sábado, 30 de dezembro de 2017

Escombros da carne

É noite em mim, reflito estrelas
Sou mar de ondas correntes
Sou rio que a maré leva e traz.

Atrás dos meus olhos vermelhos
O mundo se forma na contramão
Medos do passado voltam sem convite:
É tempo de poesia pra salvação.

Posso ser minha promessa divina
Os meus segredos ainda são só meus
Espreito meus pensamentos na surdina
Rezo, mas a minha prece não é a deus.

Não pode ser justo o amor, acredito
Mundano, erguido nos ombros da dor
É triste: pra ser feliz só se sangra
É lasso pela servidão ao seu senhor.

E o choro que longe se escuta
É luta? É sangue? É o quê?
É rio que flui para a nascente
Lágrimas de uma vida sem porquê.


segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Passado Atlântico

Sonhei que chovia na praia.
O mar é meu companheiro e me conhece bem.
Temos boas histórias juntos
E as más, prefiro fingir que não existem.

Não sei se as águas têm boa memória
Mas acredito que algo dentro delas
Percebe que ali estou eu
Filho da mãe das águas a tocá-las
A caminhar ao pé da areia a perguntar
"Como vai, velho amigo? O que tem feito?"

Minhas memórias com o mar me beijam
como um cachorro lambendo o dono
como virgem no primeiro beijo.
São momentos de me lambuzar com o passado
Um passado Atlântico, como o do Brasil.

Acorda, paz!

Brancos são lindos
brancos são puros
brancos são justos
brancos são...brancos!

Brancos toleram
brancos são nobres
brancos são ricos
brancos são...tantos!

Brancos não roubam
brancos não matam
brancos não escravizam
brancos são...Santos!

Brancos de direita
brancos de esquerda
brancos se digladiam
brancos aos prantos.

Brancos do capital
brancos ricos, milionários
brancos bilionários
brancos donos de bancos.

Brancos prefeitos
brancos deputados
brancos senadores
brancos...malandros!

Brancos libertos
brancos alforriados
brancos desacorrentados
brancos nunca no tronco.

Pureza...a pomba e a paz
Tua cor, que erro enorme!
Lascívia, branca negação
Genocídio na miscigenação.

Pecados que os santos perdoam
E o vermelho que pintou esse chão
Seu olhos enxergavam ouro
Os nossos, viam uma nação.

Agora, o branco é pardo
Alisado na integração
Teu nome em lábios de Europa
Acento na entonação

teu corpo em pele de África
Nasceu da própria exploração.
Rebanho nascidos da morte
Saúdam a negra extinção.

Sorriso mais claro

A bela branca
a fera espera
na pele cela
oprime e reprime
desnuda revela:
sou seu fetiche
sou seu fantoche
sou seu instante
nunca seu amanhã.

Um penduricalho
enfeite de natal
o bibelô, o souvenir
tão belo em seu quintal.
Alepo sou eu
Paris é você
De onde você é?
Eu sempre devo responder
Imaginação: Haiti, Nigéria
Teu povo é tão pobre
Europa é a miséria.

Tua cor é meu leito
Teu povo me jura
De morte na história
Teu colo em candura
Me embala de noite
Sussurra em segredo
Aponta na rua:
Aquele é meu preto!

Um rosto de Espanha
Um beijo de Itália
Abraço Alemanha
Dois lábios navalha
Me corta o pescoço
Me vende em retalho
Sou pouco pra feira
um penduricalho.

Na praia teus óculos
me tornam mais preto
teus olhos silêncio
tua boca segredo
um pau na sua cama
troféu na sua estante
te torno mais leve
te mudo o semblante.

Minha folha de Flandres
Amor sem carícia
Sou teu sem amarras
Na dor, sem malícia
Não posso ser eu
Meu povo me nega
Sob o teu regime
Não fujo às regras.

sábado, 9 de dezembro de 2017

Melhor amigo

Melhor amigo,
navegam meus olhos as naus
do descobrimento das dores terrenas.
O que de mim descobri eu,
nesses anos de tormenta frente ao mar?

Cansaço, amigo velho,
uso a carne do seu corpo
para expressar sentimentos mendigos
sem teto e sem futuro, a esticar os braços
numa rua vazia qualquer.

Começo a acreditar que há no mundo
um porquê que não se sabe quando
um ser supremo a designar até tolices
pois nada mais me é grade nesse solo
mas cá estou preso a problemas sem solução.





quinta-feira, 19 de outubro de 2017

No final

No final
Já com a sombra disforme
Pensamentos conforme
É predito pra estar
No final
Quando apago a lembrança
E o peito descansa
De tanto soluçar
No final
Quando a alma endireita
E a cabeça refeita
Finalmente,
Volta a pensar
No final
Pareço estar novo
Então começa teu jogo
Ao você, de mim,
Se reaproximar
Meu relógio parado
No pulso, o passado
Quando o presente
Éramos nós
As flores do jardim
Meus olhos que esperaram
A tua volta
O lírio dos seus lábios
A flor de mim
Te afo e te quero
E te tenho em meus braços
Te faço um xamego
Te cuido e te beijo
Sem nós, nossos laços
Meu Van Gogh em você
Impressionismo da solidão
Quadro desesperador
Preso na tela do amor
Sou eu vivendo sem te ver.

terça-feira, 19 de setembro de 2017

A minha paz quer guerra

A minha paz quer guerra
Tarois rufando, gritos e algazarra.

