terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Sonete de Penumbra

Nas ruelas onde jazem as tumbas
Meus pensamentos vagueiam a sós
Fogos-fátuos são os meus faróis,
Ante a multidão de catacumbas.

À noite a morte não amedronta a nós
A lua acima guia a penumbra
Se me morro, conforme a macumba
Mil outras vidas tenho logo após.


Quem teme enfim a terra desolada?
Que tantos outros mistérios esperam,
Depois, lá muito além da alvorada?


Quem já morreu conhece o outro lado
E todas as mortes que aqui navegam
Não vem com o barqueiro, mas com o passado.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Onde habitarem teus pensamentos

Onde habitarem teus pensamentos
Faça que haja silêncio
Faça de lá a mais calma morada
Que também eu de lá um lar farei.

A paz que me furtam na rotina
E o ócio que me perfuma a alma
Não são deste mundo
Não sou deste mundo, tampouco
Nem o quero ser.

Há tantos terremotos no meu âmago
Recrio-me diariamente entre os meus escombros
Transformo pedras, cascalhos, rebocos
Em poesia, música e dança
E finjo que ainda posso sorrir inocentemente
Mesmo estando fora de mim
Mesmo sem ouvir o mar me chamando
Mesmo sem me possuir.

Tropeços que tenho dado
Dúvidas que tenho tido
Venenos que tenho tomado
Comidas que tenho engolido
E os meus sonhos são, em meio ao caos
Poeira e lama, um drama molhado
Ora por lágrimas, ora por chuva
Dos olhos ou das nuvens
Que carrego dentro de mim.

Ouvir, ler ou cantar
Poetas, cantores, escritores, artistas e eu
Sem ser camões, sem ser buarque, sem ser lispector
sem ser verissimo, sem ser Goethe, sem ser Rosa
Não sou e nunca serei nada
Não nasci para ser, mas para tentar e falhar
E ter nas mãos tantos erros
Só me inspira a continuar tentando
E ter em mim todas as frustrações da vida
Carregar o Sol dentro do peito
E continuar a ser frio, como um inverno.

Minhas palavras são vis
Eu sou um navio sem porto.
Não tenho enredo e nem sequência lógica
Não converjo para lugar nenhum
Nem ganho presentes no natal.
Sou um x sem equação para encontrar-me
A incógnita maldita que habita lugar-nenhum.

E aquele que um dia foi poeta
Tornou-se, finalmente,
O que nasceu para ser:
Um sonho livre disforme
Uma cachaça sem alcóol
Uma casa desabitada.

domingo, 30 de novembro de 2014

Pensamentos de perdição

São parcas as horas e são tremulas
Como se tivessem o corpo inteiro
Tomado por uma abstinência de cafeína.
Toma um cigarro nos dedos,
E somos arrastados
Pelas semanas que se encerram
Ao final de milhões de anos...
O tempo, afinal,
Nunca foi aliado de ser vivente:
Quem trabalha quer o dia curto
Quem explora quer o dia longo
E para contrabalançar interesses
Morremos antes de termos tempo
Para ter tempo de sermos felizes.

Hão de dizer que os Nepaleses são felizes.
Ora! Muitos são monges, e o que sabem os monges
Sobre as cidades grandes desoladas?
As esquinas estão cheias de ódio
Os corpos cheios de nitratos
De nitritos, de sulfitos, de outras
Substâncias a nos abreviar a vida
E o ar não é puro como no Himalaia.
E o tempo dos monges não é como o meu.
Sou curto na vida, tornando-me passado
A cada segundo que me sorve a pouca
Vida que ainda me resta.
Prefiro saber da vida agitada
Medito sobre mim, sobre o viver e o amar
Enquanto repouso meu corpo irrequieto
Sobre um sofá ou uma cama
Com todo o conforto odiado
por quem tem paz de espírito.

(Talvez seja só ritalina
Ou qualquer outra ina permitida
Dessas que tentam nos roubar 
O sono e nos tornar máquinas melhores
Pois é o que somos,máquinas
Só maquinas, nada mais...)

Lembro-me dos meus amigos com frequência.
Eles costumavam fazer planos para o futuro
Eu costumava tentar mudar o passado.
Briguei com o tempo a vida inteira
Pois nunca achei justo perder a vitalidade
A força construtora, todo o poderio físico
Assim que eu começasse a adquirir
Poder mental, conhecimento sobre as coisas.
Sabedoria custa tempo, esforço mental e físico 
E nem sempre tem-se tempo de adquiri-la.
Meus amigos sabiam das coisas.
Conseguiram ficar ricos ainda jovens
Acumularam finanças e problemas
Deixaram para resolver os problemas
Quando não tivessem mais tanto dinheiro
E foram um pouco felizes por alguns instantes.
Talvez. Talvez por que deles quem sabe são eles
Eu sei de mim e não tenho renda.
Passei a juventude lendo e, agora,
Passo a maturidade escrevendo.
Talvez eu ganhe uma medalha por isso,
Ou um escrito nalgum lugar
Por ter sido mais um daqueles que ousaram
Gastar tempo a escrever com lápis e esqueceu
Que o mundo se escreve melhor com papel moeda.


Estava vermelho o céu, já era fim de dia
No meio de minha distração normal, percebi
Quão bela é a simplicidade do que encontramos na terra...
Andei tão pouco que mal passei do pé da estrada
Estive entretido, desde cedo, com ninharias
Mesquinharias que colecionei ou coleciono
Amores de infortúnios e bugigangas.
Por estrada eu entendo os lugares pelos quais andei
E as relações que tive com as pessoais desses lugares
Não consigo desconectar tempo, pessoas e locais
Acho que tudo é um pouco do mesmo.
Por cascabulhar demais a felicidade nos outros
Percebi que ninguém permanece o mesmo
Depois que divide, minimamente, uma vida com outrem
Mas isso não é só a experiência que o faz
A força bruta da tentativa de achar o que não existe
A extração de dentro do peito alheio
Seja do quê for, é uma mudança.
Sou um vasculhador de corações
Imiscuindo-me algumas vezes onde não poderia.

Ich bin dann und wann zu arrogant und ich verdiene
Die Liebe einer schönen Frau nicht haben.
Ich bin aber keinen Lügner, sondern einer Dumme Mann
Und fürs Leben, das ist schon genug.

Isso é caminhar. Procurar nos meandros
Aqui e ali um jeito melhor de lidar com algo,
São as pessoas que me motivam a continuar a minha procura
Se houver algo mais simples que a natureza
E como ela pode nos tornar melhores
(Falo da natureza humana, acreditando
Que ela possa algumas vezes ser boa, sem engodo)
Desconfiarei, pois tenho em mim as respostas
E nos outros, as melhores perguntas
Que devem ser feitas para encontrar a felicidade
Por mais estúpida que ela nos pareça.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Poesia às estrelas

Abraça-me! São estrelas
Cintilantes no céu, nos saúdam
Vêm-nos como pontos, sim pontos!
Correndo pela pequinês do nosso planeta...

O céu não se cala e não espera a noite
Mesmo atrás das chuvas a noite é bela
E algumas vezes, quando temos sorte
A lua sai por detrás do cinza
Banha-nos com a sua grandeza e seu brilho
Mostra-nos uma minúscula parcela do Universo
E parece que acabou de sair do banho
Como se a simplicidade fosse
Nada mais que um banho e uma visita
Àqueles que nos admiram e nos guardam.

Saúde-a de volta, vai! Mostre-a
Que temos um universo inteiro em nós
E que ele manda um olá, mesmo que tímido!

Sento-me à janela às vezes,
A observar a rua...
Transeuntes, vidas seguindo e sendo seguidas
E nós nos parecemos tão grandiosos e importantes
Menos para as estrelas que habitam os céus
De tão longe não se enxerga
Que não somos um grão de areia perdido no espaço
Vemo-las imensas, mas elas não nos vêm
Posto que somos ínfimas lembranças
De um passado distante e nada mais.

