segunda-feira, 9 de junho de 2014

Moradia


Moradia:
Um pedaço minúsculo do mundo
Infinitamente grande
Onde cabem tantos sonhos
Onde coube minha vida,
Por tantos anos...

Vai chover


Parece que vem chuva quando estou triste,
Mas o meu mundo é o que meus olhos veem,
E eu choro também...
Essa é uma tristeza existencial:
Semente de solidão,
Um adubo de fazer crescer angústia...
Tivera eu sorte, já teria morrido
Mas o meu azar faz-me viver-te sempre,
Mesmo solitário,
Mesmo em outros braços,
Mesmo deficiente dos seus abraços
Pois o mundo é o que vejo
E não tr vejo há tanto tempo...

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Botão de flor

Hoje eu vi uma flor,
Brotava às margens de uma rua de terra.
Pequena e altiva, brilhava,
Ela, pequena flor, branca,
Pequena fonte de beleza urbana,
Pequena, mas não invisível.
Há de ter-se nas flores o que nos escapa ao coração:
Uma simplicidade de pétala,
Uma aura de pólen,
Um encanto de botão.
Lindos lírios, brancos, liláses,
Lindas rosas multi-cor,
Violetas, magnólias, margaridas,
Toda a sorte de cores, as tulipas!
Quem é flor na vida desabrocha,
Quem não é, morre botão.

domingo, 1 de junho de 2014

Meu senhor Santiago

Velho caminhante,
Hoje cansado não anda,
Sentado observa sem pressa,
Esse tempo que passa
E não regressa.

Tão andante quanto tu,
São meus pensamentos,
Que vagam sem rumo
Num esmo profundo,
E se perdem, e se acham,
Nos desencontros mais doces,
Que um desperdido pode achar.

Estou à beira de um colapso,
Perdendo o medo para não perder-me,
Guiando a vida feito um guincho,
Pois se a solto sou eu,
Esse pobre errante das estradas,
Quem perde tudo, na contramão.

Seus segredos e feitiços,
Guardara-os até o túmulo.
Quero descobri-los e desvendá-los,
Quero-os todos, como a aurora,
Que num querer descomedido,
Inflama os céus sem destruí-lo.
Assim quero ser eu,
A devorar o desconhecido,
Como um faminto devora a angústia.

Tenho sede do novo,
Como tiveras tu,
Avô do tempo, senhor do Sol,
Passaste pela terra a desvendar segredos,
Hoje repousas tranquilo,
E olhas-me como se esperasse,
Que em mim renasceste assim e também,
Revigorado, tu jovem de cetro na mão.

Meu Santiago de Compostela,
Guiai-me pelas estradas tortuosas.
Sou perdido em vida e nem o barqueiro,
Há de encontrar-me na minha hora.
Morrerei de amores por essas trilhas,
Nas perdições às quais fui predileto,
Um alvo tão pequeno e indefeso,
Que em vida faltou-me um mapa,
Mas nunca uma companheira,
Para errar com devoção.

Preto no preto


Eu quero tudo preto no preto
Sem dó e sem gueto,
Sem contradição.

Eu quero ser o presente do legado,
Que começou com meus antepassados,
E permanece em minha geração.

Eu quero ser a mistura sagrada,
Ser candomblé, ser Umbanda,
Ser Batuque, ser chão.

Eu quero ser menos alvo da polícia,
Sobreviver de estudo e não de malícia,
Por ser o malandro da nação.

Eu quero ser a voz que ecoa nas ruas,
E não o reprimido pela ingerência sua,
Sempre de cassetete na mão.

Eu quero ser cultura, ser samba, ser nagô,
Cantar a Jesus, Alah ou Xangô,
Eu quero ser religião!

Eu quero tocar meu atabaque,
Na capoeira, o meu ataque,
É pela libertação.

Eu quero mais casa e menos barraco,
Mais emprego e menos descaso,
Mais dia-a-dia e menos eleição.

