento fortuito
Está e se vai, feito perfume.

É um instante, é um relógio
Mas quem vê a hora na poesia
Não sabe nada do tempo.

A arte dos versos, a arte das coisas..
Um móvel é poético,
Um imóvel também.

Há poesia nos arbustos
E nos escombros de prédios velhos...
Há poesia no asfalto quente.

Na cozinha tudo é poesia
Desde a fome e a dispensa vazia
Até a fartura da panela ebulindo.

Se tivesse cor, seria verde
Poesia é grama, é folha de árvore
Ou seria azul de céu noturno?
Ou seria azul de mar?

Embora não pare,
A poesia vai e volta,
Como se borrifássemos de novo
O velho perfume barato
Esquecido num frasco(ou livro) velho
Por termos saudades do seu cheiro.



segunda-feira, 8 de agosto de 2016

A felicidade é ridícula

Um pedaço de pão quando faminto
Os brincos achados sob a cabeceira
A chave encontrada no bolso de trás
A careta que faz o bebê sorrir.

Um chuveiro novo com espalhador maior
A caneca preferida que caiu e não quebrou
O telefonema de quem amamos
Ou a mensagem de bom dia ao acordar.

Uma carona quando atrasados
Uma caneta emprestada antes da prova
Um banheiro quando apertados
Uma marquise quando a chuva cair.

A primeira colheita da própria horta
O colchão novo que melhor acomoda
Uma água gelada em um dia de calor
Encontrar com um velho amigo sem esperar.


Ninguém é feliz por ganhar na mega-sena
Mas, sim, por não ter perdido o bilhete premiado.
Horinhas de descuido?
A felicidade é ridícula!


domingo, 7 de agosto de 2016

Filtro social

As horas comem o dia no carrossel das cores
O preto e o branco, nunca são opostos:
São harmônicos na dinâmica da vida.
A mesma lente que capta a luz do Sol
Capta as mazelas da sociedade.
Relento para os de pele escura
Luxuosas mansões aos de pele clara.
O filtro social aos olhos dos bem-aventurados
Prega a passagem das vidas polarizadas
Aqui, ou se é tudo, segundo definiram,
Ou se é nada.
Eu não sou nada, nunca fui nada, não posso ser nada
Nem mesmo sonhar...


Babosa vermelha

Não importa a cor
Nem se for rosa
Babosa é flor
Por que é cheirosa.


sábado, 6 de agosto de 2016

Esse mundo dá dois

Atrás de onde eu me deito
Repousa quieta a Lua
E, a me beijar de manhã,
Acorda afoito o Sol.
O privilégio de um teto
E o privilégio da bênção
Ter meu pai e minha mãe
A me dar bom dia,
A acompanhar meu sono...
Aprendi a amar o céu azul
Em todas as tonalidades!
Ah, esse mundo...
Esse mundo dá dois!

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

De todos os seres do mundo

De todos os seres do mundo
Eu escolhi a mim.
Entre essas bilhões de pessoas
Eu escolhi viver-me
Apaixonei-me pela minha pessoa
E decidi me dar uma chance...
Um amor imenso grande me parou
Fez-me olhar para o meu eu
E ver a maravilha que carregava em mim:
Tenho força, potência, vida, esperança, sonhos...
De todas as pessoas do mundo
Eu escolhi, na sorte, a única
Que poderia me fazer feliz.

quinta-feira, 28 de julho de 2016

A filha de Magdalena

Mil delírios em tua face, olho-te.
Nas outras milhões de faces, vejo-te.
És o espelho do teu tempo
A trêmula imagem que se espalha
E se espalhando deixa rastros
Como nos corpos perambulantes semi-nus.
Pegadas e o perfume mundano: uma trilha!
Cheiro dos temperos das cozinhas
Facilmente confundidos com um desses
Perfumes caríssimos franceses.
Pouco silêncio nas cidades
Vale-se menos de um cigarro nesses dias irrequietos
Em que os ratos se expõem mais que os gatos
E todos os predadores recuam
Reconhecendo que perderam a vez.
Acendo um cigarro
Nada muda dentro de mim (mas estou mais pobre, agora)
Nem o meu câncer que se aviva em dias de chuva
Tristeza, o mundo continua o mesmo
Mesmo eu morrendo
Mas já morri antes, e nada mudou até hoje
Por isso ando à noite e desafio
Todos os meus sentidos mantendo-me alerta.

Digo-te, como disse à Magdalena,
Muitos são os caminhos
Não existem os melhores passos no xadrez.
Já vi-a ganhar-me de antemão algumas vezes
Como se o futuro tivesse sido escrito
Por uma mão com uma caneta de tinteiro
E uma tinta irremovível.
Tudo está tão definido como antes
Antes de percebermos a nossa ignorância.
Um passo em falso e é cheque-mate
Rei e rainha subjugados por um peão
Que ironia, não? Magdalena sabia de tudo,
Mas preferiu morrer no silêncio do pedantismo
Guardando pra si tudo o possível
Até os nossos segredos mais profundos
Que foram para o fundo do mar junto dela.