E quando olho o céu e é dia
Penso que as estrelas são brincalhonas
Gostam de esconderem-se durante o dia
São como as raposas e as onças
Caçadoras noturnas
As primeiras de alimento, a última de admiradores.
Vaidosas xingam, quando chove em mim
Posto que amo as chuvas e esqueço o céu
Tenho nas chuvas uma companheira de serenidade
Acalma-me o seu gotilhar pelo telhado
E sei quando está e quando já foi embora...
Assim, sou um a menos a ansiar pela visita
Do resplandecente brilho pontilhado
De Sirius, Alcione e Betelgeuse
Fazendo o fundo azul escuro tornar-se
Pano de fundo para mil sonhos e suspiros.

Às estrelas distantes,
O centro do universo ainda está fora dos homens,
Graças à Deus!

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Enfim amor meu

Engano ao invés de flores
Palavras roubadas, furta-cores
Mel meu, desejo inventado
Seu colo despido, um céu azulado
Assim que me fantasiei teu principe
Perdi o meu castelo encantado
Longe de mim, sorriso frouxo
Felicidade sim, mora ao lado
Mas eu nasci para ser deserto
Ter o coração desabitado
Ser ninguém nesse mundo de doidos
Ter os pés no mar lavado
Por quê beijo as nuvens em meus sonhos
Por lembrar de nós e ter calado
O peito que queria dizer-te amores
Para ver findas enfim minhas dores.

domingo, 23 de novembro de 2014

Um sentir

O que sinto sem engano
É compaixão aos desvairados
Também eu sou um fulano
De pensamentos descaminhados.
Mas talvez o ser humano
Não seja assim tão consciente
O quê vi de gente louca
Não cabe nas linhas correntes
É preciso olhar ao longe
E ser também descabido
Para viver num mundo onde
Amar ao próximo é proibido.

Colheita

Planejei não plantar amor
Vou viver de plantar flores
Se pouco houver de se colher
Ao menos não colho mais dissabores.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Simplicidade

Toma minhas mãos e leva-me
Para sentar à beira-rio ou
Ao pé dalguma montanha.
Contemplo a natureza com carinho
E tenho ótimas razões para acreditar
Que dentro das cores da natureza
Há algo primordial à nós
Algo que nem ouro e nem petróleo conhecem
Algo que só quem mora à margem
Das grandes cidades e dos rios e dos mares entendem e
Desconfio, que seja a simplicidade
Que habita no coração humano.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Quatro por quatro

São plácidas as horas
Que beijo em silêncio
Enquanto a espero.
Maturando sonhos
A vejo onde não estás
E a sinto na alma
Como um sopro divino
A essência minha, branda
O amor que vi crescer.
Não demores!
O café esfria rápido
Nessa manhã primaveiril
E quem esquenta a cama
Tão farta de desejo
É a sua falta
Preenchendo todo o espaço
E torna-me vassalo
E liberta-me dos medos
Aos quais a solidão nos traga
Sorria, sorrio, seremos
Reis e rainhas de nada
Viveremos num castelo imenso
De quatro por quatro
Cheio de amor.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Tristeza

Tristeza é um abraço não dado
É um não que vem antes de algo bom
É uma sensação de incompletude
Tristeza é todo poema de amor.

Tristeza é a companheira mais fiel
É o cão que guarda o túmulo
É algo que vai e que não fica
É o desamor de mãe ou filha.

Tristeza é ser triste dos olhos
E enxergar beleza mesmo assim
É a conta de luz, do gás, da água
É a pétala da rosa que cai, de velha...

Tristeza é meu nome, e sou sim triste
Um sorriso que não se redime e nem se espalha
Uma aspereza que não se trata
A doença mais cruel que dói e não mata.

Nada é senão tristeza plena
Diluída em sorrisos ou atenuações
Tudo passa, tristeza não,
Sou seu marido, ela é-me nada.

Lindo Lirio

Meu exercício predileto
É olhar o céu noturno frente à minha casa.
Estrelinhas, pontos brilhantes,
Vejo a lua, vejo os planetas...
Um universo inteiro que gira sobre nós.
Minha mente e meus pensamentos
Vão à tua casa buscar-te
E todos os dias sento-me ao teu lado
Num imaginário fugaz que me acalma.
Lírio, é o Universo beijando os jardins!
Lá de cima, iluminando a relva
O Sol clareia a tua pela alva
Faz-te meu Lírio, branca feio estrelas
E saber que tu cresces nesses jardins
Que estão nessas terras por onde ando...
Ah, Como amo a vida!
Lassos laços que nos apertam
De quando em quando compartilhamos
Momentos, histórias, sorrisos e o ar
Mas é a brisa da noite que me faz senti-la,
Quando minhas rosas pendem ao teu jardim
E deixo-me ver levado o corpo da flor
Leve, feito pluma, branca feito tua pele,
Macia, feito escuma e branda, feito você.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

À minha maneira

Tão cedo foi
Que o Sol se pôs
E eu mal podia ver
Que a ametista dos teus olhos
Pairava frente a mim
Reconheci em você o amor
A terra parou
Dentro do teu olhar
E me entregar, seria assim
Enfim correr
Em frente ao mar
E mergulhar sob a lua
No amar.

Quero te amar
Pela vida inteira
À minha maneira
Na minha loucura
Vou te fazer
Minha companheira
A musa que me faz sonhar.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Resumo

Como o tempo passa
E as folhas caem no outono
Como a maré que nos banha
E se vai, restando o abandono
Como o céu que escurece
Como uma freira faz prece
Como meu olhar estremece
Quando vejo você
Como molhar-me sub a chuva
Como perder o ônibus das duas
Como findar-me na morte
Como Murph sem sorte
Como um bebê chora de fome
Como sorrir ao dizer teu nome
Como o universo infinito
É a certeza que carrego comigo
De quê tudo na minha  vida
Se resume a você.





quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Futebol literário

A calmaria não me doma
Eu não ouço o silêncio
Tremulas mãos, cafeína
Amargo na língua, pensamentos.
Veneno da taquicardia
Num copo vazio d'amor
No corpo meio cheio de dor
Completa com poesia.
Num quarto de hora
Meu quarto, senhora,
Morte visita incrédula
O pobre mantém-se acordado
De pé em frente à janela da rua
Num par ou ímpar decido
Se me vou ou se fico
Pro mundo dos sonhos
Já que o dos pesadêlos eu habito
O drama invade a cama
Meu silêncio inflama
Choro de criança na vizinhança
Se inunda no meu leito.
É tanto drama nessa lama
Levanto-me refeito
Grito de dentro da varanda
Como se lá fora houvessem direitos
Mas nem eu e nem ninguém conhece
O fim que se apresenta,
Quando anoitece, pessoalmente
É o orgulho da nação
Futebol literário
Vinte bilhões em campanha política
Transporte coletivo precário
Sei que o ódio inconsequente mata
Mais que a dúvida
Se o Sol dá vida ou se de repente maltrata
As plantas da seca
Isso é São Paulo capital
Não é o Ceará
É a carcaça do animal-homem
Que desaprendeu a votar
Voltar no tempo, pedir esmola
Água barrenta quem aguenta?
Agora, que o plano real
É nos culpar pela condescendência
Aparência aparentemente avaliada
À preço de ouço vendida
Em um sermão que não vale nada
E eu não estou satisfeito comigo
Perdendo o sonho e a hora dos meus compromissos
Apago a luz e acendo a cena
Quem eu deixei pra trás
E que a dona ossuda apressada
Decretou o aqui jaz
É tão confuso como ser preto
E viver num país branco
Quando menos branco há aqui que pretos
E mesmo assim nós nos sentamos
Calmamente no banco dos réus
No banco do ônibus lotado
Esperando a revolução
Sonhando acordados
Porquê a vida é doce
Se esquecemos o seu amargo
Retardo em dose de estrogênio parca
Para nos acomodarmos
Vendo o mundo roubar os nossos sonhos
E nos negar a liberdade
E ainda assim esquecemos
O quê pra nós significa realidade.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Olhos que me falam

Quando não olho o tempo
Penso que estou nublado
Fico com a impressão de que vou chover
Ao precipitar-me em maus pensamentos
Pois penso, equivocadamente, que tornar-se-ão
Granizo as minhas risadas...