Desistência publicada no Diário Oficial
É definitivo: peguem em armas!
Vociferar ou calar-me é indiferente
Que queimem suas estruturas ante a mim.


Meu templo abaixo, meus pés no chão
Um santo de coroa fúnebre chora na cruz dourada
Carros fuzilados, mãe sendo arrastada
Engoli teu ópio mas hoje estou refeito
Olhos abertos na reabilitação.

Aflita em si, peleja vencida
O silêncio e a luta contra o passado
O meu cansaço são meus olhos vermelhos
O meu povo não é pau-Brasil!

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Saudades de mim...
Saudades do tempo em que eu tinha brilho nos olhos.
O que fizeram de mim as escolhas?
E essas memórias que carrego comigo?...
Estou do alto da minha maturidade
Observando a vida como quem pastoreia gado
Passando a vida a conduzir e liderar outrem
Assistindo os pores de sol sem me dar conta do calor que senti.

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Ribalda noite

Ribalda noite crua
Trescala purulenta
Ferida aberta sem cura
Esmaecida em chuva cinzenta!

Um corte de rubescência
Goteja desguarnecido
Lânguido em turva ausência
No olhar sem luz e sofrido.

A roda perpassa, seguindo
Alheia ao dia recém-nascido
Alma que entoa se esvaindo
Um canto sem tom, só gemido...





segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Não existo nas coisas do mundo

Brilham em tom mais escuro além da noite
As raízes profundas me saltando da terra
São caules, são pés, são corpos a me sorrirem,
Tentam decifrar-me em palavras sem frases.
Meu tempo é ontem, disse-me do alto de suas rugas,
O a priori caducou, tornou-se passado
Minha ancestralidade grita, pede liberdade.

Sozinho em um quarto de seis paredes
Pela janela inexistente vejo o mundo irreal.
Sou nada além de um plagio de mim mesmo
Sou uma cópia tão barata
Que sou de mim quase nada original.

É quando os tombos constroem fortalezas
Que o presente a mim se mostra.
Tomando minha mão por outro corpo, minha mãe me disse,
Antes que qualquer cartomante, búzios ou tarô pudesse:
Seja um grande homem.
Hoje, cigarros baratos vendidos em saídas de bares
Cantores roucos e empresas falidas são o meu cenário.
Quantos são os clones em mimetismo social
Que seguem o mesmo roteiro que a margem do meu rio?

Não sou uma ode ao final feliz
Não quero possuir regras.
Dia após dia essa cadeira na qual me sento
Agiganta-se mais e mais
Draga-me em silêncio, enquanto diminuo
E estou amiudando até meus pensamentos libertos

Eu já não existo nas coisas do mundo
E nem nos corações de reis e rainhas
Telas e projetores não me terão estampados
Sou mesquinho a contar migalhas,
Elogios perdidos em gavetas empoeiradas
E sentenças prontas de autoajuda.
Meu tempo se foi numa ampulheta quebrada.



quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Marquises

Sob o abrigo da marquise
E o silêncio das ruas
Fez seu lar mais um José.

Cidade adoecida,
Jornais, cobertas e papelão
Todo o conforto precário
Tirado de um mísero cidadão.
Acordado com jato de água fria
A rua nunca foi fácil mas não precisava piorar.
Século vinte e um, imagine!
Direitos negados, homens da lei corruptos,
Legislativo, executivo, judiciário
Poderes quebrados
Na época da construção de grandes herois,
Ainda construimos ciclofaixas assassinas,
Prefeitos midiáticos,
Prefeitos pastores,
Viadutos que racham no fim da tarde,
Pontes assimétricas,
Juízes justiceiro e parciais,
Senadores traficantes
E revolucionários apáticos.


Por fogo em tudo, inclusive em mim.
Se o mestre já ensinou no passado
Como ainda não aprendemos?
Más escolas constroem maus leitores,
Maus leitores constroem uma sociedade fragilizada,
Uma sociedade frágil se influencia pela mídia parcial.
O tempo é ainda de maus poemas
E de uma classe média imóvel e reacionária.
No rio, a mesma água parada
Desistiu de correr encosta abaixo
Desistiu de seguir o fluxo, de seguir a lei da gravidade.
A pressa cessa com o calor
Árvores arrancads dos seus cílios
Nascentes que não gerarão filhos
Cedes que não morrerão eu seu leito.
Secando a fonte, os lábios secam
Os olhos não consegue irrigar a plantação
O sangue das ruas:
sangue negro, sangue indígena, sangue indigente,
Ainda é o mesmo de trezentos anos atrás.

Senhor de engenho, senhor de escravo
Deputados, senadores, presidentes,
Empreiteiros e empresários
A quem serve teu conhecimento, cidadão?
Tua força de trabalho...?
A mim, restaram palavras desconsoladas
Tardes frias de reflexões mesquinhas
E pouco dinheiro para comprar pão.
Tempos de relações líquidas, eles dizem,
Pessoas sólidas feito chumbo.
Seguimos sem nos levantarmos da cadeira
Da poltrona, sem sair da cama
Sem tirar os dedos do celular ou do PC
Dizer que queremos mudança
É puro eufemismo para "façam algo".