Talvez pelo meu passado eu abra tanto as janelas
Gosto da luz e me escondo sob ela.
O sol é algo que me refuta as mazelas
Extirpa-as de minhas entranhas por alguns segundos
Ou talvez horas, se for verão.
Canto muito quando estou só e sou um artista
Na arte de imaginar que não sou quem eu sou
Que sou quem não sou
Pois tenho sido eu mesmo desde sempre
Sem mostrar as outras faces que tenho
(Ou pelo menos gostaria de ter)
Sem mostrar-me, às vezes, a mim mesmo.
Gosto muito mesmo de cantar
Mas desafino até em notas curtas.
Por isso danei-me a escrever versos. Ai, versos!
E quando termino de os escrever, olho para o céu.
Se a lua estiver lá, sei que escrevi algo bom
Algo que presta. E a lua concorda comigo.
Se não, sei que a lua me ignora ou que escrevi algo ignóbil.
Há dias em que a minha musa aparece-me esplendorosa
Redonda e alva no meu céu marinho
E então eu percebo
Que mesmo os outros não gostando
Posso ficar tranquilo
Afinal, o quê vale mais que o reconhecimento da lua?
Choro por não ser um grande da escrita
Mas tenho tempo, há tantos livros bons e
Coisas bem escritas...
Talvez eu ainda aprenda algo
Antes de ser tragado para a terra
Junto com meus sonhos e desejos
Para junto dos outros pequenos como eu.

Magdalena morreu feliz.
Riu-se, muito provavelmente,
Por saber que não faria falta a ninguém.
A jovem de vinte e poucos era tão feia
Tão boba e tão quieta
Que era capaz de não falar por dias
Só observar do alto da sua sabedoria
Os erros alheios e se deleitava com isso.
Morreu agonizando numa barcaça e
Hoje quem ri sou eu, lembrando
Quando me contaram o fato.
A infeliz tinha esquecido-se
Que nada fica em pune no mundo.
A vida é perfeita para punir
Mas foi mal projetada para ser justa.
Ela sabia caminhar
Às vezes por longas distâncias
Lia assiduamente
Mas esqueceu-se de aprender a levar a vida como ela exige.
É preciso olhar para o mundo como quem encara um prato de comida
Depois de uma árdua jornada de trabalho.
É preciso ter fome de viver para ter uma vida plena
Mas nem todos o sabem.
Por isso morremos, cada dia mais velhos
Porém, cada dia menos sábios,
Mais acadêmicos, mas menos vividos.

Olhos cerrados de dia
Vida que segue adiante
Mesmo sob o luto tenebroso
Que é a vida cotidiana.
Vejo mortos perambulando
Mortos somos todos
Orgulhosos de sermos suicidas.
Fecho a janela para o sol não entrar.
O calor já quase escalda-nos no nosso suor.
Penso nas horas que se vão transpirando
Uma pressa sem limites
Que só os dias atuais entendem. Eu não.
Limito-me a ler Camões de madrugada, na rede.
Tu não entendes. Tua mãe, do fundo do mar,
Entenderia.
Ouça, a mensagem é bem simples, porém:
Quero-te inteiramente tua,
Sem medos de ser feliz ou seguir adiante.
A crueldade do mundo é só dele,
Mas tu não és o mundo.
Ao teu redor, o mar não tem só ondas ou corpos náufragos
Nem a terra guarda só luto subterrâneo.
Têm-se plantações inteiras de hortaliças para se colher
Milhares de espécies de peixes a serem descobertas
E tu és tão jovem, há de entender.
Não me dê ouvidos, eu também já morri há anos.

Mortos somos todos
Os nascido sob o candelabro sem vela
Que brilha no céu matutino.
Fagulhas acesas nos corações
Centelhas divinas caídas
Na profana infusão
Que embebeda nossas mentes
No caos estabelecido que chamamos Terra.
Vi-me ante à escuridão tortuosa
Que permeia as membranas da sociedade eclesiástico-burguesa
Pois um dia fui um de seus membros e nela estive
E não mais para lá voltarei.
Agora que penso no mundo como em Fridrichhain
Há um quê de revolta no meu âmago
Um retalho sem remenda nas minhas vísceras
Um beijo não dado.
Mas sustento só um corpo vazio
A alma que possuía, deixei com o meu senhor
Tão certo de si que me dá pena.
Mortos somos todos. E o quê mais seríamos?



A filha de Magdalena

Mil delírios em tua face, olho-te.
Nas outras milhões de faces, vejo-te.
És o espelho do teu tempo
A trêmula imagem que se espalha
E se espalhando deixa rastros
Como nos corpos perambulantes semi-nus.
Pegadas e o perfume mundano: uma trilha!
Cheiro dos temperos das cozinhas
Facilmente confundidos com um desses
Perfumes caríssimos franceses.
Pouco silêncio nas cidades
Vale-se menos de um cigarro nesses dias irrequietos
Em que os ratos se expõem mais que os gatos
E todos os predadores recuam
Reconhecendo que perderam a vez.
Acendo um cigarro
Nada muda dentro de mim (mas estou mais pobre, agora)
Nem o meu câncer que se aviva em dias de chuva
Tristeza, o mundo continua o mesmo
Mesmo eu morrendo
Mas já morri antes, e nada mudou até hoje
Por isso ando à noite e desafio
Todos os meus sentidos mantendo-me alerta.

