quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Ribalda noite

Ribalda noite crua
Trescala purulenta
Ferida aberta sem cura
Esmaecida em chuva cinzenta!

Um corte de rubescência
Goteja desguarnecido
Lânguido em turva ausência
No olhar sem luz e sofrido.

A roda perpassa, seguindo
Alheia ao dia recém-nascido
Alma que entoa se esvaindo
Um canto sem tom, só gemido...





segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Não existo nas coisas do mundo

Brilham em tom mais escuro além da noite
As raízes profundas me saltando da terra
São caules, são pés, são corpos a me sorrirem,
Tentam decifrar-me em palavras sem frases.
Meu tempo é ontem, disse-me do alto de suas rugas,
O a priori caducou, tornou-se passado
Minha ancestralidade grita, pede liberdade.

Sozinho em um quarto de seis paredes
Pela janela inexistente vejo o mundo irreal.
Sou nada além de um plagio de mim mesmo
Sou uma cópia tão barata
Que sou de mim quase nada original.

É quando os tombos constroem fortalezas
Que o presente a mim se mostra.
Tomando minha mão por outro corpo, minha mãe me disse,
Antes que qualquer cartomante, búzios ou tarô pudesse:
Seja um grande homem.
Hoje, cigarros baratos vendidos em saídas de bares
Cantores roucos e empresas falidas são o meu cenário.
Quantos são os clones em mimetismo social
Que seguem o mesmo roteiro que a margem do meu rio?

Não sou uma ode ao final feliz
Não quero possuir regras.
Dia após dia essa cadeira na qual me sento
Agiganta-se mais e mais
Draga-me em silêncio, enquanto diminuo
E estou amiudando até meus pensamentos libertos

Eu já não existo nas coisas do mundo
E nem nos corações de reis e rainhas
Telas e projetores não me terão estampados
Sou mesquinho a contar migalhas,
Elogios perdidos em gavetas empoeiradas
E sentenças prontas de autoajuda.
Meu tempo se foi numa ampulheta quebrada.



quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Marquises

Sob o abrigo da marquise
E o silêncio das ruas
Fez seu lar mais um José.

Cidade adoecida,
Jornais, cobertas e papelão
Todo o conforto precário
Tirado de um mísero cidadão.
Acordado com jato de água fria
A rua nunca foi fácil mas não precisava piorar.
Século vinte e um, imagine!
Direitos negados, homens da lei corruptos,
Legislativo, executivo, judiciário
Poderes quebrados
Na época da construção de grandes herois,
Ainda construimos ciclofaixas assassinas,
Prefeitos midiáticos,
Prefeitos pastores,
Viadutos que racham no fim da tarde,
Pontes assimétricas,
Juízes justiceiro e parciais,
Senadores traficantes
E revolucionários apáticos.


Por fogo em tudo, inclusive em mim.
Se o mestre já ensinou no passado
Como ainda não aprendemos?
Más escolas constroem maus leitores,
Maus leitores constroem uma sociedade fragilizada,
Uma sociedade frágil se influencia pela mídia parcial.
O tempo é ainda de maus poemas
E de uma classe média imóvel e reacionária.
No rio, a mesma água parada
Desistiu de correr encosta abaixo
Desistiu de seguir o fluxo, de seguir a lei da gravidade.
A pressa cessa com o calor
Árvores arrancads dos seus cílios
Nascentes que não gerarão filhos
Cedes que não morrerão eu seu leito.
Secando a fonte, os lábios secam
Os olhos não consegue irrigar a plantação
O sangue das ruas:
sangue negro, sangue indígena, sangue indigente,
Ainda é o mesmo de trezentos anos atrás.

Senhor de engenho, senhor de escravo
Deputados, senadores, presidentes,
Empreiteiros e empresários
A quem serve teu conhecimento, cidadão?
Tua força de trabalho...?
A mim, restaram palavras desconsoladas
Tardes frias de reflexões mesquinhas
E pouco dinheiro para comprar pão.
Tempos de relações líquidas, eles dizem,
Pessoas sólidas feito chumbo.
Seguimos sem nos levantarmos da cadeira
Da poltrona, sem sair da cama
Sem tirar os dedos do celular ou do PC
Dizer que queremos mudança
É puro eufemismo para "façam algo".

Zona de conforto, é o que vivemos
Mesmo morando sem esgoto
E aliás, o que temos chamado de vida?
Trabalhar para um ser humano quebrado,
Ser explorado indefinidamente ao longo do dia...
Do transporte público ao preço de água e luz
Até na hora de cagar os alimentos com agrotóxico, estamos com pressa.
O salgado gorduroso que nos entope as veias
Ainda é tudo que o nosso tempo pode comprar.
Vemos o filme de nossas vidas
Ser mal interpretado por outro
E não temos força para impedir nossa ridicularização.
Relações líquidas sim mas, quem quer dignidade
Transforma sua relação em gasolina
E queima tudo que ainda o aprisiona.

terça-feira, 1 de agosto de 2017

Segunda....

Segunda é dia! Vou começar segunda...
Vou levantar na hora do galo
Vou cedinho aguar as plantas
Vou comer frutas no café
E legumes no almoço
Vou evitar sal e açúcar
Vou correr ao anoitecer
Falar com os coletores de lixo
Dar alô para as copeiras da cantina
Vou dar bom dia ao cobrador
Perguntar o nome do motorista.
Vou me informar, pesquisar
Ver filmes novos, ler sobre um tema atual
Vou ouvir manos e manas pretas
E trabalhar minha empatia
Vou acolher todas as minorias
E trabalhar contra meus preconceitos
Vou seguir minha agenda
Seguir as leis ao pé da letra.
Segunda é dia! Vou começar segunda!
Mas hoje ainda é terça
Dia como todo e qualquer outro
Dia de me arrepender de escolhas
De chorar por decisões erradas
Terça é dia de trabalho
Já é quase meio de semana
É dia de preparar tudo
Roupa de ginástica, tenis de corrida
É dia de assistir novela repetida
Terça não é segunda, é depois
É o dia do arrependimento pela descontinuidade
Terça-feira é triste enquanto dia
Hoje é terça e, eu pacientemente,
Espero por segunda.
Mas a semana não passa...
Há quanto tempo é terça-feira?