sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Ampulheta

Descorrem os especialistas sobre o tempo
Mas não vejo futuro nessas barbas brancas
Encobrindo com pelos grossos os pálidos rostos
Descontentes quanto a própria ignorância...

tento olhar além dos seus monóculos.
Estou em pleno século dezoito,
Lavando roupas à mão,
Tomando café num banco de madeira,
Aguardando as notícias da capital
Enquanto lá fora, as crianças envelhecem,

e o tempo aqui é outro.
Somos verdadeiras máquinas de petições
Ora a pedir informalmente,
Ora a apresentar um papel timbrado
Com firma reconhecida
exigindo não mais um brinquedo desses de madeira
mas um desses que não sujam as roupas...

Se eu fosse um jardim de flores
Seria um pastor de margaridas
As botaria para crescer rumo ao Sol a todo instante.
O tempo não me passaria, eu passaria o tempo
Eternizado pelas cores vibrantes que me tocariam
Em forma de raios ultravioleta.
Mas, afinal,
Por quê os homens contam os dias? E as horas?
Nós envelhecemos como um trem alemão
Pontualmente mas cobrindo um grande caminho
Num trajeto de vida chato
e sem muita alternativa de percurso até o fim.

Foi quando conheci uma ampulheta que eu
Pensei que tudo fosse cronômetro
E que a gravidade fosse um imenso relógio.
Descobri mais tarde que o tempo é meu
Para brincar e colorir
Como se viver fosse um jogo tonto de pintar figuras.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Cresceriam flores

Cresceriam flores em todos os túmulos,
Talvez cravos florescessem,
Quando a terra revelasse:
Esse foi um grande homem!
Essa foi uma grande mulher!
A brutalidade que blinda a pele
Sangra a carne e humedece os olhos
Transforma homens e mulheres
Em máquinas de matar,
Em alvos a morrer lutando.
Farda preta, Farda Cinza,
Pernoitando na espreita
Esperando uma oportunidade
De espalhar sombra na periferia do país
Somos tantos, fomos mais...
Se menos balas nos desferissem
Se mais escolas fossem construídas aqui
Se mais lazer houvesse,
Se ao menos os ônibus passassem no horário
Se mais amor aqui existisse
Se ao menos nos tratassem como gente
Seriamos mais fortes, mais felizes,
Menos luto, menos dor...

Cresceriam homens e mulheres entre nós,
E não alvos a consumirem os ideais burgueses
Alienação e desunião vendidas
Em forma de tecnologia barata.
Não veríamos os nossos jovens mutilados,
Os nossos jovens vilipendiados sem razão,
Os nossos jovens mortos pelas calçadas e ruas,
Os nossos jovens sem futuro no olhar,
Os nossos jovens serem tirados de nós.
Cresceriamos como flores em jardim bem cuidado
Mas somos pisados por coturnos sujos,
Botas do Estado Brasileiro, fascista!
Somos caçados como javalis em plantações,
Enquanto num suspiro infeliz,
Simplesmente demonstramos que estamos vivos...vivos!
Estamos vivos, embora tentem tornar o contrário,
E esse é o maior incômodos dos embranquecedores da nação.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Azulada estrela

I

Irrompe em sonhos a alvorada,
Me vejo a sós com as tuas lembranças...
A tua doçura me lambe os ouvidos
Quando em meus pensamentos
Oiço a tua voz.
A mais azulada estrela habita os teus olhos,
E a nossa distancia também é azul: um oceano!
Eu, nas sombras destes dias,
Perpasso o tempo como uma viúva de guerra,
Sou feito de espera e luto, e luto e espero,
O dia em que revê-la seja,
Nada além de verdade.

II

Para que teus olhos me entendam
Sem fitarem os meus,
Para que tuas mãos me toquem
Sem eu estar de corpo presente,
Para que tu ouças minha voz
Sem eu nada sussurrar,
Para que a saudade morrem um s,
Sem estarmos juntos,
Para que morram as sombras do passado,
Dentro do teu ser...
Para acalmar meu peito ávido,
Que teu calor precisa e não tem.
Por isso, e só por isso, escrevo-te,
Na esperança de ser tão simples
Que minhas palavras possam se tornar
Amoras doces, quando ditas por ti,
Um pôr-de-Sol, quando tu as ler,
E a nona de Beethoven,
Quando em teus ouvidos ecoarem.
Assim, terás-me inteiro em versos livres,
Como um grafite derramado em uma singela poesia.


III

Quantas palavras existem
Para descrever uma estrela,
Que, quando calidamente
Derramada em fulgência,
Desmente o indizível,
Numa onomatoéia de cansaço?
Apenas uma, diria: você!
Nunca a vejo
Onde meus sonhos repousam,
Mas repouso em ti,
Numa ilusão reconfortante.
E perseguindo-te
Nas luzes da cidade
Acabo em mim, na chama
Que acendeste em meu peito!
Um elo soldado por carne em brasa
Uniu teu corpo ao meu,
Num ritual de divindade
E até o crepúsculo de nossas almas,
Carregarei teu calor no meu sangue
A percorrer-me o corpo,
Posto que de todas as palavras que conheço,
A mais triste ainda é Saudade...



História curta

Loiro dos olhos azuis,
Negro dos olhos vermelhos
Teu choro deitado na calçada
Teu corpo crivado de balas
Tua história foi curta demais...