Sinto-me neblina, às vezes, porém
Quando no relevo dos teus olhos grandes
Me faço turvo sem tua lente
E não me pareço invertido no teu cristalino
Como quando inverto minha imagem de bom moço
E refaço-me em ti dos pés à cabeça.

Pareço bobo mas não sou
Sou só mais uma invenção dessas que tem por ai
Tipo um carrinho de controle-remoto.
Divirto-te e me divirto com a tua diversão
Pois mais me importa o teu sorriso
Às coisas sérias do mundo
Porquê sério sou eu, o brincalhão,
Semeando o sorriso a quem precisa.

Nesse reflexo que somos nós
Corpos negros, onde gêneros diferente se expressam,
Sou a metonímia da tua existência
E você é a minha, puramente singela,
Como um prato cheio de feijão com arroz
Como a fome de quem acorda cedo para trabalhar
Como o amor que tenho por você.

E de tudo que até hoje me foi permitido conhecer
Aprendi que os rios são belos
E que as florestas também são belas e assim o são
As flores, os peixes, e tudo o que existia antes de nós
Por quê a natureza é perfeita e fez você
Mais bela que os rios, mais bela que as florestas
Com seus olhos que me falam, negros
E me beijam sem tocar-me a boca.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Aquele animal chamado amor


Aquele animal chamado amor
Preso no cárcere do peito
Engaiolado nos meus olhos,
Tão maltratado nos teus seios.

À quase mil quilômetros de mim
A caçadora sem coração
Acertou um tiro certeiro
Abandonou a carcaça ali no chão.

E eu, que me alimento desse bichano,
Cacei-o por tanto tempo nas ruas
Pra vim uma amadora no ramo
E decretar minha fome da carne sua.

Talvez solto esse animal não padeça
Como padece dentro de mim
E eu mesmo ele não mereça
Pra matar minha fome, por fim...

terça-feira, 7 de outubro de 2014

A chuva


Não quero dormir nesta noite
Ficarei, até o romper do dia, acordado
Fitando a chuva que cai no meu telhado
Gota por gota vibrando sonoramente
Enquanto de dentro de casa eu observo
As árvores dançando ao sabor do temporal.

Sentinela das horas que passam
Pego os segundos nas mãos
E me parecem infinitos sob meus olhos...
Nino esse tempo nefasto
Que rompendo o ar espalha
Azuladas rajadas de cargas elétricas
Que escoam para as profundezas da terra
Feito um Kraken a submergir
Após engolir uma presa muito grande...

Não descobri ainda o que é a chuva
Mas tenho pra mim, que é
A estranha ocorrência de uma mágoa vívida
Que escorre do céu quando as nuvens,
Cansadas de serem sublimes e etéreas,
Desfalecem-se em plácidas gotículas
Tão frias que gritam o desassossego
Ao tocar o quente chão.
Prefiro, porém, senti-las a defini-las.
Pois chuvas são a memória dos dias
E nenhuma memória é cristalina.

(A chuva, quando entra em minha casa,
Entra simples como quem pede algo por favor
E sem uma ordem minha, já fica descalço
Vai secando os pés e puxando uma cadeira
Como se fôssemos bons amigos de outrora
- E acho que efetivamente somos! -
A prosear sobre os caminhos que a vida toma
Quando somos adultos a agir como adultos
Ao invés de sermos crianças, e só.)

Amo a chuva pela sua simplicidade
Ela não é nada além de água que cai do ar
Ar que respiramos para viver.

Outro dia eu brinquei na chuva
Contrariei as lições que dão as mães
Quando advertem os filhos 
Sobre brincar na chuva.
Tinha um sabor de travessura tudo aquilo.
A água dos rios é boa para beber
A água do mar é boa para refrescar
A água da torneira é boa para matar a sede
Mas a água da chuva é a única
Que nos rejuvenesce e nos torna crianças de novo.

Eu também sou chuva, às vezes,
Uma chuva fina, porém, duradoura e fria
Dessas que incomodam no início
Mas que depois a gente se acostuma
E até gosta de tê-la como companhia
Pertinho da nossa janela
Enquanto tomamos chá num dia frio
Olhando para o mundo 
Vendo nosso reflexo em cada gota
E assim, sinto-me parte do todo,
De uma forma quase insignificante
Mas que me completa por saber
Que também as coisas mais naturais
São boas, como um passear no parque em dia de sol.


*Para Jéssica Pereira, a menina que brinca na chuva até em dia de Sol.

Bobo

Só mais um bobo na côrte
Desse meu país.
Só mais um bobo malandro
Só mais um bobo otário.
Só mais um.
Um bobo nenhum.
Sem bobeiras mas sem ser levado a sério...

Terra e água

Descobri-a
Como quem descobre um planeta
Desses onde há água potável e terra boa
De fato, te penso um planeta...
Em ti sei que há vida e
Talvez você tenha água e tenha terra boa
Mata-me a sede
Molha-me inteiro
Cozinha-me em banho-maria
Seduz-me com a sua boca vermelha
Deixa-me a salivar
Planta-me em tua vida
Semeia-me desde a semente
Deixea-me brotar
E me colha fruto jovem
Desses sem rugas.
Terra boa, onde quero habitar,
Construir minha casa
Regar um amor até virar árvore
Pendurar minha rede
E me balançar.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Der Bettler der Liebe

Não choro e nem engulo o choro.
Não me visitam as lágrimas o rosto,
Não me comovem filmes de amor,
Nem mesmo o sofrimento alheio.
Mas não fui sempre assim...

Que febre tenho em meus pensamentos!
Era só disso que eu precisava:
Uma dose grande de nostalgia,
Surpresas vazias e desassossego!
Desassossego...desassossego...dádiva minha!
Pútridas monções inundam minha mente
Quero o alívio jocoso do estar sozinho
(E quem não está sozinho nessa vida?)
Quero rir-me de mim inteiro, a tremer-me as carnes
No rejubilado sorriso, filho pródigo
Que de regresso se instalará no seio do meu rosto
Dividindo espaço com meus soluços sem choro.

Dores de regresso vindouro...
Antes da dama esquelética sou o quê?
Um mensageiro do nada
Um coletor de mesquinharias
Der Bettler der Liebe.

Weswegen ich ein Pechvögel bin
Kuss meine Seele keine Hoffnung,
Ein gutes Leben zu erfahren...
Die Liebe, Gottes Geschenk!
Es würde nicht für mich gemacht...
Nicht für mich!

domingo, 5 de outubro de 2014

Ladeira

Subida é ladeira
Pra quem está apressado
Cuidado, menino,
Não me olhe de lado,
Eu sei que você
Também é capoeira
E pra sobreviver
Faz bico de malandro.
Eu não olhos as ruas
Estou sempre ocupado
O hoje não agrada
Quem prefere o silcêncio
Saudade é o amor
De quem sofre calado
Família é domingo
Eu ando sem deixar rastro.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Rui Barbosa

Parece que os senhores esperam meu silêncio
Enquanto assinam, contra a minha vontade,
Um pacto para acabar com a possibilidade,
De, no futuro, eu lembrar que houve qualidade
Na já famigerada pública educação...

Parece que os senhores esperam meu silêncio
Parece, que não me pediram a minha opinião
Sendo eu o maior beneficiário
Acho justíssimo que o sistema me faça de otário
Ao decidir nas minhas costas uma mudança
Que quer subir na contra-mão do rio
Sucateando, garimpando, desmontando a minha escola
E levando os restos mortais do meu passado
Para outra jurisdição.
(E porquê não?)

Ah, senhores! Não me pensem um tolo adiplomado!
Não fantasiem meu silêncio tão inocentemente
Ao julgarem-me um simples aculturado
Tenho a certeza de que os senhores são os culpados
Pelo que eu ser poderia e não sou,
Pois muito mais conhecimento, aliás, eu teria
Se as minhas escolas prévias os senhores
Não tivessem sucateado.