Zona de conforto, é o que vivemos
Mesmo morando sem esgoto
E aliás, o que temos chamado de vida?
Trabalhar para um ser humano quebrado,
Ser explorado indefinidamente ao longo do dia...
Do transporte público ao preço de água e luz
Até na hora de cagar os alimentos com agrotóxico, estamos com pressa.
O salgado gorduroso que nos entope as veias
Ainda é tudo que o nosso tempo pode comprar.
Vemos o filme de nossas vidas
Ser mal interpretado por outro
E não temos força para impedir nossa ridicularização.
Relações líquidas sim mas, quem quer dignidade
Transforma sua relação em gasolina
E queima tudo que ainda o aprisiona.

terça-feira, 1 de agosto de 2017

Segunda....

Segunda é dia! Vou começar segunda...
Vou levantar na hora do galo
Vou cedinho aguar as plantas
Vou comer frutas no café
E legumes no almoço
Vou evitar sal e açúcar
Vou correr ao anoitecer
Falar com os coletores de lixo
Dar alô para as copeiras da cantina
Vou dar bom dia ao cobrador
Perguntar o nome do motorista.
Vou me informar, pesquisar
Ver filmes novos, ler sobre um tema atual
Vou ouvir manos e manas pretas
E trabalhar minha empatia
Vou acolher todas as minorias
E trabalhar contra meus preconceitos
Vou seguir minha agenda
Seguir as leis ao pé da letra.
Segunda é dia! Vou começar segunda!
Mas hoje ainda é terça
Dia como todo e qualquer outro
Dia de me arrepender de escolhas
De chorar por decisões erradas
Terça é dia de trabalho
Já é quase meio de semana
É dia de preparar tudo
Roupa de ginástica, tenis de corrida
É dia de assistir novela repetida
Terça não é segunda, é depois
É o dia do arrependimento pela descontinuidade
Terça-feira é triste enquanto dia
Hoje é terça e, eu pacientemente,
Espero por segunda.
Mas a semana não passa...
Há quanto tempo é terça-feira?

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Carnaval

Batuque: columbinas, concubinas e Pierrôs
É folia nesta terra de meu Deus!
Foliões fardados organizam a algazarra
Vão no abre-alas os ditadores da alegria!

A bandinha do Seu Marcial começou
Cassetetes batucam na minha caixa torácica
Sempre é carnaval fora de época.

Na primeira batida,
Mulheres para o lado, homens ao chão
Parado!, alguém gritou, ladrão!
Minha fantasia é perfeita, que disfarce!
Todos se confundem, me prendem, me batem!
Minhas colegas riem em profusão
Foram chamada de puta! Quanta animação!

Vai passando o trio elétrico, todos a bordo!
Luzes vermelhas e azuis a iluminar a rua
Os pândegos dormindo ao som do concerto
Como podem? Esses jovens não tem jeito!
Brincam no instrumento os tocadores de rabecão
Levantando até defunto! Que emoção!
Todos felizes, chorando de ri
Como é belo o carnaval onde eu nasci!





sexta-feira, 7 de julho de 2017

Estar só

Estar só, existir sozinho
Conheço os rumos e não importam as estradas
Ir ou vir é indiferente:
Sempre acabo no mesmo lugar.

No cerne da cidade, ruas vazias
Um olhar oblíquo lançado sobre mim
Passante como nódoa no Sol...
Desbravei um mundo, conheci as vilas
Mas dentro de mim permanece o vazio:
Inda é real a solidão.

Som mecânico no ouvido para acordar.
Acordo programado para a infelicidade
Toda a certeza que eu carrego comigo
Some na primeira esquina
No primeiro gole de café
Na primeira risada matinal, e vai sumindo
Como o Sol que se vai no crepúsculo
Como Vênus se apagando no arrebol.

Fiz de mim minha companhia
E, da solidão que me pertence, fi-la acessório
Boto-a no bolso e saio pela rua
Dando sorrisos e apertos de mãos
Desejando ter o que ofereço
Implorando por dentro para deixar de ser eu.


quinta-feira, 6 de julho de 2017

Homem de doze anos


Ando faminto e mal dormido 
Com fome de tudo que sacia a alma
Com a esperança depositada em copos e pratos vazios.

Não sou só nos becos do mundo.
As paredes há tempos testemunham meus gemidos
Indistinguíveis entre o prazer e a dor do abandono.
Venho há anos escondendo meus segredos
Rindo entre fumaças e pessoas tóxicas
Enveredando-me nos corpos sem calor
Fugindo dos olhos da pessoa que devo ser.
E devo a mim mesmo as minhas mazelas
Os choros engolidos nas madrugadas
A turbulência que meus pensamentos têm me causado. 
Desde a cama entre cinco
Tenho dividido minha história e minha alma
Demais, e em tantos pedaços
Que saí para catar cada um deles e ainda não voltei pra casa.

Tenho bons vizinhos, os quais nunca vi.
Sento-me na calçada sob o sol para ouvir os ruídos da rua
É quase tarde quando o Sol bate cartão no horizonte
Sua jornada não inclui levar-me consigo, porém.
Fujo do frio que me persegue em meu edredom
Mas não há lugar para ir quando é a saudade que me visita.
Ademais, são as pessoas distantes que me desconfortam
As que não sabe estar sem serem falta
As que são vazio onipresentemente.

