domingo, 23 de dezembro de 2012

A casa

                 Estava abandonada há tempos mas, não era velha e nem nova. A casa só estava lá, sem vontade de ser habitada por ninguém. O telhado novo, com telhas novas. Mas os mesmos problemas nas paredes. Eram inúmeras infiltrações que às tornavam frágeis, sem brilho ou cor, que nenhuma tinta ali pegava. Ela transpirava, como se houvesse uma tentativa de existir, de resistir, de dizer que no fundo, talvez nos alicerces ou no cerne do telhado, havia uma voz quase sussurrante, dizendo que estava ali e que estava viva, que queria mais que apenas ver a vida passar e os cupins derreterem as vísceras da sua madeira. A casa queria viver e ser vivida. Estava de dia.
                 Estava de dia e os pássaros cantavam. As portas abertas indicavam a receptividade dos seus cômodos para com os transeuntes. "-Venham!, gritavam os móveis, mas quem vinha não interessava. Eram apenas mendigos, carentes de um lugar para morar e que não se importavam em ter só um pouco, um teto, posto que já lhes era muito. Quem vinha aproveitava do calor dos cômodos, do telhado novo, do seu amplo espaço, mas não queriam se quer pensar em reformá-la. A casa permanecia intacta, como se ninguém houvesse a habitado. Quem vinha, ia, e nada mudava. Noite e dia, dia e noite, só as pegadas dos pés descalços, carentes como a casa, é que ficavam. Marcavam o chão, como quem marca uma próxima consulta e não volta. Só ficava a marca e o vazio pelo corredor. E foi assim por muito tempo...
                 Uma vez, numa noite quente e úmida, entrou na casa uma bela moça. Tinha os cabelos cor de mel de margarida. Um mel claro, porém, mais escuro que a cor da sua pele, tão branquinha, e de bochechas rosadas. Os olhos frondosos feito uma Água Marinha (azul-esverdeado ou seria verde-azulado?) combinavam com sua calça, em tom de cor semelhante, em contraste com seus lábios finos e rosados, sem batom. Trazia uma aura boa, dentro do sorriso espontâneo que abriu ao ver a choupana, humilde e hospitaleira à sua frente. A moça não demonstrava necessidade. Ao contrário, ela gostava daquele estilo de casa. Um bom telhado, paredes a serem reformadas, mas nada que estragasse a essência. "-Todas as casas têm defeito", pensou ela. Sentou-se, resolveu ficar. Num primeiro momento, a casa alegrou-se. Era uma moradora diferente, sem parecer que queria ficar muito tempo, mas que com certeza queria algo. Um pouco desesperadamente rápido, sem muito contato visual. Foi tudo imediato, como uma paixão fulminante, arrebatadora e sem presságio.  Foi uma alegria sufocante, passageira que logo se tornou um martírio. "-Porquê ela insiste em ficar? Já se foram duas semanas e ela ainda está ai, sem limpar o chão, sem envernizar os móveis, sem consertar a descarga...só está ai, como quem não sabe o que quer e não tem mais pra onde ir", pensou consigo a casa. Ela ainda estava intacta, como quem não quer mudar nada do que viu. Isso era desesperador para a casa. "-Quero viver a vida de alguém, ter as paredes reformadas, encerrar as coisas de algum aventureiro cansado! Sei que essa moça vai embora...". No dia seguinte, mais uma vez, lá estava a moça saindo. À noite, voltando. A casa começou a expulsá-la. Já era hora de deixar novos inquilinos habitarem seus cômodos, pensou a casa. Aos poucos, a casa foi se desfigurando, mudando de cor e se revelando triste, sem o encanto que a moça havia percebido. Foram-se os detalhes da porta, comidos por cupins, foram-se os tons de verde da parede, já desbotada há anos. A menina não entendia o que havia feito para a casa estar tão chateada e relutante em mantê-la lá, sendo seu abrigo.
                  Pela primeira vez, a casa falou com alguém. Disse-lhe:
-Moça, tu és bonita. Jovem tu és. O que queres com essa casa acabada, sem condições de abrigar ninguém?
-Esta casa é tudo o que procurei. Vago há mais de um ano nessa cidade, nesse mesmo bairro. Nunca havia lhe visto. Esse é o abrigo no qual eu quero morar. Não é tão perfeito quanto os outros mas...tem cheiro de casa! Precisa de reformas mas farei aos poucos, quando tu quiseres renovar teus pavimentos.
-Tu não pareces que irá morar por muito tempo. Tenho muitas incertezas...Tu não precisas de mim!
-Te enganas, bela casa abandonada. Não preciso é de abrigos perfeitos, mas preciso de um lugar onde eu me sinta em casa.
-Não sou sua casa. Não sou casa de ninguém. Sou só uma  inabitável choupana, triste, de muitas experiências ruins, mas que viveu pouco para dizer que é velha...procuro alguém pra me habitar e trazer os ladrilhos de volta ao meu rosto!
-Se tiveres paciência, assim o farei. Tu tens que me ajudar. Não posso fazer tudo sozinha, preciso de uma contra partida. Se tu quiseres, assim o quererei.
-O problema é que não sei se quero ser habitada. Preciso do meu sorriso, de ladrilho novo. Mas não sei como fazê-lo. E nem sei, realmente se quero...talvez seja só uma maneira, de tornar as coisas impossíveis de serem mudadas...
-Façamos assim: Tu deixas me tentar torná-la meu lar e em troca, eu me esforço para não trocá-la por outra, mesmo que às vezes tu me deixe irritada, tudo bem?
-Tudo bem. Mas o que sinto, é um vazio que não é dos cômodos. É algo como uma parede sem reboco, um chão sem piso ou carpete. É algo que o mundo as casas precisam, e eu simplesmente não tenho...mas nem sei o que é!
                    A menina pensou. Sentou-se no velho sofá e pegou no sono. Pode ser que o futuro seja bom para ambas, mas pode ser que não seja. A felicidade da casa e da menina são independentes e elas só podem ser felizes juntas se o forem em separado. Toda casa deve estar com alicerces fortes, paredes firmes e telhados sem buracos para abrigar um morador. E tudo que essa casa quer é saber como se tornar habitável...

