sábado, 1 de dezembro de 2018

Relógio do Espaço

Não há nada: nem vazio,
Nem tempo, nem poesia.

A falta consumindo o corpo
Inerte em seu leito mental
É a cura corroendo a carne
Pouco a pouco nas pequenas mordidas
Do ínfimo ser que me habita as ilusões.

Temo ser tarde
Relógio parado, pálpebras vítreas
Quem passa é água corrente
Num rio sem memória e sem margem
Meu barco não me navega há anos
Ancorado em mim, não vê o nascer do Solo.

Quem se põe sob a Terra
Hasteia tua Bandeira
Estrela fulgurante de outrora
Leva-me junto com o fechar de tua cortina
Encerra-me em teu abraço
Pois teu destino é minha bússola
Tuas pegadas me norteiam
Nossas vozes se calam em mesmo tom.




quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Força de Zumbi

Uma sombra se espalha no morro vinda do asfalto
Ferro preto, luzes pro alto
Azul e vermelho no céu
A onda dos saudosos do passado
Saúdam os capitães-do-mato
Que moram no quartel
A Pedra do Sal chora
Dissolvida na história
Por homens vestidos de proteção
Sou alvo do ódio imortal
Culpado de crime capital
Me querem deitado, mas eu não sou o vilão.

O rio vermelho correndo na veia da gente
E eles querendo secar a nascente
Pra que armar o Brasil?
Não sou filho de doutor
Nem de escravo não senhor
Sou descendente de quem esse país construiu.

Batalha, filho da luta
Meu corpo é terra fértil do porvir
Não morro por que não se morre
Quando teu irmão te socorre
Eu acredito é na força de Zumbi.











sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Boca de Saudade

Tu tens boca de saudade:
Que me falta quando partes,
Que dói quando me mordes,
Que é banzo quando mares.

Teu veneno paralisa:
Tuas presas afiadas,
Teus golpes sem usar garras,
O feitiço da tua saliva.

Tua voz é um calabouço
Poço fundo d'onde ouço
Meu grito de não me socorram.

Do meu céu eu realizo
Que ver-te é um paraíso
Até pra quem não é cristão.
 





sábado, 21 de julho de 2018

Saldade

Não tem erro na Saldade
Parece equívoco mas repare:
Saudade é dor de se faltar
Saldade é saudade do Mar.

segunda-feira, 16 de julho de 2018

Previsão do tempo

Previsão do tempo em meu corpo:
Nos meus olhos chovem,
Seca na minha boca,
Um frio que acomete minha barriga.
Calor só no meu peito,
Minha geografia é todo um continente...

Incerta, cheganças sem partidas
Moedas não viciadas,
Baralhos de Tarot.
Previsão do tempo é meu nome
Ninguém acerta minha estação.

A minha maré não traz as águas
Só incertezas:
O ônibus que não passa,
A menstruação que atrasa,
O filho que sai de casa,
A hora que a morte chega.






Dó ré mi

Dó ré mi
Dó re mi

Tenha dó
Ri di mi.
Ri de mim
Redimir
Reme em mim
Ré de mim
Cai pra trás
Capataz
Capa e traz
Catedrais
Mãos escravas
Mãos negras
Mãos chibata
Mancha a data
Mancha a bata
Padre esnobe
Padre ex-nobre
Padre ex-podre
Teu senhor
Tá no céu
Tá no cel
Dedo e anel
Roda de ouro
Circula o touro
Circo de couro
Circuladouro
Volta do mundo
Voltando imundo
Vou ta rotundo
Vaga do fundo
Mar que transborda
Mãe que te borda
Tece palavras
Línguas eslavas
Li piaçavas
Abracadabras
Pé na urtiga
Liga e desliga
Fome é barriga
Nome é lombriga
Verme tirano
Intestino é cano
Entra na boca
Sai pelos anos
Cinquenta, dourados
Passados amores
Amor tece dores
Amortecedores
Amor tem senhores
Sem cores, odores
Amor...ter sem flores
Sem rosas, espinhos
Ruins ou bonzinhos
Ruins ou bons vinhos
Ruínas sem pinhos
Ruir em caminhos
E ruas de pedras
Ruas desertas
Rua desperta
Amor pela arte
Cantar é desastre
Dançar faz parte
É só dó de mim
É xodó de mi
É meu dó re mi.

sexta-feira, 6 de julho de 2018

Adeus, é hora, Adeus...

É hora - todos os sinos anunciam.
Desde Roma a Jerusalém.
Se foi como quem viveu um dia
Mas viveu como se já tivesse ido...