Se quiserem tolos, não venham aqui!
Se quiserem silêncio, não venham me pedir!
Se quiserem meu voto, ah, não posso escrever um palavrão?


Parece que os senhores, ou melhor, vossas excências
Lotados nos escritórios, nas jurisdições
Cheios de pompa, terno e gravata
Muito ocupados em pensar a máquina pública
(Para servir-lhes e às respectivas famílias, somente)
A tomar vinho do porto, comer à beira do canal
Com carros luxuosos e placas de fora do estado
Apartamento em Maiame (escrevo errado por não ter tido educação)
Os estandartes da democracia da urna eletrônica
Defensores ferrenhos da meritocracia
Donos de parques aquáticos, de mil cabeças de gado(ou mais)
Pessoas de posses, de cultura vasta
Estão aplicando muito bem o dinheiro público
Tirando escolas da rede municipal,
Abandonando hospitais, não contratando professores
Construindo praças e asfaltando somente
As partes turísticas da cidade
Onde não moram os pobres diabos periféricos
Que pegam o ônibus de manhã cedo
Para estudar na quase extinta escola
Que formou muitas das melhores cabeças
Que a nossa cidade teve ou tem.

Ah, me parece porra nenhuma,
Tenho certeza que ao olhar pro futuro vou
Ver a sombra estendida sob os escombros
Da educação pública municipal
Delineando o emblema da minha escola querida
Que morreu para levar a cabo as pretensões
Do sistema de embestialização dos estudantes
E idiotalização dos funcionários públicos
Para nascermos e crescermos, daqui pra frente
Sem sabermos o que é o conhecimento plena
Ou sem termos tentativas nesta direção.

Não quero, porém, pensar que me calei
Posto que aprendi muito do que sei neste lugar
A minha escola me ensinou a pensar
Que nada deve ser impossível de mudar
E que meus direitos não são negociáveis.

Colégio Municipal "Rui Barbosa"
Guarnece, guerreiro, guarnece!


Parece que à partir de hoje não vai ter educação
Mas aqui, como sempre, vai ter resistência!

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Toma


Toma
Toma aqui os seus trapos
Suas sujeiras
Suas manias de grandeza
Sua algazarra na vida alheia.
Quer ir embora que vá
Dentro de mim
De camisa desabotoada
Cadarço do tênis desamarrado
Mãos enrugadas do banho
Olhos cheios de certeza
Braços preguiçosos
Sonhos esmorecidos
Carteira cheia de tristeza
Boca sem palavras
Cabeça sem ideias
Pele nua, enrijecida
Pés descalços sobre o sofá
Nariz que não sente o meu perfume
Íris que não me ve
Não, você não habitará.

Ainda tenho sonhos grandiosos
De andar a cavalo num campo verde
Sentir o frio dos alpes no meu rosto
Voltar às paisagens que amei um dia
Matar um a um todos os meus inimigos
E correr pela rua, gritando
Na plenitude de ser livre
Pois liberdade é o ócio sublime
A mãe das criações mais severas
Que geram filhos tranquilos
E aquietam mentes intranquilas.

Se você quiser, egoista,
Acabar com as minhas pretenções
Ressuscite, oras
Não vou catar os seus pedaços pelo chão!
Estarei na espreita
Quando estiver de saida
Deixe a chave por baixo da porta
Não avisa que esta saindo
E nem me faça promessa
De vingança, pois sou sensível,
E posso não resistir à uma gargalhada.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Perdido

Enquanto eu tento
Nos meandros da noite encontrar o meu sono
Sinto que perdi-me.
Mas é plenitude estar perdido
Por ter na mente uma sombra clara
De um beijo doce.


terça-feira, 23 de setembro de 2014

Mar bravio

Mar bravio à espreita
À direita do Forte à direita.
Quebra o silêncio o escuro marulho,
Quebram as ondas na pedra da baleia.

Quem acena da praia vê-me sentado
Não entende a distância que tenho do mar
No meu olhar – também marulhado -,
Sofro em silêncio, te espero voltar.

Não ouço as ondas que choram saudade
Nem as pedras, nem a areia, nem as águas...
Ouço o lamento em todo o canto da cidade
A ecoar no meu peito fervente de mágoas.

Muitas vozes ainda lembram teu nome
Nas ruas que caminhava, na velha mansarda...
Meu peito reclama um grito que me consome
Passados os anos, a falta não passa por nada.

E embora não tenhamos tido os melhores dias
A casa é vazia e piora em abril
Ter nascido irmão e merecer tal companhia
Ter sorrido e ter chorado, de muito me serviu.

São meus olhos que não enganam o tempo
E revisitam as pedras que te viam partir
Não demores nesse teu contratempo
Sei que, do outro lado da margem, continuas a sorrir...

domingo, 21 de setembro de 2014

Enquanto for manhã na tua vida

Enquanto for manhã na tua vida
Quero ser o teu café forte
Quero acordar-te depois dos teus sonhos
E dar-te ânimo para realizá-los.

Enquanto for manhã na tua vida
Quero ser teu raio de sol, o primeiro
A excitar-te as pupilas e a te aquecer
Enquanto também eu me levanto, no horizonte...

Enquanto for manhã na tua vida
Enxugarei teu rosto, teu corpo, a tua pele
Serei a toalha a cobrir-te ante as mentiras do mundo
Secarei tuas lágrimas com o meu singelo silêncio.

Enquanto for manhã na tua vida
Quero ser o seu espreguiçar vagaroso
O deleite dos ossos e músculos, rejubilados
Após a noite que caiu sem deixar rastros...

Enquanto for manhã na tua vida
Vou esforçar-me para entender-te
Vou dar-te o meu melhor sem pestanejar
Serei sempre, até o meio dia, sua procrastinação.

Enquanto for manhã na tua vida
Amarei-te com toda a força do meu ser
Pois o dia passa, lentamente mas passa
E não posso esperar que se deite a noite sobre nós.


quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Nega da Boca vermelha


Nega da Boca vermelha  
Cabelos crespos, como o meu.

Lábios de beijos ardentes,
Olhos de olhar pra frente.
Sorriso alegre de euforia
Voz de declamar poesia
Mãos que me tocam sem pudor.

De sina passei à rima
Meus dramas passei à exaltação
As minhas dúvidas tornaram-se certezas
Quando toquei em suas mãos.

Respira-me ofegante
Desfila altiva e elegante
Nas ruas por onde ando.
E quando me engano de calçada
Ah, é ela quem me espera
Na esquina da desambiguação.

Sussurra-me libidinagens
E nem sei se teria coragem
De algum dia dizê-la um 'não'
Convence-me de loucuras
Devaneios de almas puras
Que cabem num só coração.

A negra forte, a pele escura
É a que meus sonhos mistura
E nem sei o que é real.
Frente ao espelho vejo nela
A imagem de mulher bela
Que mora em meu ideal.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Que selem o burro para eu ir embora

Que selem o burro para eu ir embora
E dispenso carro, ônibus ou avião
Tudo está, hoje em dia, muito caro
Para um pobre cidadão.
Não quero pagar lucro às empresas
Nem impostos ao governo
Quero poder ir onde eu quiser
Quando eu quiser e de graça.
Vou-me embora para a mata
Onde há água boa e ar fresco
A mata é virgem e cheirosa
E os computadores, lá, não existem.
Não há câmeras de segurança,
Lá aonde eu quero ir
Não há cobrança de bancos
Nem cartões chegando em casa sem eu pedir.
Vou pra longe das mentiras humanas
E para perto dos outros animais como eu
Bichos ferozes que vivem, apenas,
Comem e dormem e trepam e correm
Brincando com o tempo
Socialmente organizados
Na forma de animais livres.

Que selem meu burro pequenino
Pois carregarei pouca coisa
Vou com a roupa do corpo e uma malinha
Com meus remédios, sonhos e umas mudas de roupas.
Vou depressa pois tenho medo
Da política desse país
Vou por quê eu, aqui, há anos
Tenho me sentido infeliz.
Pobres, negros e homossexuais
São apenas pessoas lá para onde eu irei
Lá é quase como Pasárgada
Mas lá não existem reis.

sábado, 13 de setembro de 2014

Quando...