Olhos coloridos em meu caminho
Tive medo de cair de cama um dia e estar sozinho
Entre livros de Física Quântica e Astronomia...
Quanto as poesias concretas e o mundo líquido de Bauman,
Meu corpo diz que é preciso ter força para não se curvar. 
Tenho enxergado o mundo com o corpo prostrado 
Pedindo silêncio aos sons da cidade
Enquanto abafo gritos desesperados nas minhas víceras.
Ainda faz calor nas ruas em que nasci
E eu só refrescava meu ventre nas águas de minha mãe.
Hoje, longe dela, e de quem nessa terra me fez dormir tantas vezes
Olho-me no espelho do passado
E vejo passos firmes e retos tornarem-se vestígios, leves pegadas.

Não tenho mais catorze anos há catorze anos
Deixei minha idade para trás, trouxe comigo a juventude
E livrar-me dela é como livrar-me de mim.
Descubro-me na risada que dou e nos olhares carinhosos que recebo
São eles minha força de vontade, 
O sonho bom que tenho e que me faz acordar
Para reviver entre os homens maus, itens caros nas vitrines
E a eterna saudade que fez cabana do meu interior.

A casa dividida entre sete, hoje, parece imensa.
A casa dividida entre nove outrora fez ser quem sou.
Daquela casa que nos era o maior orgulho
Fiz minhas melhores lembranças e a certeza de descanso
Dores e desilusões, das quais dou risadas
Enquanto caminho por ruas ainda esburacadas
No coração financeiro do país.
Longe, bem longe de lá eu vim buscar o meu destino
Mas quem sai de casa não retorna, se um dia disse adeus...

domingo, 2 de julho de 2017

Escadas e abismos

Não sei amar sem sentir dor
É paixão - mas não corrijamos!
Quem pode corrigir o amor?
Senão quem nós amamos?

São flores de inverno - olhai.
As ruas desabrocham em cores
É fria a madrugada aqui fora
Ruas cantando, cervejas nas casas
E uma liberdade quase sentida.

Tudo que tenho está sobre mim
Mora no céu deixando nódoas nos olhos
E quando em meu corpo tropeça, me aquece...
Parece sua pele na minha, ebulindo
Parece uma prece que faço em silêncio...

Resguardo pensamentos bondosos
Para tê-los todos em sua presença
Guardando bilhetes e momentos
Mensagens, frases, sentenças
Em um caderno antigo e rasurado.

Eu rego minha insanidade e meço
Dia a dia o quanto eu enlouqueço
Perdido em mim nas tardes vazias...
Meu sentir é erva delicada
Tem o aroma da amada em suas folhas.

Trazer de ti o teu melhor
Colocar na minha água, em tudo o que bebo
Saber das cores dos seus olhos os nomes
E ter em mim os pelos da sua felina
Estou perdido: não há escadas no abismo do amor.


sexta-feira, 30 de junho de 2017

Demora

                                                                      À S.C.
Posso dizer com certeza
Que é saudade o que sinto, é saudade!
A moça na flor da beleza
Chega de noite, já se vai de tarde...

Deixa a chorar inteira
A casa que se abriu a recebê-la
O jardim com a namoradeira
Seus olhos vistos da janela

Porta a fora, percorro sozinho
Refaço as pegadas, procuro
Nada além dos passarinhos
Ouço cantar nas ruas em coro.

A cantar também meu corpo fica
Mas demora a voltar por maldade
Minha alma cora e arrisca
Que é saudade o que sinto, é saudade...

Bojo dos sonhos

Teu beijo me fala em carícias
E afagos de lábio loução
As despudoradas delícias
Que nunca são ditas em vão...

A textura da língua macia,
Deslizando em minha boca, fascina.
É o farol que a lua anuncia
Nascendo por detrás da colina.

Meu lânguido corpo fremente
Teu hálito respiro em volúpia
Acendendo em teu beijo ardente
O sentir que a lanugem arrepia.

Escoro em teus gentis abraços:
Sou teu sem disputas, sem pranto!
Meus medos dissolvo em teus braços
Pudibundos, os quais torno meu manto.

Ris de mim...decerto! E eu bem te entendo...
Mas teu riso é-me um bálsamo que cura
Em tua saliva vou me derretendo
Tu ris e meu pejo perdura.

As lascivas palavras que me dizes...
Sou feliz morando em teus versos
Pensamentos em tua voz são mais felizes
Mas teu gosto em minha boca é perverso.

Liquefeito em suor te perscruto
E teu corpo minha boca procura
O teu beijo me ganha se contra eu luto
Imiscuindo-se em minha loucura.

Morrerei dos teus beijos ausentes
Nos milésimos de segundos passando
E o ponteiro das horas descrentes
O relógio vai recuperando.

Como uma nódoa na folha da vida
A luz opaca que fulgiu e se apagou...
Serei um verso que a tua voz rouca e esquecida
No bojo dum sonho balbuciou.

domingo, 25 de junho de 2017

Eu não viverei cem anos

Eu não viverei cem anos,
Nem chegarei perto disso.