O relógio enumera as causas da morte.
O laudo não grita a dor do despejo.
Expulso do corpo, sozinho no espaço.
A vida foi só um breve lampejo...

Pela manhã teve o Sol queimando
À tarde o primeiro golpe fatal
A noite trouxe o fim do seu tempo.
Luto em toda a cidade: ninguém deu sinal.

Já foi a vez do corpo sobre a mente
Quem impera nessa era é a descência
Não maritiriza a ninguém a morte
Traz somente, talvez, a dor da ausência.

Adeus, irmãos, adeus, adeus,
Abraçando memórias juntas ao meu corpo,
Me vou, despeço-me dos meus.
Adeus, é hora, adeus, adeus...


Cada segundo com você é precioso.

Quando me veres, do alto do meu cansaço
Te lembrarás destes dias turvos
Nada será esse ouro reluzente de Minas.
Em mim, terei o meu silêncio ofegante
E o passado visitando meus sonhos de quando em quando.
Mas não se engane: nada mudará no meu interior.
Ainda serei naquele velho retrato de nós dois
O mesmo sorriso que seus olhos sobre mim deitaram.

Cada segundo com você é precioso
Tempo que orvalha sobre os móveis, resplandece o chão
Faz tudo que é tocado ter som de tambor
Como se te ver fosse lustrar os móveis e varrer o chão
E morar em Ifé sob o julgo do Rum.
Tempo louco, no qual sou um e sou outro
Enquanto luto para ser nenhum dos que me habitam.
Olha, meu bem, as palavras se enganam fácil
E a mente é um labirinto: mas eu sou todo corpo.
Um corpo faminto por ti, um corpo que anseia por ti,
Um corpo que, na tua ausência, perde o calor.

Minhas memórias

Todos os velhos retratos estarão guardados
E bem trancados no futuro.
Minhas memórias serão apagadas de lampejo
Como flash de luz que cruza o céu.
Tu te recordarás quando à beira do fogão
Um crepitar de dor dentro da panela surgir
 - O angu e a carne da escola no interior -
E eu já não serei a saudade amarga em seu peito.

Quero-te em braços serenos, em voz de beijos doces
Como nos caminhares em rua de terra.
O café é tão preto que cheira a madeira nobre
Meu coração não tem teu formato, nem teu gesto.
Vou morrer antes da meia noite, acordado e alerta
Com o aroma da sua juventude na boca
E poucos arrependimentos, mas ainda infeliz.

O amor nao mata quem o sente;
Amar é renascer pra vida eterna.
E a paixão é o prenúncio, brisa antes do furacão.
O que nasceu do canteiro de nós não vingou
Deixo a culpa deitar em meus olhos escuroseE quando tua primavera chegar
Teu seio em flor relembrará meu nome
Com mais mágoas que rancores
E eu ainda estarei com uma frase presa na garganta
Um pedido de desculpas sem advérbios
Uma ferida aberta que fechou sem dar queloide.


Não sou

Não sou porque nada é
Antes de ter em si próprio o seu sentido.
Estou...existo...da forma que me pode sustentar
Pois todas as ruas são cruéis aos pés descalços.
Famintos se entrecruzam a espreitar promessas
O lado de fora de nós é uma cidade:
Dentro, ora sou inferno, ora purgatório.
Deixo o céu aos infiéis a si próprios.

Nenhuma vitória deu-me o primeiro lugar no pódio.
Nenhuma de minhas relíquias estão em meu peito
Guardo-as em memórias espalhadas por gavetas,
Por pensamentos que me torturam e causam sono,
Pelos caminhos que passo apressado sem olhar pros dois lados antes de atravessar.
Na trajetória que minha vida segue, sei que vou colidir
E anseio o impacto, como se fosse pari-lo, extirpa-lo do meu ventre
Para ver nascer no seio do meu algoz o meu motivo para sorrir.

Ali adiante, além das pegadas em pisos limpos por terceirizadas
Estive pensando, quando não estava sufocando meus medos:
Há um novo futuro pras velhas ações!
Não se comova, porém. O futuro é o mesmo que a vida tem...







domingo, 1 de julho de 2018

Sou onde, não quando

Vou dormir sem o dia em mim dormir.
É como palavras decantadas no fundo da boca
Não há fim para o silêncio do meu deglutir
E toda frase sem nexo eu encaixo aqui.

Um poema mudo ou de voz rouca
Basta ler umas páginas para nos encantar
O que há em mim o mundo não conhece o sinônimo
Sou onde falha o dicionário
       Onde morrem os inválidos
       Onde não tem sentido a palavra
       Onde a garganta desafina
       Onde os olhares são um completo vazio.