Digo-te, como disse à Magdalena,
Muitos são os caminhos
Não existem os melhores passos no xadrez.
Já vi-a ganhar-me de antemão algumas vezes
Como se o futuro tivesse sido escrito
Por uma mão com uma caneta de tinteiro
E uma tinta irremovível.
Tudo está tão definido como antes
Antes de percebermos a nossa ignorância.
Um passo em falso e é cheque-mate
Rei e rainha subjugados por um peão
Que ironia, não? Magdalena sabia de tudo,
Mas preferiu morrer no silêncio do pedantismo
Guardando pra si tudo o possível
Até os nossos segredos mais profundos
Que foram para o fundo do mar junto dela.

Talvez pelo meu passado eu abra tanto as janelas
Gosto da luz e me escondo sob ela.
O sol é algo que me refuta as mazelas
Extirpa-as de minhas entranhas por alguns segundos
Ou talvez horas, se for verão.
Canto muito quando estou só e sou um artista
Na arte de imaginar que não sou quem eu sou
Que sou quem não sou
Pois tenho sido eu mesmo desde sempre
Sem mostrar as outras faces que tenho
(Ou pelo menos gostaria de ter)
Sem mostrar-me, às vezes, a mim mesmo.
Gosto muito mesmo de cantar
Mas desafino até em notas curtas.
Por isso danei-me a escrever versos. Ai, versos!
E quando termino de os escrever, olho para o céu.
Se a lua estiver lá, sei que escrevi algo bom
Algo que presta. E a lua concorda comigo.
Se não, sei que a lua me ignora ou que escrevi algo ignóbil.
Há dias em que a minha musa aparece-me esplendorosa
Redonda e alva no meu céu marinho
E então eu percebo
Que mesmo os outros não gostando
Posso ficar tranquilo
Afinal, o quê vale mais que o reconhecimento da lua?
Choro por não ser um grande da escrita
Mas tenho tempo, há tantos livros bons e
Coisas bem escritas...
Talvez eu ainda aprenda algo
Antes de ser tragado para a terra
Junto com meus sonhos e desejos
Para junto dos outros pequenos como eu.

Magdalena morreu feliz.
Riu-se, muito provavelmente,
Por saber que não faria falta a ninguém.
A jovem de vinte e poucos era tão feia
Tão boba e tão quieta
Que era capaz de não falar por dias
Só observar do alto da sua sabedoria
Os erros alheios e se deleitava com isso.
Morreu agonizando numa barcaça e
Hoje quem ri sou eu, lembrando
Quando me contaram o fato.
A infeliz tinha esquecido-se
Que nada fica em pune no mundo.
A vida é perfeita para punir
Mas foi mal projetada para ser justa.
Ela sabia caminhar
Às vezes por longas distâncias
Lia assiduamente
Mas esqueceu-se de aprender a levar a vida como ela exige.
É preciso olhar para o mundo como quem encara um prato de comida
Depois de uma árdua jornada de trabalho.
É preciso ter fome de viver para ter uma vida plena
Mas nem todos o sabem.
Por isso morremos, cada dia mais velhos
Porém, cada dia menos sábios,
Mais acadêmicos, mas menos vividos.

Olhos cerrados de dia
Vida que segue adiante
Mesmo sob o luto tenebroso
Que é a vida cotidiana.
Vejo mortos perambulando
Mortos somos todos
Orgulhosos de sermos suicidas.
Fecho a janela para o sol não entrar.
O calor já quase escalda-nos no nosso suor.
Penso nas horas que se vão transpirando
Uma pressa sem limites
Que só os dias atuais entendem. Eu não.
Limito-me a ler Camões de madrugada, na rede.
Tu não entendes. Tua mãe, do fundo do mar,
Entenderia.
Ouça, a mensagem é bem simples, porém:
Quero-te inteiramente tua,
Sem medos de ser feliz ou seguir adiante.
A crueldade do mundo é só dele,
Mas tu não és o mundo.
Ao teu redor, o mar não tem só ondas ou corpos náufragos
Nem a terra guarda só luto subterrâneo.
Têm-se plantações inteiras de hortaliças para se colher
Milhares de espécies de peixes a serem descobertas
E tu és tão jovem, há de entender.
Não me dê ouvidos, eu também já morri há anos.

Mortos somos todos
Os nascido sob o candelabro sem vela
Que brilha no céu matutino.
Fagulhas acesas nos corações
Centelhas divinas caídas
Na profana infusão
Que embebeda nossas mentes
No caos estabelecido que chamamos Terra.
Vi-me ante à escuridão tortuosa
Que permeia as membranas da sociedade eclesiástico-burguesa
Pois um dia fui um de seus membros e nela estive
E não mais para lá voltarei.
Agora que penso no mundo como em Fridrichhain
Há um quê de revolta no meu âmago
Um retalho sem remenda nas minhas vísceras
Um beijo não dado.
Mas sustento só um corpo vazio
A alma que possuía, deixei com o meu senhor
Tão certo de si que me dá pena.
Mortos somos todos. E o quê mais seríamos?



Inglesa

Olho pra minha inglesa
(mas nunca tive uma inglesa)
E penso em negócios
Formalidades nos trajes
Cômicos barulhos nas calçadas
Em casa, panquecas.
Além do sotaque britânico
Um quê brasileiro, algo de ginga,
Balança no andar retilíneo
Um espigão anglo-brasileiro
Riso fácil, boca dura,
Pés e mãos quentes feito verão
Um pouco de mistério no falar

E eu, estúpido, sonhando ser dela...  

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Autopoemas em Série IV (ou De Agosto a Setembro)

É quando o tempo sobre nós se eita
Que as horas se eternizam.