Há um sistema universal de coisas
Que impede gente como eu de viver muito.
É tudo muito bem definido nos moldes internacionais
Tim tim por tim tim, sem negociações.
As exceções são raras e sempre moram longe
Lá onde olhares curiosos não conseguem chegar
Onde braços de guarda não alcançam a tradição.

Meu tipo - raríssimo, admito - é de andar sozinho
Olhando ao redor, cascabulhando nas entrelinhas de palavras não ditas
Os sotaques, acentos regionais
Calos nas mãos e nos pés das frases mudas
E, nas pessoas, procuro sentimentos inexistentes
Faço projeções descontínuas
De um ser que não sou e que não me interessa ser
Só para aprimorar meu arrojado tato para viver na infelicidade.
( Ou posso estar enganado e ser sozinho nessa árdua tarefa...)
E disso entendo bem: sorrir sem emprego,
Frequentar lugares que não tolero,
Estar com quem em nada me acrescenta.
Sou a tradução da estupidez humana
Compartilhando da rotina universal de exploração e cultura
Do pior que a alma humana oferece mas sem perder o bom humor.

Quem é como eu sabe que cem anos é tempo demais
Para sobreviver sob fanais a irradiar venenos
Brancas angústias que nos minam pouco a pouco
E se não nos matamos em doses homeopáticas
Nas desgraças diárias da exploração
Contamos aquiescidos frente aos canhões,
As horas de tortura mundana
Que nossa pele burilada pelo medo suporta.
Aprendi a ser meu pesadelo, um espelho de auto-reflexo
Mostrando de mim para o mundo o que a vida me deu de pior.




sábado, 24 de junho de 2017

A farda fareja melanina

A farda fareja melanina
Olfato canino para pele preta
Balas perdidas que nunca se perdem em condomínios
Vão achar repouso num corpo periférico.

Nasci morto em oitenta e nove
Ganhei minha certidão de óbito de uma enfermeira:
A raça é preta!
Jovens que se parecem comigo: todos mortos!
Andando ou num caixão, sem arma ou de fuzil na mão.
Mortos-vivos no corredor da vida
Esperando nos tornarem mortos-mortos.
Enterrados em celas lotadas ou barracos apertados
Em covas de indigentes. Somos os mesmos mortos.
A dura é dura mais no peito que na cintura
E dura tão pouco no tempo mas, na memória,
Quanta história nessa vida merencória!
Meus olhos negros sangram água do mar
Em mim, um gancho repucha minhas entranhas
Minhas mãos fizeram calos no chão; e o chão nos meus joelhos.
Lábios de banzo, choro diluído
Nas trincheiras desarmados
A vida nos tem testado os olhos mais que o peito.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Eu sou um grito

Meu corpo é inteiro palavras:
Eu sou um grito que se move.
E, como tal, nem sempre sou ouvido
Abafado pelas buzinas e sirenes,
E o silêncio do interior das pessoas vazias.

Refúgio

Nunca soube bem fazer poesias.
Essa história de ser parnasiano e não ter sentimento
Ser ultrarromântico sem ser concreto.
Sou outro em outros tempos, o outrora atual
Presente em um passado que não vivi
Anacrônico ante aos meus contemporâneos.

Poesia me é o refúgio. E dela eu sou cativo.
No seio das palavras encontro meu bálsamo,
Guio meus pensamentos por rimas e versos.
Imerso no turbilhão de frases e paráfrases e pontos e
Vírgulas e acentos eu escrevo, conserto, acerto, revejo.

Sofro calado minhas desgraças
Enquanto no papel em branco eu vejo um mundo
Uma hora cinza, outra hora colorido. Mas sempre vejo
O que a realidade me mostrou em sua face mais sincera.
Sou poeta do fim dos tempos. Grito lutas,
Grito versos de verossimilhança duvidosa
Enquanto as ruas conservam em suas curvas
A invulnerabilidade do ódio humano.

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Valse de C

Desce desse palco alto
Sobe no meu bonde
Que eu te mostro onde
Meu sonho começa
Vem sem muita pressa
Que o tempo é nosso
E me diz que eu posso
Te pedir uma dança
Ficam na lembrança
Os passos girantes
E você elegante
Me sorrindo diz
Que para ser feliz
Um compasso já basta
Arrasta esse tecido
Do vestido branco
De véu sobre o rosto
Escondendo gosto
Na simplicidade
Não dói a verdade
Dita com jeitinho
Afasta com carinho
Os móveis da sala
Espalhando os brinquedos
Vem brincar sem medo,
Com nossas crianças
Pois a vida passa
Tão depressa, preta
Que quase ameaça
Nem ser de verdade
Ser somente uma grande brincadeira...




quinta-feira, 8 de junho de 2017

Moinhos

Poeta preto faz poesia preta:
Não tem escapatória.
Toda expressão da alma reflete a pele.
As máquinas quando se juntam
Não falam de óleo, de botões
Conversam sobre quem as manipula.
Pouco ou muito, sorrisos e sanções
Vão moldar em sua medida
Falas e discursos, vida e modus operandi
Vão dando ao rio o seu traçado
Até que transborde ou desague.
Nessa terra de ventos senhores
Moinhos parados sussurram
Planejam a libertação.


segunda-feira, 5 de junho de 2017

Branco, branquinho, brancão

Branco, branquinho, brancão,
Se acham bonitos bancando o negão
Põe dread, põe trança e acha maneiro
Depois vai lá ensinar os pretos nos terreiro
Acha cota bobagem: " todo mundo é igual",
Mas só contrata branco :" não é pessoal",
Vê nós como o empregado, lixeiro ou pedreiro,
E fica assustado quando vê nós engenheiro...