      

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Raiz Preta, Mar profundo

Preta,
Tua raiz também é minha
Somos par da mesma planta.
Se cair, pegue em meu braço
Erga a cabeça e se levanta.

Teus passos são meus caminhos
Nossas pegadas são irmãs
Se a Kalunga tomar teu rosto
Também a mim, roubará as manhãs.

Não há mão que te sufoque
Que não roube também meu ar
Onde quer que mirem teus olhos
Lá estará o meu olhar.

Na tua voz que me ensina
No teu ouvido que me escuta
Somos dois erguendo a vida
Somos um sangrando em luta.

Se o porto é árvore de Banzo
O mar profundo ainda chora
Navega em meu barco, vem comigo
A terra preta canta: chegou a hora!

Ser teu par nessa corrida
Juntos sempre, minha missão:
Não me deixar sugar tua vida
Não ser feitor da tua opressão.

Amar, respeitar e compreender
Proteger, ser protegido
Ser meu corpo o teu escudo
Quando o seu for corrompido.

terça-feira, 5 de junho de 2018

A mente é uma armadilha

A mente é uma armadilha,
não se engane:
pontes sem muretas,
escadas sem corrimão,
sacadas sem proteção
trilhos sem caminho de volta
remédios em profusão.

É preciso vencer a disputa.
Há cor nas portas dos escritórios
No batente, talvez.
Ou é preciso pintar paredes
Nos caminhos, nos corredores.
Grafitar a vida ou perecer.

São horas infinitas, todas as oito.
O coração padece, o relógio parece
Engarrafado entre os segundos.
E o calor que se esvai
São fórmulas e planilhas, pilhas de tijolos
Tudo derramado em etílico cinco porcento.

Achar sentido na carência
Lutar contra as faltas e ausências
Sofrer sem desmoronar.
Levantar-se é preciso, uma vez mais.
Calar não é fortaleza.
Pereça, padeça, pareça
Mas deixa que o grito do peito
Seja o pedido de ajuda
Augúrio, socorro
Sua real aparência.





domingo, 3 de junho de 2018

Outros tempos

Não,
Os tempos são outros.
Passou a era das panelas vazias,
Sons metálicos pelas ruas.
Voltou o ronco do estômago
Estancado o ronco dos motores.
Carros famintos tornam a rua silêncio
Há gente que ainda clama pelo pão

E entre becos e ruelas
Escondidos em casebres ou bares do subúrbio
Frases soltas remontam à revolução.

Bastilha está morta.
Mil novessentos e dezessete também.
Os tempos são outros: tenho dito!
Cada corpo é uma guilhotina
Cada pensamento trama uma mudança
Mas revoltar-se sem armas ainda é impossível.

O grande vidente sorri diante desses dias.
O futuro está seguro, atrás de bandeiras vermelhas.
Há sangue pelas ruas, mas sempre houve.
Dessa vez não é sangue nosso
Mas o suor no rosto hoje trouxe o alento.
Um dia derramaremos justiça nesse solo.


terça-feira, 15 de maio de 2018

Post Mortem

A hora é quase - incerta e nua
No ontem desse dia, a mesma história
Eu e quem fui somos tolos
Não se passou um segundo
Espera e chora.

Tarde,
No pé da noite que sobe no contra-peso do Sol
Distraio o horizonte com meus olhos
Enxergando entre nuvens espessas
Meus pensamentos, taças de vinho,
E pouco arrependimento.
Vagueio na clareira das ondas como a maré
E se há pouco me fui, já já eu volto sem novidades.

(Mamãe, mamãe, se foi tão jovem!
Deixou-me uma garrucha enferrujada
Palavras motivacionais e nenhuma munição.
Disse-me ela, um dia:
"Seja um grande homem."
Mas não mandou que eu me apressasse...)

Colho meus frutos em silêncio monástico
E esparsado, como as sementes que espalhei.
Sou todos os Eus que habitam o meu vazio
E que morrem nas guerras que travo comigo.

Acreditei no amor, morri em segundos
Vi-o tão belo que parecia real.
Hoje conto meus pedaços pelos caminhos
Enfeitando ancestrais Jequitibás
Ipês roxos e jaqueiras
E quando estico os braços, mal alcanço meus traumas.

Morador do mundo, eis minha sentença:
Tua morte é não ser quem tu és.





quinta-feira, 1 de março de 2018

Nódoa

Não há festa nem funeral
O clamor das ruas cessou
É só o silêncio nostálgico que ecoa
Lembrança dos tempos de infância
Antes dos laços quebrados.