As pernas balouçando ao sabor do vento
Eram quatro: entrelaçavam, desentrelaçavam.
Olhávamos o abismo sob nossos pés
Ríamos dos perigos da vida juntos,
Mas juntos estando, juntos permanecíamos.

Disse-me uma vez o tal poetinha,
com voz rouca e com palavras medidas,
Aquilo que o poeta fingidor não poderia:
"Meu tempo é quando."
O meu tempo passou e, como se me orbitando,
Voltou para me dizer bobagens
Sobre o futuro, o presente e o passado
Como se me conhecesse melhor eu.

Essas conversas fiadas - parece madrugada,
A lua se enche de mim, rotunda e lívida
A soerguer no céu um véu de luz, ilumina
E ilude quem pensa que é dia. É nada!
É papo de quem se perdeu na prosa, onde estávamos?
Meu tempo? Nosso abismo? Sei lá...
Tive um medo danado de perder seus olhos de vista
E de sair do alcance de suas mãos
Pois meus versos antigos - quase irreais e inverossímeis,
Foram postos à prova e perderam a validade
Na primeira pedra que o caminho esqueceu.

(Cruzaram-se as pernas e os sorrisos)
A sapatilha preta caiu das nuvens - espanto.
Perdão! Desastroso eu sou com o que me é caro
E tudo que tange seus mimos e zelos
Toda a bagagem de correr rios salgados
E minhas breguices de gente mais velha
Inestimáveis e diminutas o são
Eu desandei a falar-te bobagens
Entre juras de amor eterno e dúvidas perenes
Sendo o calabouço e o castelo flutuante
Percebi que Agosto nunca chegará,
E, Setembro, com sua chuva, sua esperança
Há de molhar seu coração, fazendo brotar
Aquilo que em meus sonhos não germinam:
As horas que nos faltaram passar juntos.








Autopoemas -IV (ou De Agosto a Setembro)

É quando o tempo sobre nós se eita
Que as horas se eternizam.


As pernas balouçando ao sabor do vento
Eram quatro: entrelaçavam, desentrelaçavam.
Olhávamos o abismo sob nossos pés
Ríamos dos perigos da vida juntos,
Mas juntos estando, juntos permanecíamos.

Disse-me uma vez o tal poetinha,
com voz rouca e com palavras medidas,
Aquilo que o poeta fingidor não poderia:
"Meu tempo é quando."
O meu tempo passou e, como se me orbitando,
Voltou para me dizer bobagens
Sobre o futuro, o presente e o passado
Como se me conhecesse melhor eu.

Essas conversas fiadas - parece madrugada,
A lua se enche de mim, rotunda e lívida
A soerguer no céu um véu de luz, ilumina
E ilude quem pensa que é dia. É nada!
É papo de quem se perdeu na prosa, onde estávamos?
Meu tempo? Nosso abismo? Sei lá...
Tive um medo danado de perder seus olhos de vista
E de sair do alcance de suas mãos
Pois meus versos antigos - quase irreais e inverossímeis,
Foram postos à prova e perderam a validade
Na primeira pedra que o caminho esqueceu.

(Cruzaram-se as pernas e os sorrisos)
A sapatilha preta caiu das nuvens - espanto.
Perdão! Desastroso eu sou com o que me é caro
E tudo que tange seus mimos e zelos
Toda a bagagem de correr rios salgados
E minhas breguices de gente mais velha
Inestimáveis e diminutas o são
Eu desandei a falar-te bobagens
Entre juras de amor eterno e dúvidas perenes
Sendo o calabouço e o castelo flutuante
Percebi que Agosto nunca chegará,
E, Setembro, com sua chuva, sua esperança
Há de molhar seu coração, fazendo brotar
Aquilo que em meus sonhos não germinam:
As horas que nos faltaram passar juntos.








terça-feira, 12 de julho de 2016

III - Autopoemas em Série

Eu vou sobreviver
Mesmo com os buracos na estrada
E com os solavancos sentidos
Mesmo com meus olhos vermelhos...

Eu vou sobreviver
E digo com convicção
Ninguém diminuirá o que sei que sou:
Mais que minhas falhas e defeitos
Mais que meus olhos vermelhos...

Eu vou sobreviver
Às intempéries do clima hostil desse país
Mesmo sem mobilidade social
Entre o abismo e meus anseios
E esses malditos olhos vermelhos...

Eu vou sobreviver
Mesmo sem ainda saber como
E desconfio que isso me causará dores
Mas sei sofrer calado: treino há anos.
Sou forte, um guerreiro nagô
Mesmo com meus belos olhos vermelhos...

Eu vou sobreviver
Mesmo que já tenham me jurado ao nascer
E eu, contando as horas que me restam,
Sofro a ansiedade de viver sem saber até onde vou
Saboreio as horas como um cão faminto
E lacrimejo sangue, pelos meus olhos vermelhos...




segunda-feira, 11 de julho de 2016

Sorria, seu time perdeu!