Branco, branquinho, brancão
Acha que preto correndo é ladrão
Tá sempre em foco no horário nobre
Mas sabe que ri enquanto um preto sofre
É pobre mas sabe que o shopping te quer
É padrão e sabe que preto não é
Acha que eu exagero quando fico puto
E choro pelos morros dia a dia de luto

Branco, branquinho, brancão
Na novela das oito na televisão
Teu mundo é tão lindo, polícia te abraça
E os pretos pacíficos espancados na praça
Mendigo branco nunca é o vilão
Na cracolândia chama a atenção
É gato, é modelo se policial
Tem cabelo de anjo, é especial
Seu dia tá perto, se liga, cuzão,
Vai morrer primeiro na revolução.

terça-feira, 16 de maio de 2017

Relógio da Central

Vendo as horas no relógio da Central
Ouço os vagões que entram e saem das pessoas.
Sempre em frente, movem-se as peças,
Soldados de uma guerra pacífica, há tempos perdida...

Enquanto armas caminham no hemisfério norte
A nuvem cinza avança nas florestas do meu país.
Corpos vermelhos mutilados pela estrada
São a tintura do novo pau-Brasil.

Tento conter a euforia por ser um outro 
Sujeito anônimo a comprar pão e esperar na fila
Sofro com a demora enquanto esbravejo sobre política,
Futebol e sobre o preço do mercado, eternamente a subir...

E se planejo o meu retorno ao controle de mim
Encontro-me entre planilhas e relatórios
Sendo um inútil tão útil quanto posso ser
Rindo de piadas ruins e a concordar com absurdos.

Justifico-me olhando as ruas com desdém
Distanciando meus olhos do que me faz lembrar de mim
Sou meu tempo, atual e obsoleto
Memórias póstumas de ações impulsivas.

O espelho dextrogiro numa torre distante
É o Leviatã botando fogo na cidade
Não temo a morte porquê conheço o meu destino
Mas o meu escudo  ainda são as grades que me oprimem.


domingo, 14 de maio de 2017

Sem expressão

Frente aos meus olhos não tens nada
Nem olhos, nem face,
Nem boca, nem corpo,
Nem expressão.
Tua silhueta define um sentimento
Que o sol poente torna sombra a leste de mim.
Amassado entre folhetos de propaganda
Deixei cair um verso nobre, que já não lembro.
Eram tuas palavras escritas, uma recordação
Que a parede já não mais receberá.
Sinto a falta de tantas sombras noturnas
Vultos e planos comuns
A coragem que tinha para arriscar.
Meia volta sobre meu eixo, estou perdido
Caneta sem tinta, papéis avulsos
A água mais doce do mar me banha.
Essa alcova é seu sorriso brando
Branco e despreocupado, sem saber quem sou
Alheios a essas mesquinharias, teus pés
Que vi dançar sem me causar um êxtase
Mas que sustenta um ser fantástico
E por isso, é igualmente impressionante.
Cautela, esbarrei na tua voz outro dia
Pedi desculpas e tomei meu rumo.



sábado, 13 de maio de 2017

Tente

Enquanto ouço a multidão
Lembro da sua voz
Tempo inquieto a trovoada
Procuro, não acho a sua mão.

Então é isso
Piadas prontas numa quarta-feira
Alguns sonhos a realizar
E uns remédio numa prateleira.
Aquela música insistiu em tocar
Sonhos, o vinil azul
Olhar negro, crespa flor
O meu melhor você me deu:
O meu amor.
E por falar em hora vazia,
Peito aberto e desatino
Distâncias não são destino
Não tenho tempo pra mesquinharia
Dou meu céu e meu calor
Meu castelo e meu pudor
Atiro-me do precipício de gente
E só te peço: pretinha, tente.



terça-feira, 9 de maio de 2017

Coveiro das ideias mortas

Hoje é sobre o tempo
- Como todas as boas histórias -
Um nada que passa e fica
Poesias pueris a marcar momentos tristes
E mãos dadas com o grande amor
Numa quarta-feira chuvosa.

Calando trovões e cobrindo espelhos
Encontro-me, novamente, a contar migalhas
Como uma criança juntando os brinquedos nos cofins do mundo
Vasculho nas memórias o melhor de mim
E vejo-me num castelo sem portas
Uma fortaleza inútil que construí ao meu redor
Como se o etéreo pedisse para entrar ou sair
E meus pensamentos se quedassem em prisões.
Alegro-me ao ver meus iguais após o muro: estremeço.
Mas essas ruas são tenebrosas em seu silêncio
Castelos adornados de ouro mantém a aparência
De sermos felizes sendo tão miseráveis.
Dê-me sua mão, diziam-me os mais velhos,
Hoje minhas mãos trêmulas seguram xícaras
Com chás ou café, para dormir ou estar desperto
Pra quando minha quietude precisar de mim.