Quando, contra a sua vontade ou escolha,
Alguém te puser num navio
Sem água, sem banheiro, sem liberdade
E te levar para longe dos teus iguais e da tua terra
Quando queimarem teus documentos
Negando-te o direito a saber as tuas origens
Tua ancestralidade e cultura
Quando te confinarem à uma senzala
Quando te açoitarem no tronco por querer ser livre
Quando te deixarem à própria sorte
Sem possibilidade de sustentar-se
Por não te confiarem em um emprego
Quando negarem a tua religião
Queimarem teus templos
Te declararem amaldiçoado por Deus
Quando te declararem um ser sem alma
Quando teu cabelo estiver sempre fora de moda
Tua pele sempre for escura demais para os padrões
Quando teu nariz for uma maldição
Quando tua cor for a cor do pecado...
Quando a maior parto dos teus iguais
Estiver confinada em barracos
Amontoados numa favela sendo reprimidos
Pelo estado, na sua forma mais violenta: a polícia,
Quando sua vida tiver de ser uma resistência
Contra todos que te querem morto
Quando teu sorriso for escasso
Quando teu sucesso for fruto de um esforço sobre-humano
Quando as tuas noites forem um pesadelo
Quando toda noite e tu fores revistado
Quando te confundirem com algum bandido
Quando tuas mulheres-irmãs forem vistas
Como objeto sexual a todo o tempo
Quando defender-se dos ataques contra ti deferidos
For tomado como falta de compaixão pelo próximo
Quando a justiça existir para todos, menos para ti
Quando para o mundo teu povo for exemplo de famélico
Desnutrido, miserável, pagão, pouco confiável
Aí, talvez  aí, tu possas entender os não-brancos
Se fores humilde o suficiente para tal,
Poderás reconhecer o quando a luta do povo negro é importante
Pois desde Dandara e Zumbi a Mandela pouco se mudou
E nós ainda somos vistos como escravos
Seres descartáveis feitos para serem explorados...

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Nau

Lutar é preciso
Enquanto a Nau dos inimigos se aproxima
E invade o estreito canal
De direitos que conquistamos.
Exploradores dos novos tempos
Carniceiros caçadores
De desempregados
Dos homens e mulheres sem sustento
Tornados marionetes
Do capital especulativo
Expostos às guerras e à humilhação.
Vítimas da mão madrasta -
Que nos aprisionou o corpo ontem
E, hoje, quer nos aprisionar a alma -
Somos nós os periféricos,
Os pretos, os pobres,
Os homo, as mulheres
Os trans, os famélicos...

Eu digo que a liberdade nunca existiu
Mudaram o nome do chicote e do tronco
Puseram um traje
Pós-moderno nas senzalas
Mudaram as cores
E as formas da suástica
Para caber nas engrenagens
E virar logo-tipo de cartão de crédito
Roupagem denotativa
Para enganar intelectuais
Mas não enganam
Quem não lê os livros apenas
Para saberem o quê é
Ser reprimido, pisado,
Execrado nos bairros
Nobres como ebola.
Os negros-da-casa-grande
Estão por toda parte:
Nos guetos, nos escritórios,
Nos gramados, nos telejornais,
Na política, nas universidades
Cegos para a realidade,
Perdidos, sem identidade
Querem ser brancos...
Ah! Brancos!
Dizem que desigualdade racial
Não existe no Brasil
O quê existe é desigualdade social e só.
Qual o tom da cor do lápis cor de pele?
Quantos negros tem na sua sala de aula
Na universidade pública?...
Falácias, tolices, ilusão
Dos filósofos de utopias
Que confundem especulação financeira
Com correria...
Porcos valores morais enraizados
Nas almas dos enganados
África não é um preto
Com roupas coloridas
Magro de fome com um fuzil na mão
Dançando quando tocam o tambor...
África é mãe, é berço, é ancestralidade
É cabelo crespo, é ritualidade,
É Camdomblé, Ubanda, Capoeira,
É samba, maracatu, é Jongo
É fartura, é Nilo, Etiópia, Guiné
É tudo o contrário
Do quê eles mostram na TV.
Quanto medo eles têm de dizer
Que foram eles que a saquearam
Que a dividiram,
Que exportaram seus filhos
Para serem escravizados...
Libertos são os senhores de operários
Os senhores feudais do nosso tempo
Os tementes donos das fábricas.
Libertos não precisam do Estado.
A luta continua ainda hoje
Contra a Nau do capitalismo
Que nos torna monstros disformes
Prontos para engolir seus filhos
Quando somos apenas máquinas
Lutando pacificamente
Contra o sistema operacional
Que nos controla a todos...


E se não vencermos?
Continuaremos a lutar
Pois só a luta transforma
Na pacificidade somos rebanho
Na rebeldia, somos pastores.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Quinquilharias

Como vês
Sobrevivo após tu
Sorrindo alto, vociferando
Calando-te
Enquanto gritas dentro de mim.
Se não queres sair
Pelo menos ajude na faxina
Tenho sentimentos antigos
Porta-retratos
E outras coisas pra jogar fora
Pois ocupam-me
E não tenho mais espaço para quinquilharias.
Sejas menos cruel
Se puderes
Leve contigo as tralhas
Migalhas desses dois meses
Minha mendicância à sua porta
Meus planos infantis
 E se tiveres recibo, aceito
Garanta-me uma noite
Só uma noite de sono
Sem pensar em ti
Sem reviver tuas palavras
As últimas e as primeiras
Tento entender o meio termo
O que se perdeu no meio do caminho
Talvez nada
E nós ainda estejamos perambulando
Num looping que nos fará
Ficar juntos de novo.
Ach, so eine Dummheit!
Amanhã passa essa vontade
De acordar ao teu lado
Ah, sim, há de passar!

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Máquinas

Nasci entre máquinas e morrei entre elas:
Máquinas de lavar roupas, de secar
Máquinas de escrever coisas,
Máquinas de computar,
Máquinas de pegar ônibus, de dirigí-los
Máquinas de trabalhar na indústria,
Máquinas de plantar, de colher
Máquinas de ensinar na escola,
Máquinas de aprender
Muitas máquinas, algumas parecem
Se olhadas de longe, com humanos.
Eu sou máquina também:
Máquina de chorar as dores de outrem
Máquina de morrer de amores e sorrir
Máquina que refaz-se, recicla-se
Máquina de falar de Máquinas...
Algumas máquinas nascem
Para nos fazer sorrir, nos faz felizes
Outras máquinas não devem nos fazer nada
Devem apenas passar e seguir o próprio caminho
Pois toda máquina serve a um propósito na vida
Se está fora do seu lugar
Não executa o seu trabalho.
Por isso, não julgue uma máquina de fazer pão
Quando ela está tentando lavar um carro, por exemplo
Deixe-a. Um dia, ela encontra a sua mangueira.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Cativeiro no amor


Fui liberto no amor.
Correnteza que me levou ,
não volto mais.
E por mais que eu siga só
Não há cativeiro no coração
Penso que estar livre é maior
E estar amando é perfeição.

Azuis

O plano aquário
Que se dobra no infinito.
Imenso azul em queda
Sem derramar-se.
Bilhões de peixes
Trilhões? Talvez...
Seres infinitos no azul marinho
E no azul escuro do Universo?
Peixes desconhecem o ar
Há uma pseudo terceira dimensão
Não pra eles! Coitados! Desconhecem
Que há tantas vidas fora
Do seu azul opaco!

Quebra-se o aquário
Peixes, pedras, algas, ondas
Esparramadas no chão
Sob a gravidade
Avançam rumo ao infinito
Ou a algum poço de potencial.