Sorria, seu time perdeu!
A inflação aumentou de novo, sorria!
Seu salário é mínimo? Que ótimo!
O sinal fechou, abra os vidros do carro!
Te chamaram de gostosa...agradeça!
Desemprego crescendo...ah, a bonança!
Buraco nos asfaltos
Ruas alagadas com as chuvas de verão
Opa! Me chamaram de preto safado: adoro!
Decote de puta? Orgulhe-se!
O novo presidente é corrupto!
Leis trabalhistas flexibilizadas...
Meu patrão me elogiou, sou produtivo!
Desmonte da educação pública...
Pessoas morrendo nas filas dos hospitais
Acene para o segurança que te persegue no mercado!
Ali, não é aquele policial assassino da televisão?
Dólar em alta? O que tem ?
Aumento da jornada de trabalho...ok!
A professora desistiu de dar aulas: melhor!
A escola vai fechar de vez semana que vem
Lançaram o Iphone100: preciso
Mas não preciso do meu salário do ano!
Copa do Mundo Fifa e Olimpíadas no Brasil
Impeachment de presidente sem provas de erro
A passagem do ônibus vai aumentar de novo
Que pena: acabou o ovo da páscoa de prestígio...

quarta-feira, 6 de julho de 2016

II - Autopoemas em Série

A me louvar desteço a noite
Recomeço-me do fim
Olho o universo frente ao espelho
Descubro sorrisos, carícias
Nuances da face, olhares
Tessituras da pele e cabelos.

A me louvar desteço o dia
Claridade e nitidez enegrecidas
Anteparo humano, placa de Sol
Absorvo, reflito, refrato
Uma fenda de Young, fóton errante
Todo o cosmo ao meu alcance.

Desfaço-me, dispo-me, desconstruo..,
Pele e carne e ossos e nervos
Valores, crenças, mitos e ideologias
Sou presença, sou ausência, sou nada
Uma silhueta no espelho refletida
Brilho de noite escura no claro do dia.



I - Autopoemas em série

(Re)Côncavo sobre mim
Meus olhos de ver mais tarde
Peito de quem ama e sente o mundo
Não cabe em corpo de vaidade...

A força expande, aplaina o sorriso
Chamado tempo, corre descalço
Na cidade, no asfalto quente
Dança de pé no chão, ri quase falso.

Delgado, melindroso, expansivo...
Olha o céu e aquieta. Olha a hora:
Atraso! Mais alguns minutos
Deixa tudo para amanhã
O agora é só um acaso...


terça-feira, 5 de julho de 2016

Pisar no chão

Pisar no chão, de caboclagem...
A terra adusta reconhece:
A herança negra pede passagem.

Cantos de roda, roça e arado
Banzo e pilão: raízes profundas.
Meu corpo é a memória do passado...

Nasci do tamanho dessa Terra
Um continente belo e abastado
Criado na paz; moldado na Guerra...

O meu calor no solo quente...
dança de roda, repete o refrão,
Criança ao lado: futuro da gente!







segunda-feira, 20 de junho de 2016

Um homem negro não é livre

Por favor me resgate com suas mãos fortes
Estou no fundo do poço, tão profundo
Que não vejo a luz do Sol e nem o azul do céu
Estou no interior de mim, completamente só
E minha mente prega peças, diz-me pra fazer silêncio
O mundo está tão violento e ao meu redor
Só havia dor, sofrimento e frustração, por isso me perdi
Corri pra longe dos homens, segui sem rumo
Sem face e sem coragem pra enfrentar meus demônios

Mas um homem negro não é livre onde vivo
A cor da minha pele me denuncia em segredo

Eu luto contra todos e nunca ganho as batalhas
As guerras são travadas e eu nem tenho armas pra lutar
Derrubo minhas angústias sobre a mesa
Só sobra de mim cacos e quinquilharias
Sou um mosaico de perdas e ódio, mas vivo
Entre lágrimas engolidas e soluços opacos

Mas um homem negro não é livre onde vivo
A cor da minha pele me denuncia em segredo


sexta-feira, 3 de junho de 2016

Mentira

A mentira é indistinguível.
Toda mentira é igual. Mentira.
Eu minto diferente dos outros
Ninguém acredita nas minhas verdades
E todas as mentiras que eu conto
São desacreditadas a mesma medida.
Inverdades, verdades, verossimilhança...
A mentira sempre ganha pelo sorriso
Pois todo mentiroso é feliz.
Mentira.

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Frestas

Quando o choro quebrar o decoro
Não haverá surdos
As paredes são as mesmas
As mesmas casas quebradas
Os vizinhos se estranham
Se olham e não se reconhecem
Mas tecem a mesma teia
Sonham os mesmos sonhos
E se odeiam e se amam.
Mas o que é real vem depressa
Sorrateiramente nos meandros
Invade frestas, infesta armários
Cala as noites e colore os dias
Sem mostrar sua face
Sem dizer nada...

Aperto

Aperto: era vazio.
O pavor a tomar os corpos
O medo se esgueirando
A invadir os portões,
Os Castelos ruindo, um a um
E um por vez foram todos ao chão.
Certezas? As dúvidas...
Existir é resistir!
A alternativa é nunca mudar.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Amargos são meus olhos

Amargos são meus olhos incertos
Inverossímeis.
Sofrer sem ter dor
Escolher os espinhos das rosas
E as pedras dos caminhos.
Sou leviano, quase um ser humano
Contraditório, desses
Que batem a porta quando se zangam.