(A noite causa medo nas mulheres
E sair não é seguro com homens lá fora.
Nós somos os abutres do velho e do novo mundo
Homens quebrados em seus propósitos.
Ouço o som dos ossos amassando pelo peso dos dias
Enquanto uma marmita fria é devorada nalgum lugar.)

Fress mich im Schatten, du Unsterblicher Mann
Lass niemand unter die Sonne uns sehen !

Meu tio falava-me que valia a pena estudar
Meus amigos falavam o contrário.
Olho-me frente a ele com ternura : ele era sábio.
Meus amigos não sabiam o que queriam
Hoje, após estudarem, não dizem-me o mesmo que antes
Vivem como se sempre tivessem vivido meus sonhos
- E é essa a verdade -
Na candidez das manhãs espúrias ante aos escritórios
E aos consultórios que abrindo-se os recebe
Mangas de camisa e macacões para o trabalho
Não somos mais tão novos.
Eu continuo rezando aos meus ancestrais
Tios e tias, meus pais, entes amados
Peço-lhes que continuem dizendo-me o certo
Ante aos absurdos que ouço do mundo.

Chego hoje ao meu limite
Barreiras intransponíveis a minha frente
Não distinguo passado e futuro
Tornei-me parte do que odeio tentando ser grande
Vesti roupas brancas para olhar para o céu
Comi inhame e tomei banho de mar
Nada em mim foi sincero até eu desejar a minha própria morte
E, ao me deparar com ela, retrocedi com medo.
O além-vida é tenebroso aos corações culpados.

Homens e mulheres em camisas de linho
Vossas Excelências pedem a voz no Plenário
Sonhos são pisoteados em discursos
O real já não habita o imaginário.
Quanta ousadia, meu Deus!
Nessas esquinas onde os cantos ecoam
Quantos Deuses morreram aqui? E quantos gênios
Tiveram sua glória roubada na infância?
Cigarros acesos, o pó que vicia e mata em uma carreira
Na mesma mesma mesa, copos esvaziando e álcool os enchendo
Enquanto ao meu redor ninguém está seguro.
Famélicos do mundo,
distantes e desconhecidos
Limpando latrinas de mármore e granito.
Do alto da torre no centro da cidade
Os donos da nossa terra dão as orientações:
- Planeje, execute, revise!
Assistimos o mundo como se nele não estivéssemos
Um espetáculo de rara beleza, cidade irreal
A lavar os olhos dos homens e das mulheres com as monções

No sangue, o que eu levo não tem nome
Heranças não são flores desse caminho
Meus tropeços me fazem olhar do chão
Mas me levantar é tudo o que me resta.
Oh, você que me olhas, não retroceda
Nessa terra, enterrados, meus ancestrais
De baixo, me empurram para me reerguer
As mãos calejadas e cansadas, negras
Que como eu, hoje, só querem o topo, nada menos.
Seguindo os passos de um pé calejado
Meu caminho é a distância entre terras
Um oceano, uma vida com raízes que caminham
Seguem o Sol, o brilho mais profundo.

Sentado numa cadeira em falso, olho através da janela.
Não possuo nada comigo,
nem cigarros para fumar;
Nem bebidas alcoólicas para me embriagar;
Não possuo carros, nem motos, ando sempre a pé e só
Na solidão mais pura da alma humana
Sem ao menos ter a chance de desejar algo diferente.
Vejo, do outro lado da moldura do vidro,
As pessoas indo e vindo felizes
Elas não vivem a mesma vida que eu
Ocupadas em suas roupas de escritório
Seus fones de ouvido que as isola do mundo
Em seus compromissos inadiáveis
Não vêm as flores crescendo entre as pedras da rua
Não vêm os ipês ganhando cores
Não ouvem as crianças que gritam na vizinhança.
Estão concentradas em ler o nome do ônibus
Em reconhecer carros caros
Em ter boas roupas, cabelos bem arrumados
Em parecer ser mais do que realmente são
E ainda há as que vêm tudo isso e não lhes dá a devida atenção.
Enquanto eu, cidadão de um mundo desolado
Enterro e desenterro sonhos nunca vividos
Por mim, pelos mais pobres e pelos patrões
Sou o coveiro das ideias mortas, dos ideias perenes
Numa terra de fugacidades materiais tecnológicas,
Declarações de amor sem sentimentos
E sorrisos sem expressão.

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Qual silêncio, teu corpo no meu

Qual silêncio, teu corpo no meu,
Essas tatuagens - mãos e bocas -
Espalhando-se em mim.

Criva-me: delírio.
Garras felinas, unhas macias
Lacerantes em meu dorso
Bagunçando minhas certezas
Derramando meu suor na cama.

Devorando-me, digerindo
Meus sussurros entre carícias
Palatável anjo entardecido
Toda festa finda antes do fim.

Sou teu travesseiro na cama.
Sou eu quem esquenta teus pés
Sou esse calor inexplicável no inverno
O ofegar trôpego somos nós.

Fruta madura, tua pele
Minha vontade ascende.
Um gesto de incerteza
Quinta-feira acaba tão cedo sempre...





sábado, 18 de março de 2017

O poeta e a poesia

Por ser janela vazia
Meu corpo transluz feito prisma
Vai deflagrando as cores
Vou relembrando das dores
Amores idos na ventania.

E com tudo que me resta
Pergunto-me
O que é todo o sentimento,
O poeta ou é a poesia?