Há dor sobre as calçadas
Em cada uma dessas rachaduras
O pesar, o peso das pegadas.
No pão careca os longos cabelos brancos
Nos olhos o vazio dos exemplos
Quem chora não quebra a falta dos soluços
Estamos todos atônitos,
Assistindo o terror do filme de nossas vidas.

Quem me dera voltar a segurá-la nos braços!
E essa angústia...há de passar!
A flor primeira chora e eu sou distância
A flor segunda chora e eu não tenho palavras.
Na sala, a sua história está presente:
Bem ali nasceu, bem ali deitou-se.
Tua história breve coberta de nódoa
Meu peito sem lágrimas mal aguenta a dor.

 

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Nossas Memórias

O quê me mostra a lua
todos os dias
E o quê me mostram
todas as pequenas coisas
Um mundo enorme
que me rouba a alma
Dilacera-me o peito
E me lembra de ti.
Todos os segredos do Universo
Grãozinhos de areia espalhados
Onde piso, solo firme
E sou menor que cada grão
Pois meus pensamentos são o vazio
São falta e são mistério
Indesvendável mistério
Do não saber dos teus pensamentos
(Ainda pensas em mim?)

Levo-me pausadamente
A realidades em que o mar nos beija
Mas nunca fui mar e nem passarinho
E nunca saberei beijar-te
Como eles beijam as flores
Ou como o mar nos beijou um dia.
Cessa o tempo ante a nós
Maravilhado, olho as estrelas
Nenhuma delas me lembra de ti
E á exatamente a tua humanidade
Que me fascina e encanta.
Corre o dia, depressa e sempre
Em todos os lugares que fomos
Em todas as árvores que descansamos
Em todas as vendas que compramos
Em todas as esquinas que nos vimos
Em todas as vezes que nos apaixonamos
Um pelo outro
E, simplesmente, hoje nos resta
Um lugar no tempo onde moramos
Dentro de nós nos nossos melhores dias
Eternizados em nossas memórias.

domingo, 14 de janeiro de 2018

Flor de Luz

Flor de luz
Te trouxe um pavio pra explodir corações

Segredos profanos, silêncio em ti
Castanhos chorando, eu to aqui!
Curto teu cabelo curto
Mostrando teu rosto
Forte, negra ameríndia
Fraca, apenas, menina

Olha atrás do espelho
Que atrás do espelho o passado é vivo
Beleza, tristeza, mas nunca solidão.
Ao seu lado, estamos
Aqui estaremos na hora do abraço
Tua luz vence a escuridão.


Quinhentos

Quinhentos anos atrás
Quinhentos anos atrás pra frente
Chicote estalando, pressão lá no norte
Gente de sorte nascia cor de leite.
Vossa Santidade exclamou:
- Tá liberado!
Passado, passado...que nunca passou.

Nave espacial de abduzir pelo mar
Trazendo pouco a pouco
Viemos tantos pra cá...

Hierarquia é a Lei:
Capitão obedece o Major
Que obedece o Tenente Coronel
Que obedece o Coronel
Que não obedece a Lei.

Montado em meus, ombros um homem,
Senhor de nada, pele escura
Como eu mas não como eu
À cavalo, à blindado
À mando de alguém que não é como eu.

Eu vejo pele parda em homens negros
Eu vejo pele negra em mulheres negras
Não está direito não ter direitos.

Da última vez que o vi, estava sozinho
Ainda caminhava, estava sorrindo
Feliz, encontrou a polícia em seu caminho
IML, esse é só mais um corpo de menino...

Capataz, teu serviço é ser algoz
Alma serena, fama de feroz
Sofrer por teus olhos verem pecado
Na pele de um povo livre por ti escravizado.

sábado, 13 de janeiro de 2018

Palavra Tridimensional

Teu corpo
Essa palavra tridimensional
Movimento orgânico
Uma voz que gesticula
Torce e contorce
Meus olhos de compreensão.

Teus olhos
No escuro a ver oscilando
E sentir rebater em tua pele
A história do vento que passa
E faz da sua forma
Anteparo do seu canto.

Não há nada:
Nem glória, nem beleza,
Nem sutileza, nem brilho.
Só há em ti a essência e a fronteira
Tradução de contornos
E música em sua silhueta.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Tim tim por tim tim

No sopé do amor perco a vida
Descambando no início da jornada
Não abro caminhos e nem sigo viagem
Meu carro tem sempre a roda arriada...

Planejo derrotas tim tim por tim tim
Cada detalhe, cada tropeço
Antes do começo vou procurando o fim
Não viverei feliz pra sempre pois não mereço.