Outro aquário quebrou-se: crach!
Um Big Bang...
Estrelas, Gás, poeira, Galáxias...
Tempo e espaço também
(Ou já estavam lá?)
De repente, planetas
Milhões de Galáxias
Bilhões de estrelas
Trilhões de planetas
Vida? Talvez só em um desses planetinhas,
Do tamanho de um grão de poeira celeste...
Inteligência sobre um metro e meio
Limitada a carbonos,
Dois Hidrogênios e um oxigênio
Uma quarta dimensão...será?
Coitados de nós...
Qual a escala do teu Universo?

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Absentista

Não te amo.
Não te quero.
Não te desejo.
Não te preciso.
E, ainda assim, sofro a tua ausência copiosamente
Como um recém-nascido tirado de sua mãe.
Contudo, para o meu disparate completar-se,
Sofro mais da tua ausência quando tu estás comigo.

Alguns domingos são tristes como os monastérios.
Eu sou o silêncio dos mausoléus
Entre os escombros do sorriso que construí
(E pus no meu rosto só para saber se cabia no seu)
E a esperança que alimentei religiosamente
Todas as manhãs e todas as noites,
Em que a tua voz me foi ausência.
Sou como esses Domingos e eu passarei na sua vida
Infelizmente, cedo demais para mim.

Não domo os ventos, tão pouco as caravelas.
Sou só uma barra de grafite em um toco de pau
Munido de um corpo, alguns pensamentos
E algumas emoções. Uma delas é o amor.
Os mares são muitos e muito vastos
Eu como um péssimo marinheiro que sou
Não me atrevo em águas profundas.
Tu me convidaste para desbravar os mares contigo
Içaste âncoras, abriste velas e esqueceras-me no cais,
Literalmente a ver navios e
Nessa praia que se estende do meu corpo até o teu corpo
Não existe areia, somente pedras pontiagudas
E um mar ressacado a nos observar.
Sonhei com a mulher que me faria sorrir
E o meu Deus ma concedeu
Como um fardo e suas implicações.
Sorri e aceitei o desafio de ser só ao teu lado
Mas nem do meu pranto tu participaste...
Onde estavas tu, Caliandra,
Quando as ruínas dos meus sonhos sobre mim caíram?
Onde estivemos nós todo esse tempo?
Às vezes penso que amar é não sofrer
Mas, em seguida, recobro a insanidade
Relembro que para dar-te o meu melhor
Eu me desfiz do quê me tornava humano: a razão.
E não há flores no deserto
Nem Rosas no planalto central.
Rosas e Caliandras crescem em Jardins diferentes.
Os medos e os sonhos crescem no mesmo lugar.
Não posso jogar em mim toda a culpa, porém,
Por ter criado os dogmas que criei sobre nós, sobre o nosso futuro
Mas sinto-me pesadamente responsável
Por tudo o quê não foi divino ao teu lado.
Desistir é verbo de morte, não usarei.
Procrastinar é verbo de preguiçoso, não usarei.
Obedecer é o verbo que me doma.
Obedecerei a sua vontade de retirar-se de mim,
De debandar do meu peito,
E mesmo que eu não a ame,
Mesmo que eu não a queira,
Mesmo que eu não a precise,
Meu sangue vai coagular sem a luz dos seus olhos
E eu me odiarei mil vez por centésimo de milésimo de segundo.
Planejei morrer de amores algum dia
E estou morrendo pouco a pouco dentro de ti.
Sou noite neste quarto compartilhado
Sou noite, todos os dias e todas as tardes
E todas as noites são como eu:
A mera sombra do quê já foi tempos atrás.
O meu tempo me sorri como uma velha
Cadavélica e desdentada e, me parece,
Que eu me vejo frente ao espelho.
Minha força, meu sorriso, minha carne,
Consumidos pela tempestade que há em ti
Dentro do peito onde quis morar.

(Quando acorda o Sol entre as árvores
Lembro-me dos meus sonhos, lembro do mar,
Lembro-me da minha cidade.
Toda a espera recomeça
Sento-me no colo do tempo a observar as cores do firmamento
O céu vermelho a tornar-se azul
O céu azul a tornar-se azul escuro
E as estrelas a beijarem meus olhos
como se fossem as minhas lágrimas subindo aos céus.)

Se me queres morto em teu seio,
Se me queres sepultado no fundo dos teus olhos
Sejas gentil e parta com todas as tuas promessas
Leve teus beijos cálidos e o teu calor
Leve tuas mãos macias e os teus cafunés
Leve o brilho dos meus olhos
(Aceites os, por favor, mesmo que por gratidão,
pois mais pertencem a ti que a mim mesmo...)
E leve-te embora de mim, finalmente.
Quero-te livre, jovem e plenamente tua
Sem as amarras das gaiolas pseudo-amorosas
Que eu, como um bom pseudo-amante que sou,
Tentei colocar em ti, maquiada em regime Semi-aberto.

Querer...Desejo...Amor...Precisão.
São só palavras e, o quê eu sinto,
Não é sentimento enjaulado em verbo.
Eu te sinto como um fremente balanço das cortinas
Quando há uma ventania e as janelas estão abertas.
Eu te sinto nas mãos como a maciez do toque dos pêssegos
Eu te sinto com uma calma manhã
Nessa madrugada frenética que é a minha vida.
É tentador pensar que posso sonhar-te incondicionalmente
Ou que você será ausência em minha vida
Mas meus olhos mentirão para mim por semanas
E eu serei tentado a pensar, porém,
Que a tua presença se foi de dentro de mim...mentira!
Tu ainda estarás no Sol que brilha ao amanhecer
Tu ainda colorirás em tons de vermelho a aurora
(Porquê bem sabes que é a minha cor predileta!)
Tu ainda serás a luz pálida das estrelas
Que se camuflam no céu da cidade.
Tu ainda serás o meu melhor sonho,
No despertar dessa nova vida em mim.

Queres-me morto em ti
Para que eu suba aos céus desde a terra!
Minha Caliandra, flor primeira,
Não caibo mais na métrica dos teus versos!
sejas feliz nos teus caminhos sem mim,
Por quê eu sou mais feliz na sua felicidade.


terça-feira, 26 de agosto de 2014

Último dia

Seu Deus custou a acordar em sua vida.
Se a sua existência inteira fosse resumida a um dia
Eu diria que já são quatro da tarde.
Eu ainda estou dormindo na minha derradeira alvorada
Nenhum Deus me acordou ainda
Ao contrário, acho que algum está dormindo ao meu lado...

Passei do estágio de crença no Todo Poderoso inabalável
Para o estágio em que não acredito nem mais em mim
Pois enxergo os dias como se fossem noites
E os seres humanos como se fossem monstros mitológicos:
Orcs, Trolls, Ogros, Goblins e Dragões
A devorarem-se e aglomerarem-se em cavernas
Nos morros e nos vales, onde vez por outra,
Aparecem aventureiros de farda, matando os moradores
E empilhando o pouco tesouro das aldeias hostis ao sistema.
Onde estamos erguendo os nossos castelos?
Nos asfaltos! Ahh, e como era bom ter paisagens verdes
E riachos nas pradarias e nas savanas e nos mangues!
Hoje só temos brita, óleo preto e concreto.
Eu julguei ser bom o suficiente para viver só
Ela retrucou como se houvesse salvação!
Sal-va-ção! Quem nos quer a todos?
Que Deus cria o caos para dar risada do interior d'algum mausoléu?
Não há tronos no azul, só planetas, estrelas, corpos celestes...
Tá, isso Ele criou bem, com uma caixa preta danada
Indecifrável para os monstros aqui da terra.
(Acho que sou um Orc, mas não inventaram espelhos ainda...)
Quem são os grandes-babacas-senhores-dos-castelos-do-asfalto?
Quem são as suas senhoras, escrotas-senhoras-madames?
Paciência é uma virtude que eu não possuo!
Quero me amotinar com meus companheiros de aldeia,
Orcs, Trolls, Goblins e Ogros contra os Dragões!
Reze a Odin. Reze a Ogum. Reze a Alah. Reze a Grummsch. Reze por nós!
O Deus das equações-do-Universo, qualquer que seja Ele,
Que nos proteja e guarde contra a opressão dos poderosos.
Meu último dia é um delírio sombrio
Sem vales, sem rios, sem cachoeiras, sem esporte, sem beleza.
Beija-me docemente a meia noite, todas as noites,
Mas hoje, é hora de dormir.