Vai lá, maltrapilho destino
Desce a ladeira cantando
Olhos vão te acompanhando
A meu mando, seguindo
Um jovem sorrindo
Menino, como meus sonhos

E com tudo que me resta
Pergunto-me
O que é todo sentimento,
O poeta ou é a poesia?

O que é que essa mata ensinou?
Deixa o passado morrer
Em minhas mãos, lânguido e frio
Resta a terra preta e o canto
Há de ainda termos
No belo, o acalanto.

E com tudo que me resta
Pergunto-me
O que é todo o sentimento,
O poeta ou é a poesia?









quinta-feira, 16 de março de 2017

Escamas

Escamas
Pele frígida, ressecada
Meus olhos como a pele
Meu peito sempre em chamas.

Robusteza
Augúrio inevitável -soía
Ser um forte empedrado
Hoje afundo em vileza...

Fractal
Esse tempo dos tempos
No corpo de pele nua
Débil tornou-se meu normal...

Contrito
Sonho com o recomeço
Desfazer meus erros
Num Universo mais bonito.

Por quê fechei
O tempo com minhas mãos
Num ato falho de vingança
Prendi-me em mim
Em cela onde não bate o sol.


terça-feira, 14 de março de 2017

Distinguo

Distinguo
O justo do injusto
O podre do saudável
O adunco do ereto.

Não olho pobres
ou ricos
Nem homem
ou mulher
Vejo a miséria
O asco e a soberba
Vejo a decadência
E o choro dos incrédulos.

domingo, 5 de março de 2017

Flores do quintal

Loucura...abrupta
Insanidade!
Os vivos clamam
Os mortos:
pedem passagem.
No descarrilamento
Os passageiros retornarão
É a verdade submersa
Nessas horas cruas
Nos ternos baratos
Nas flores de quintal.

O mais belo esvai-se
Assaz demente
Doente,
Da miséria do mundo.
Sobra o veludo nas mãos
Esperanças nos vitrais
Orvalho nos varais
E dentro da nossa inocência
Ainda estamos vivos.




terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Teus

Teus - como em outros tempos
Só teus seriam, esses versos
Caducos, manquitolando
Adversos, palavras difusas
Perdidas na neblina de um passado
Que nos acompanha
Como um bom amigo o faria.

Teu - minha alma ecoa,
Meu pensamento mal me pertence
Não sou dono, não tenho posses,
De mim mesmo - sou tragicômico
Indo e vindo de seu corpo
Permanecendo em seu melhor sorriso
E fazendo de ti um débil escudo.

Socorro-te de mim - perdoa-me
Minhas mãos não te alcançaram
E ao meu lado, enquanto a solidão te vestia
A sombra que cobria meus olhos
Ela escondia o melhor de mim
Mas só na penumbra eu era feliz
E só assim eu sou feliz, enfim.


quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Prece de ateu

Laranja lima em sua boca
Derreti, tornei-me teu
Um furacão a me puxar
Brisa da noite, prece de ateu.

Meu coração clama esse sossego
O amor me roubou de mim
Depois de desfazer-me
Lençol freático sugado
Água clara, Prumirim.

Escuto o teu tormento
Alma vazia na cama feita
O que é passado está a frente
Na morte, a vida é mais perfeita.

Ponho-me enfim sob teu julgo
Caio aos pedaços, desmorono
Teu peito é cova, meu tempo é seu
Em ti descanso o eterno sono....



segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Teus olhos

Leio teus olhos fechados:
Não dizem-me nada, teus olhos.
Parecem duas frutas da feira
Enrugadas, quando chega ao fim...
Mas quão belos podem ser
Teus olhos fechados?
Tuas rugas e cicatrizes...
Fendas do asfalto; tua pele
O rosto queimado, marcado
Olhos que tremem querendo se abrir
Flor que desabrocha ao pé da mata
Dos teus cabelos crespos.
Tolice minha! Silêncio na face
Teus olhos calados
Disseram o que eu queria ouvir!

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Sofrer

Sofrer! Sofrer! E sofrer...
Chorar de desespero
E não se cansar da dor!
Saúdo os que sofrem,
Os que sangram na alma
Os que sangram no corpo
Os que definham!

Todo sentimento é dor
É doído ser feliz, antes e depois dos sorrisos;
Amar é dor; apaixonar é terrível!
A triste é um sentimento dolorido
Chega a deixar o rosto pálido, enrubesce-nos...
O ódio, o rancor, a melancolia, o banzo...
Todo sentimento é inexpugnável,
O sentir é doloroso e tanto
Que a dor de fato é inevitável mas o sofrimento...
Ah, o sofrimento gera tão belas poesias!

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Epitáfio

Trarei, num dia vindouro,
Um poema bem fresquinho,
Rosas num buquê
Para entregar ao meu amor.

Não hei de escrever verso mesquinho
Mas rimas bem casadas
Métrica arrumada
Tudo bem contadinho

Não há de ter numa estrofe
Referência da racial discriminação
E nem de fome ou de sede
Nem do povo de santo
E nem mesmo um quê de revolução

Hei de trazer num papiro
Palavras nobres
E dizeres de um doutor
Nesse poema, assim escrito,
Há de um epitáfio estar contido
Versos de quem me enterrou.