Eu quero ser doutor e não ambulante,
Não mais caçador de diamante,
Ser mais eu e menos o patrão.

Eu quero ser o reitor da Universidade
Ser a história, gente de verdade,
E não um pseudo-cidadão.

Eu quero poder ser expresso,
Pelo meu cabelo disperso,
Crespo, duro não.

Eu quero ser o grande Milton Santos,
Quero ser Abdias, ser Banto,
E cantar com devoção.

Eu quero cantar minha raça,
Sem lembrar só das desgraças,
Que acometem minha população.

Eu quero o direito de saber minhas origens,
Ter respeitada os nossos vários matizes,
Dentro da miscigenação.

Poesia do desespero

De quantos prédios me atirei,
E do chão me levantei, sem nenhum arranhão?
Ah, quantas vidas tive e tenho! Quanta ilusão...

Morri várias vezes, sou um fogo ressurgido,
Ou melhor, sou nada. E sou, porém, um pensamento vão...

Apenas um refugio busco eu, o coletor de passos,
Perdido na estrada a seguir as tortuosidades do caminho,
E os demais perdidos, como eu.

Se leio, perco-me ainda mais,
E de que me serviria ler o desespero alheio,
Se também eu desesperado sou?

Um angustiado,
Um sufocado,
Um amante da dor,
Sufoca-dor,
Pensa-dor,
Cuida-dor,
Um ser que habita no seio do sofrimento,
E também por isso, talvez, não enxergo o fim do caminho,
E estou morrendo, num suicídio diário...

Já nas lembranças corre o silêncio,
E as cores que as árvores tinham desbotaram-se todas,
Num degradê que reflui descaminho,
Paisagem à qual estou alheio,
Observando o passar do tempo nas folhas da estradas,
No chão que piso, de onde me levanto...

E posso ver-me arrastado pela correnteza,
De preces que pedem por paz,
(Que pena tenho de quem quer o impossível!),
E o Deus que nos habita a todos,
Atrasado, se perde em meus desencontros,
E vai parar por engano em outros seres,
Igualmente descompassados com a vida,
Horrivelmente transvestidos em corpos humanos,
Pouco em concordância com a vida terrena.

Mortos, somos todos, um pouco em cada sentido,
Talvez me tome mais a morte física,
E o meu pensamento em luto se transfigure,
Diariamente em minha faminta alma,
Como uma roupa suja, esfarrapada,
Que só caiba em mim e só me sirva,
Junto com um sorriso cálido, angelical,
Que tanto mais se fixa em meu rosto,
Quanto mais dores em meu peito sinto.

A exceção


Perco-Me Aos Montes,
Sabia?
Desmonto As Manoplas,
Mas Estou Sempre Armado...
Sempre, Na Perene Guerra,
Um Dia Se Vai, Um Dia Me Esvaio...
Corrente, Uma A Uma,
Catástrofe, Sorrisos,
Vitórias E Feridas,
Entre Mortos E Vencedores,
A Lutar Contra Mim,
E A Vencer-Me. (Felizmente?)
A Menos Que Eu Me Mude De Mim,
Continuarei Devendo,
E Não Pago Dívidas E Nem Dúvidas,
Permaneço Em Débito Constante,
Na Inconstante Regra Diária,
De Ser A Exceção.



A procurar por ti

Da janela do meu quarto,
Onde meus sonhos começam,
Te vejo nas estrelas, plena
Uma constelação inteira
E te desenho, como se eu,
Do alto da minha insignificância,
Pudesse alcançá-la.
Tão longe de mim estás e,
Ainda assim,
És me a unção Divina,
O Nirvana cármico da contradição.
Respiro-te e me sufoco,
Quase morro todos os dias,
E me vou envolto em flores,
Olhando o girar do céu sobre a noite,
E o girar da noite sobre mim,
Pois enxergo em cada giro,
O revolver dos seus cabelos,
Encaracolados como meus pensamentos,
Que rodam no céu
A procurar por ti.