Carnívoro amor


Tanto fiz por fazer sem sentido
Que me sento hoje só, a pensar
Em estes tempos de lembranças, já idos
Minha confissão frente ao espelho:
“- Eu te amo! Eu te amo! E como te amo!”.

Mas não há verdade na mentira – processo de convencimento
Não conheço o amor e nunca o conheci – fato!
Tive um tesão que me saltava à pele
Trespassava meu corpo sem pedir licença
E todo o resto era gozo, gritos e volúpias,
Como se a minha essência fosse a cama,
O meu corpo fosse o corpo do outro
E o sexo a encarnação tardia da minha alma
Cada dia num corpo diferente,
Numa cama mais ou menos quente,
Num prazer mais ou menos inconsequente,
Usando corpos como peças de xadrez.

Eu sou o outro e nada mais.
Minha satisfação é o gozo alheio
Da mulher que geme e goza
E o seu esporro jorra sobre a minha carne quente
Como se fosse o meu corpo também o dela
E aquele instante de prazer infinito.
Eu preciso da vida agitada
A cama desarrumada feito os meus cabelos.
Eu preciso das pernas depiladas – minhas e delas
Do batom borrado nos lábios nossos
E dos arranhões nas minhas costas.
E cada marca de mordida é um troféu – e eu os coleciono todos!,
E quero para mim o que houver de melhor.

Que abuso, molestar corações!






segunda-feira, 25 de agosto de 2014

O deus dela


Ela reza com toda a fé do mundo,
E o Deus dela é poderoso.
Eu desconheço essa fé completa
Essa devoção ao sobrenatural.
Acreditar, sim, eu acredito em um Deus.
Meu Deus me dá toda a liberdade do mundo,
E Ele é divino, não se envolvendo com mesquinharias,
Não falando comigo, não está presente na matéria.
Meu Deus fez as equações que regem o Universo.
Alguns o chamam de força vital,
Princípio Inteligente de todas as coisas.
Eu o chamo sempre que posso em minhas orações,
E o nomeio Deus e imploro clemência para a minha ignorância.
Tenho fé nenhuma nos homens ou mulheres.
Tenho fé total nos homens e mulheres.
Sou um pecador que não acredita em pecados.
Não rezo pras coisas melhorares. Estou tão mal assim?
Ela reza com toda a fé do mundo.
E o Deus dela é poderoso.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

O feijão


O grão,
João,
Preto, como o pé
De pedro
Pedreiro,
Sem pedra
No saco.
Escolhidos,
Os mulatinhos,
Branquinhos,
Os vermelhos,
Ou Cariocas...
Humm, que delicia!
Mil tons de preto
Ou vermelho
Ou branco.
Na panela
Jorrando a fonte
De ferro no prato
Do brasileiro
Naturalizado ou nato
Arquiteto
Ou artista
(Físicos não)
Malandro
Ou contorcionista
Malabarista
Que sobe e desce
Do pé do joão
Todo dia,
E depois,
Combina com o arroz,
O que nos mantém
De pé no dia a dia
E chamamos de trívia
O que só a nós
É normal
A mistura do preto
E do branco
Sendo europeu
Ou banto
No prato ou no pranto
A força da terra
Que dá a sustância,
Para o Brasil trabalhar.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Lasso amor vivente

Lasso amor vivente
Púdrido e aborrecente
Na vinha da manhã crescido,
Como nós, ainda jovem.

Muda, muda, muda
Ou transforma ou cresce.
E tudo em nós é menos ocre
Como um macio pão embolorado.
Verde-musgo, deteriorado
Tempo passa, leva a aurora
Rotos tempos de fantasia
Ainda somos nós nas fotos
Mas não nos vemos nos espelhos.

Não vês, Àurea,
Que amanhece hoje cinzento?
É pálido o sonho que tivemos
Mas não nos debruçamos sobre o verão
Esperamos a primavera
Sem regar nossos jardins.

Nascerão vulgares flores
Lírios liláses, esquálidas pétalas.
Porcas lembranças
Parcos lamentos cabisbaixos,
Assim, desvanecimentos frugais
Feito fome de algo novo e reluzente.

Quanto adjetivo para o amor!
Abra a porta, Áurea,
Veja-me ir embora.
Abra-me teus braços nesse acesso
A loucura nunca é bem vinda.
Mas todo louco é leve
E breve são os nossos suspiros.
Digo Adeus.













Carteiros


Todos os dias soam os sinos,
São dez da manhã – quase um despertador,
Passa apressado, ora aqui, ora acolá
Sempre com os pedais barulhentos e soltos
Da sua precária bicicleta azul e amarelo.
Deixa-me o papel sagrado que vem de longe,
Ou o profano, que sempre vem de perto.
Alguns dias parecem cômicos e rimos juntos
Mesmo desperto pelo seu pedalar
Traz boas notícias, coisas de quem espera
E, quando cessa o sofrimento,
Daqueles que olham para o horizonte com pressa
Parece que o moço de azul e amarelo é um Deus,
A Boa-Nova, um anjo empacotado na forma humana
Hermes incumbido de rejubilar corações.
Meu endereço ali é rotina, recebo muitas cartas
- Ou seriam muitas contas? Esqueça!
Percebo uma vez ou outra que os carros e motos
São pra velhos senis, não pra mim.
Também quero ser Carteiro, pedalar
Ter pouco tempo pra decorar nomes e números
Ser portador de notícias e não da verdade!

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Francisco

Ainda moço se afogou Francisco,
As mãos vazias, abertas e agitadas
Sem os melhores sonhos impossíveis.
Debatia-se.
Arranhava a água.
Estava doente. Colérico, talvez.
A tez estava vermelha como se ardesse,
Um belo contraste com a água fria.
Um Rio. Pele enrugada.
Morreu e estava só.
Um mar distante guarda-lhe o corpo.
Lá no fundo, entre os peixes e navios afundados.
Mas isso já foi há tanto tempo,
Deve ter só ossos e lembranças a essas horas.
Frio. Cadavérico. Esquelético. Mãos ainda vazias.
Não dava nada a ninguém.
Não pedia nada a ninguém.
Não era injusto e nem justo.
Era simples, pobre e abastado e nobre.
Não era nada e nem ninguém. Contraditório.
Tornou-se a pior parte da história de alguém:
Passado.
Só o passado bom traz saudades.
Saudades doem.
Passado ruim não traz saudades. Por isso é ruim.
Por isso Chico sofreu na morte.
A morte passa.
O corpo fica nalgum lugar.
A memória fica.
Tornou o assoalho marinho um prato.
Bebeu o mar como se tivesse uma xícara.
E agora, finalmente, tem a ciesta.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Será que já amanheceu

Será que já amanheceu?
Eu vejo a claridade fora da janela
O Sol parece ter chegado
Mas como tudo em minha vida é ilusão...

Será que o tempo passou?
E os relógios, não estão super atrasados?
Como se tivessem uma máquina do tempo imbutida?
Ou seriam eles a tal máquina do tempo?

Será que já acordei?
Não, eu ainda devo estar dormindo...
Parece que tudo é bem real
Mas não sei se conheço a realidade...

sábado, 5 de julho de 2014

Dorothi

Para dizer-me teu, Dorothi
E ser simples como um rio,
Ou ser uma abelha a roubar-te o mel,
Fiz-me um amante fervoroso
Da natureza que cresce sobre a terra e,
de ti, E digo-te assim que, por essência,
Pertenço-te em alma,
Alma pura envolta em laço.

Para ser realmente teu, Dorothi,
Beijei o Sol das manhãs sobre a janela,
E vi-nos nas histórias não contadas
Essas que retratam os negros apaixonados
Histórias tristes com finais felizes
E ri-me inteiro de mim,
Por não oferecer resistência a entregar-me a ti.