Aquém de mim, sou Sol se pondo
Nos meandros da noite, entre as estrelas...
Apago e acendo e sumo e volto
E ressurjo como quem nunca foi
E vou como quem nunca partira
Mas eu também sou feito de água
E vez por outra transbordo
Como se a maré cheia tivesse,
Finalmente, me alcançado

e acho que você é a lua cheia
Traz e leva os peixes
Aconselha os ventos e empurra as marés...
Logo, logo tudo passa
Logo, logo será verão.


terça-feira, 24 de maio de 2016

Esperanças não mortas

Crepitando como lenha no fogo
Os galhos das árvores agonizam de frio
É inverno na terra onde moro.
Abandonado pelo calor, olho da janela de casa:
Rostos cobertos, corações desertos, desamores.

Os olhos da carne são insensíveis
Mas podem ainda ver o que nos é tangível.
Os corpos a tremelicarem se apressam
Correm para a condução,
Todo frio nos faz esquecer um pouco
A doçura da vida, as fagulhas que queimam os gravetos
Nossas esperanças não mortas hibernam
Esperam o calor
Renascem em outra estação.


terça-feira, 17 de maio de 2016

O quê eu te digo

O quê eu te digo
São palavras que não saem da boca
São meus olhos pretos
Meus cílios longos
Que a perseguem sem pudor
No meu olhar libidinoso
Vendo-te passar por mim
Como um suspiro
Despudorado de belo
Que amo calado
Como um réu não-confesso.

Amo-te porquê nego-te.
Invento em mim teus sorrisos
Teu perfume... Reinvento
Cada segundo de sorrisos largos
E cada cena de amor não vivido...

O rio corre de nós: a vida!
Veja quem voa à noite:
São tuas asas que vagueiam
Por entre as árvores, por mim...
E o medo é branco, a pele nua
A noite trás os ósculos
O dia, o tom da imperfeição
Remorso de felicidade
Quando o normal me é a tristeza.









Inexpressivo

Salvem-me de mim,
Meu corpo pede.
Transcende a alma
Aos gritos: pranto.
O inconsciente implora
O consciente devora
Toda forma de expressão.

Terremoto em mim,
Enfim, tudo chacoalha.
Caíram as vigas da moral
No chão, vejo meus cacos
E a inerte massa orgânica
Vendo-se consumir
Se quer objeta.

Abjeto. Objeto. Inexpressivo.

Augúrio! Bandeiras erguidas
Pedras nos olhos
Mar revolto sob mim.




Ainda me queres?

Ainda me queres?
Não me dás ouvido
E o não me ocorre…
O frio percorre
Da minha garganta
Ao meu ventre.

A porta estou aberto:
Entre(me)!
Invada minha nascente
Devolva-me à superfície
Do seu corpo
Ou às profundezas
Do seu seio farto.

Já que o tempo é tardio
Sinto-me velho, agora
Amando o nada de olhos
Fundos e doces
Pálpebras luzentes
Palavras virentes
Naturalmente carinhosas
Saindo de tua boca.

Delicio-me com o vazio
Tuas respostas inexistem
Mas no silêncio
No profundo do meu peito
Sinto-te, sinto que me olhas
E ainda me queres
E me ouves calada.

domingo, 15 de maio de 2016

O meu corpo

O meu corpo é um grande vazio,
Um abismo perpétuo margeando a alma.
Faz-se natureza bela para os descuidados
E cai feito cachoeira de ralo de pia.

O meu corpo é a dor inerte
Estacionada sob meu esterno
É a vontade de gritar a rouquidão
Que tomou minha garganta com silêncio.

Refrigero-me em meus quanta de mar
Aprisionado a minhas convicções
Sou meu Fausto e sou meu Werther
Sou a euforia que me toma na angústia
E na ansiedade desses dias cinzentos.

O meu corpo não é nada, nem verbo,
Nem tinta, nem escultura e nem melodia
É nada; Feito a felicidade dos desgraçados
O meu corpo é a ausência d'um amor fugaz.

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Ser poema

É poesia presa, Viviane.
E sufoca a alma;
É uma ansiedade latente
Como um eterno querer
Volver a casa materna.

Meu Câncer, tuberosidades
Excrescências letais
Cada pensamento noturno
Cada angústia Laringínea
Sufocando minha liberdade
Tirando-me o ar...

Tudo que eu tenho é poema.
Tudo que eu sou é um querer.
Tudo que anseio é libertar-me
Dos grilhões literários que me meto
Ao ler, ao pensar,ao almejar
E nunca ser hábil em
Transcrever meus pensamentos...

Loucura, como o amor por Anjos,
Um crime inafiançável
Suspirar quando a Lua chega
Pois à janela do quarto mora o céu,
Esse outro ser místico,
Pedaço de mim, onde as aves,
Presas às asas, voam
Como se bater asas fosse poesia
E suas coreografias,
Cantos visuais contra a monotonia,
Tendo a lua como nobre expectadora
Fosse a escrita mais natural sublime.