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Sou nada

Não fui e ainda não sou nada
Caminho apenas deixando-me guiar pelo vento
Na cabeça, os sonhos se desfazem a cada passo
Depois de tanto cortar o mato da trilha e recriá-la
Depois de ir além dos limites que previa - mas que sempre achei pouco pra mim
Depois de tantas perdas e tantos choros...decepções
Depois de ver eu me tornar metade do homem que planejei ser
Vejo-me no espelho e só enxergo as minhas lágrimas. Depois, só depois de tudo.
Não sei o que deu errado no Caminho
Não sei se o vento mudou ou se eu andei contra ele - em algum momento
Mas sei que o que trago no peito não é saudade, não é rancor
Nem tristeza o é, diria. É algo que foge às palavras e aos poetas
Foge ao sofredor. É a dor da derrota mais profunda
A dor terrível, que ninguém e nenhuma outra dor subjuga.
É a dor do amor que não tive, nem haverei de ter
Não conheci ninguém que tenha amado sinceramente
(Se alguém me ama ou amou em segredo, que me conte agora!)
Só sinto-me esvair pelo ralo do banheiro a cada banho,
Quando as lágrimas que me molham o rosto escorregam,
Pra junto de suas primas, as gotas salgadas da água amarelada.
Sou só, mais que nunca. Abandonado por mim e pelo meu espírito,
Sou um metro cúbico de vácuo absoluto. Sou nada!
Aquelas lembranças vão durar por anos...mas não é de uma amor do passado,
É apenas, de um passado sem amor. Sem graça. Sem cor.