Dorothi! Dorothi! Dorothi!
Não é teu nome, nem tua essência...
Mas sou eu quem não se cala
E transfigurando seu rosto em nome
Posso ter-te aqui comigo
Em meus poemas mais apaixonados!

A crueldade é um luxo, Dorothi,
Como a distância o é. E estou só,
Dentro do esperado, na idade certa
A gozar da vida, o pleno Púlpito
E não mereço nada, além de ver-te lasciva
Orvalhada como a bela cria da terra que és,
Uma bênção que me consola a visão.

Tornar-me-ei senhor de mim, Dorothi
Como os ventos que comandam seus destinos,
E não irei de encontro ao etéreo
Permaneço onde meus pés melhor tocam o solo, descalços
Onde nasci e me vi apaixonar tantas vezes
Pela mesma camélia jocosa
A divertir-se comigo, da minha desgraça
Neste amor que nasce feito furacão
E morre só, no asilo da alma.



segunda-feira, 9 de junho de 2014

Moradia


Moradia:
Um pedaço minúsculo do mundo
Infinitamente grande
Onde cabem tantos sonhos
Onde coube minha vida,
Por tantos anos...

Vai chover


Parece que vem chuva quando estou triste,
Mas o meu mundo é o que meus olhos veem,
E eu choro também...
Essa é uma tristeza existencial:
Semente de solidão,
Um adubo de fazer crescer angústia...
Tivera eu sorte, já teria morrido
Mas o meu azar faz-me viver-te sempre,
Mesmo solitário,
Mesmo em outros braços,
Mesmo deficiente dos seus abraços
Pois o mundo é o que vejo
E não tr vejo há tanto tempo...

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Botão de flor

Hoje eu vi uma flor,
Brotava às margens de uma rua de terra.
Pequena e altiva, brilhava,
Ela, pequena flor, branca,
Pequena fonte de beleza urbana,
Pequena, mas não invisível.
Há de ter-se nas flores o que nos escapa ao coração:
Uma simplicidade de pétala,
Uma aura de pólen,
Um encanto de botão.
Lindos lírios, brancos, liláses,
Lindas rosas multi-cor,
Violetas, magnólias, margaridas,
Toda a sorte de cores, as tulipas!
Quem é flor na vida desabrocha,
Quem não é, morre botão.

domingo, 1 de junho de 2014

Meu senhor Santiago

Velho caminhante,
Hoje cansado não anda,
Sentado observa sem pressa,
Esse tempo que passa
E não regressa.

Tão andante quanto tu,
São meus pensamentos,
Que vagam sem rumo
Num esmo profundo,
E se perdem, e se acham,
Nos desencontros mais doces,
Que um desperdido pode achar.

Estou à beira de um colapso,
Perdendo o medo para não perder-me,
Guiando a vida feito um guincho,
Pois se a solto sou eu,
Esse pobre errante das estradas,
Quem perde tudo, na contramão.

Seus segredos e feitiços,
Guardara-os até o túmulo.
Quero descobri-los e desvendá-los,
Quero-os todos, como a aurora,
Que num querer descomedido,
Inflama os céus sem destruí-lo.
Assim quero ser eu,
A devorar o desconhecido,
Como um faminto devora a angústia.

Tenho sede do novo,
Como tiveras tu,
Avô do tempo, senhor do Sol,
Passaste pela terra a desvendar segredos,
Hoje repousas tranquilo,
E olhas-me como se esperasse,
Que em mim renasceste assim e também,
Revigorado, tu jovem de cetro na mão.

Meu Santiago de Compostela,
Guiai-me pelas estradas tortuosas.
Sou perdido em vida e nem o barqueiro,
Há de encontrar-me na minha hora.
Morrerei de amores por essas trilhas,
Nas perdições às quais fui predileto,
Um alvo tão pequeno e indefeso,
Que em vida faltou-me um mapa,
Mas nunca uma companheira,
Para errar com devoção.

Preto no preto


Eu quero tudo preto no preto
Sem dó e sem gueto,
Sem contradição.

Eu quero ser o presente do legado,
Que começou com meus antepassados,
E permanece em minha geração.

Eu quero ser a mistura sagrada,
Ser candomblé, ser Umbanda,
Ser Batuque, ser chão.

Eu quero ser menos alvo da polícia,
Sobreviver de estudo e não de malícia,
Por ser o malandro da nação.

Eu quero ser a voz que ecoa nas ruas,
E não o reprimido pela ingerência sua,
Sempre de cassetete na mão.

Eu quero ser cultura, ser samba, ser nagô,
Cantar a Jesus, Alah ou Xangô,
Eu quero ser religião!

Eu quero tocar meu atabaque,
Na capoeira, o meu ataque,
É pela libertação.

Eu quero mais casa e menos barraco,
Mais emprego e menos descaso,
Mais dia-a-dia e menos eleição.

Eu quero ser doutor e não ambulante,
Não mais caçador de diamante,
Ser mais eu e menos o patrão.

Eu quero ser o reitor da Universidade
Ser a história, gente de verdade,
E não um pseudo-cidadão.

Eu quero poder ser expresso,
Pelo meu cabelo disperso,
Crespo, duro não.

Eu quero ser o grande Milton Santos,
Quero ser Abdias, ser Banto,
E cantar com devoção.

Eu quero cantar minha raça,
Sem lembrar só das desgraças,
Que acometem minha população.

Eu quero o direito de saber minhas origens,
Ter respeitada os nossos vários matizes,
Dentro da miscigenação.

Poesia do desespero

De quantos prédios me atirei,
E do chão me levantei, sem nenhum arranhão?
Ah, quantas vidas tive e tenho! Quanta ilusão...

Morri várias vezes, sou um fogo ressurgido,
Ou melhor, sou nada. E sou, porém, um pensamento vão...

Apenas um refugio busco eu, o coletor de passos,
Perdido na estrada a seguir as tortuosidades do caminho,
E os demais perdidos, como eu.

Se leio, perco-me ainda mais,
E de que me serviria ler o desespero alheio,
Se também eu desesperado sou?

Um angustiado,
Um sufocado,
Um amante da dor,
Sufoca-dor,
Pensa-dor,
Cuida-dor,
Um ser que habita no seio do sofrimento,
E também por isso, talvez, não enxergo o fim do caminho,
E estou morrendo, num suicídio diário...

Já nas lembranças corre o silêncio,
E as cores que as árvores tinham desbotaram-se todas,
Num degradê que reflui descaminho,
Paisagem à qual estou alheio,
Observando o passar do tempo nas folhas da estradas,
No chão que piso, de onde me levanto...

E posso ver-me arrastado pela correnteza,
De preces que pedem por paz,
(Que pena tenho de quem quer o impossível!),
E o Deus que nos habita a todos,
Atrasado, se perde em meus desencontros,
E vai parar por engano em outros seres,
Igualmente descompassados com a vida,
Horrivelmente transvestidos em corpos humanos,
Pouco em concordância com a vida terrena.

Mortos, somos todos, um pouco em cada sentido,
Talvez me tome mais a morte física,
E o meu pensamento em luto se transfigure,
Diariamente em minha faminta alma,
Como uma roupa suja, esfarrapada,
Que só caiba em mim e só me sirva,
Junto com um sorriso cálido, angelical,
Que tanto mais se fixa em meu rosto,
Quanto mais dores em meu peito sinto.

A exceção


Perco-Me Aos Montes,
Sabia?
Desmonto As Manoplas,
Mas Estou Sempre Armado...
Sempre, Na Perene Guerra,
Um Dia Se Vai, Um Dia Me Esvaio...
Corrente, Uma A Uma,
Catástrofe, Sorrisos,
Vitórias E Feridas,
Entre Mortos E Vencedores,
A Lutar Contra Mim,
E A Vencer-Me. (Felizmente?)
A Menos Que Eu Me Mude De Mim,
Continuarei Devendo,
E Não Pago Dívidas E Nem Dúvidas,
Permaneço Em Débito Constante,
Na Inconstante Regra Diária,
De Ser A Exceção.