Não quero ser ave, quero ser poema!
Poesia é cativa da alma
Revoltada, mata sufocando seu algoz
E é sem si o mal do poeta...
Poema é a forma livre do espírito
A felicidade transcrita
E eu prefiro as letras no papel
Ao sangue em minhas veias!











sexta-feira, 15 de abril de 2016

Pegadas na areia

Sombra das pegadas curtas
Areias brancas sob os pés
Essas pegadas tem minha letra
Minha assinatura na sola...
"Fahr mich nicht Weg", sie sagte,
Aber das alles ist mir jetzt zu weit Weg..
E quem foi que saiu da praia
Nas horas mais claras do dia
Rumando ao desconhecido?
Wir sind das, das bin ich.
Um tenis mais ou menos novo
Uma ideia mais ou menos velha
Sempre em frente, nós diziamos,
Fortgang oder Fortgang, ela escreveu
Mas meus pés foram longe demais
Em pegadas longas, de tão longas
Que não me alcanço mais onde cheguei.
Disfarço com o suor dado pelo Sol
O outro mar que mora em meus olhos
A testa franzida, como se dissesse algo,
Uma melodia soando no ouvido, como se eu me ouvisse...

A paz que se esvai em cada manhã
Lembra canções, lembra a velha cidade branca
Alguns poetas imortais que cruzaram esse caminho
E um velho retrato na cabeceira.
Somos distâncias, afinal,
Todos os dias nos percorremos,
Ansiando chegar ao nosso fim
Felizes? Quem sabe...
A aurora é minha felicidade, sempre rubra
Em tons de vermelho que invejam meus olhos.
Mas eu sou cinza, como o que restou de mim
Desde onze anos atrás quando vi meu fim
Nos braços de outros homens
Meus iguais, meus irmãos
Agora estou sozinho, até o entardecer do meu corpo.
Das Ende dreht sich vor mich zu
Soll ich hinzugehen
Oder soll ich bis das Ende des Lebens
Auf meine beste Lied aufwarten?

Quando pisei pela primeira vez na estrada
Não percebi onde estive antes da viagem.
Durante todo o tempo caminhei sem rumo
Sem amarras, sem raízes. Mas não era eu
Eram os fantasmas dos gigantes que me precederam
E eu um imitador barato
Onde andaria o meu horizonte sem mim?
Não tive direito a errar comigo
E como sempre, a dreadlock hasteou a sua bandeira
Fez minha tropa perder-se
E reencontrei-me em outras terras.
Continuar, ou continuar?
Viveria melhor se eu houvesse nascido
Onde não se nasce com coração
Onde não se tolera amar ou ser amado.

quarta-feira, 16 de março de 2016

Livros vazios e setas sem direção

Os recados não entregues reverberam nos muros
Ressoam no chapiscado que ruborizam a minha rua.
Dentro das casas, o silêncio; dentro das pessoas, um grito de socorro encarcerado
E nenhum augúrio chega em nossos ouvidos...

Os caminhos abrem-se para mim todos os dias
Soterrado em meus destroços, desfaleço, porém
Sempre antes dos primeiros passos.
Trago os olhos cansados de olhar para o quarto e não ver você
No meu passado, os rios e tua presença são constantes
Cada um correndo em seu ritmo montanha a baixo
Cada um deixando rastro por onde passa...
Suas lágrimas foram meu funeral em folhas
Como se você fosse a árvore de todos os meus frutos
E todo o sabor da minha vida fossem suas mão maduras sobre mim.

Não houve estrela branca ou bruxuleante
Quando os perfumes noturnos tornaram-se memória
O som das crianças brincando doíam nos ouvidos
Lá fora a vida seguia; por dentro eu permanecia estático.

O temor que meus olhos não enxergassem a luz bendita
Mostrou-se a fagulha que na alvorada desponta no horizonte:
Cresceu com o tempo, queimando as plantas da sacada
Matou o homem íntegro que habitava em mim.

Não pude te dizer adeus sem ter os olhos molhados
Pois vi na sua dor a minha dor, e no seu choro, a minha tortura...
Estive ao seu lado quando a maré encheu
Vi nosso barco partir para as terras além do alcance
O nosso caminho sem volta, a busca derradeira
Forjei em meu peito um castelo de açúcar
E foi minha taquicardia a nossa dissolução.
Inflamei o corpo e o esvaziei como se faz a um prédio em chamas
A alma fugidia, arredia e indomável livrou-se da carne
Encontrou os piores pensamentos e amotinou-se
Contra a pureza advinda das chamas...
Eu sou o pecado preso ao seu belo corpo
E sou o doce dos seus lábios que adoçam os chás.

De manhã, todo raio de luz tem seu nome
Todo galo que canta declama a nossa poesia
E todo o mel da terra tem a cor dos seus olhos.


Sobre a rua de todas as casas dessa cidade
Permeando espaços impenetráveis como o pensamento
O murmúrio vai espalhando-se, dissolvendo-se
Feito uma pitada de sal num caldeirão de água.
Faço-o pequeno como sou ante a imensidão do tempo
Tudo passa sobre essas pedras justapostas
Tudo passa sobre o calçamento bem feito da rua dessas casas
Nós haveremos de passar em breve um pela história do outro
Como passam os transeuntes sem olhar para trás
Mas ainda nos arrastamos feito água barrenta, densa
Carregando o peso dos nossos pensamentos sobre nós.

(Onde foi parar meu sono? E o meu cansaço, cadê?
Durmo deveras pouco à noite;penso demais de dia;
E escalo as montanhas das minhas aspirações mundanas
Sempre levando você no colo.
E quando o dia teima comigo e nasce novamente feito um rebento revolto
Vejo que é hora de recomeçar.
Mas onde é o fim de um sentimento eterno?
"- Anda, levanta-te!", digo a mim mesmo,
E de sobressalto sou o silêncio misericordioso dos cemitérios
E meus olhos são o arrebol depois de um dia azul.)

terça-feira, 15 de março de 2016

Há um lugar bem próximo aos meus pensamentos

Há um lugar bem próximo aos meus pensamentos
onde as crianças caminham descalço
E a chuva quando cai tem sabor de pipoca.
Os dias lá são envoltos em risos silenciosos
Uma espera taciturna pelo final da tarde
- O tempo em que há reencontro entre a alma e o corpo -,
E os sóis morrem em vazinhos de planta
Como se fossem domáveis,
Como se regá-los fosse reacender a chama
Que queima no peito de quem carrega esperança.
Finais de semana! Lá é tão bonito
O amanhecer se espreguiça depressa e está sempre atrasado
Com mil compromissos pra antes do do almoço
Que chega a parecer triste, mas é só cansaço...
Eu já morei nessa terra adusta
E me encontrei com o fanal de dois luzentes
Tempos fortuitos que não voltam mais...

domingo, 6 de março de 2016

Poesia Viva

Era bonita a vista do quarto
E, na cama, deitada, a poesia viva.
Eu lia Vinicius toda a madrugada
Acordava lendo Quintana.
No descanso da janela eu me debruçava
O verde se estendia como um tapete
Lá fora, estendida frente ao horizonte, a cidade.
As plantas perfumavam o quarto
Trazendo os vapores da respiração do mundo.
Era domingo todos os dias
Um abraço de boas vindas,
O perfume de casa nova no cangote...
O lar era uma extensão dos meus desejos
Eu varria e ela levava o lixo pra fora
Eu lavava e ela cozinhava
Ela dormia ao meu lado e eu era feliz.

Ebúrnea flor


Eu pisei na flor do asfalto
A ebúrnea flor; pétala virente
Eu pisei tentando ser homem
E fui! Mas queria ser gente.
A flor me sorria há semanas
Nas minhas cheganças e idas
Desabrochada e comedida
Ao sol de luz e esperanças.
Mas meu amor arranca tudo
Da terra; raiz, caule, até espinho
E logo o que era jardim no meu dia
Consegui tornar só mais um caminho.

sexta-feira, 4 de março de 2016

Preta

Preta,
Quando toca o tambor de Angola
É o chamamento que o peito clama
A alma ouve, e o corpo inflama
Feito mar que, sob o vento, marola...

Preta...preta...preta!

Preta,
Sem ti meus olhos vivem cacimba
Desamparados mergulhado em banzo
Eu desafino no toque a marimba
Puxo um lamento pra espalhar meu pranto.

Preta...preta...preta!

Preta,
Cada batuque traz teu nome gravado
No ar que cobre e reveste as campinas
Humpi que não vive sem humlé ao lado...
Eu sou a pele que no teu tom afina!

Preta...preta...preta!

Preta,
Cada centímetro é a imensa Kalunga
E a distância maltrata esse Muzenza
Lamenta o viola, o médio quebra, racha meu Gunga
Esses segundos sem sua presença.

Preta...preta...preta!

Preta,
A dor é grande, a solidão é maior
O desalento da falta magoa
Escuta meu canto, pretinha, tem dó
Minha xula doída nos terreiros ecoa...

Preta...Preta...Preta...

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Iniquidade

Tuas mandíbulas, dentes marfim
No teu sorriso de escárnio se mostram
Com todos cravos que buscam meu sangue
Nos escritórios, nos postos mais altos.
Os escritores, artistas, políticos
Personalidades que te enojam tanto
O cotidiano passado nos fez lutadores
Sobreviventes de um mundo maldito.
Onde há igualdade no seio da injustiça?
País de miseráveis que exporta a fartura
Cultua o nortista extremo da guerra
Odeia nordestino construtor da nação.

Iniquidade abraçada assim, devidamente
Entre cores de pele em tons mais claros
E o alvo ideal de esclarecer as coisas
Clareiam as ruas, os becos e as  calçadas
Lavando com sangue preto a pedra portuguesa.

Ao seu lado, de trajes humildes
Ou na mesma túnica azul celeste
Não há nesse país sequer um indivíduo
Que se possa dizer em pé de igualdade contigo
Ao teu lado e tão atrás na luta...
Sem suco de laranja pela manhã
Sem carro aos dezoito
Tua empregada era quase da minha família
As dos seus amigos, eram minhas irmãs...
Amanheceu escuro em seu cotidiano
E o sol negro dos meus sonhos apontou no horizonte
Minha melanina não mais me entristece
É a fortaleza que me faz ir em frente.

Sete palmos

Nós somos super heróis,
Nossa super fraqueza é a invisibilidade,
Amontoados sob marquises
Protagonizamos a noite
Quando as lojas fecham.
Durante o dia somos enxotados,
Nosso alimento são as migalhas
Pães dormidos, seres adormecidos...
Casa de papelão, sem teto de zinco
Cobertor jogado no chão - nossa sala.
Olho a lixeira como quem vê um banquete,
Ou a fonte de renda do dia
Sou a extensão do preto asfalto
Como se um braço ganhasse a calçada
Avançando sobre a multidão desapercebida de mim
Lá recosto sobre a solidão dos dias
Meninos de rua, humens de rua, mulheres
Todos sobrepostos nas costas da vida
E quem tem clarividência é o Estado
Vassoura social de varrer sonhos
Pra debaixo do tapete de terra
Sete palmos de expessura.