terça-feira, 5 de novembro de 2019

Ciúmes

Não há razão, nem haveria
Permanece no chão a planta com raiz
Amor não se dá, amor se cria
Não está no outro o que te faz feliz...

É na razão que reside intacta
A soberana inteligência humana
Desenvolvida em mente primata
Quase esquecida na vida cotidiana...

Irracionais no modus operandi
O ser é belo, experiência infinda
Evolui o intelecto e não expande
O que é pra si mistério ainda...

Sentir o outro e se afastar do eu
Quase impossível, diz o egoísta
Não suportando o que está no breu
Mata o diferente sendo pacifista.

Mas é o ciúme, mal que aflige o tolo,
Que tira o amor da racionalidade
Faz da loucura o único consolo
Em quem na mente falta liberdade. 

domingo, 22 de setembro de 2019

Porcelana

Búzios à mesa,
Cartas de Tarô
Olhos porcelana
Debruçam sobre mim
Longe da tua boca
A sorte é inimiga
Me desacreditas...
Logo chego ao fim

Sonhos de madrugada
Tua unha em mim cravada
Minhas costas se deleitam
Depois vem quase nada

Guardei-me, silêncio
Pro teu corpo falar
Da falange ao frontal
Me pedindo calma
Curtas madeixas
Te deixam perfeita
O dia nascendo é a sua cara
Começa vermelho
Termina luz alva.







segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Pilhéria da sorte

Pilhéria da sorte os teus lábios
Dois magos de opostas magias
Em um o tropeço dos sábios…
No outro a ilusão dos artistas!

Milagre do século presente
Na química do teu beijo a alquimia
Transforma um sorriso descontente
Em balaustrada de marfim em euforia.

Não nego que vivo aperreado
A me ver derretendo em tua saliva
Tua língua é quase um atentado
Tua mordida é caso de polícia. 

Se o destino me tiver merecedor
Decerto morrerei em razão disso
Ou me vou ao sentir o teu sabor
Ou me nego a viver sem teu feitiço.

No banquete que habita o teu rosto
Meu desejo é tão simples, te digo
Outra vez vir a sentir o teu gosto
Fazer da tua boca meu abrigo.

Mas na sorte e no amor sou desmedido
E sua boca, bem sei, é itinerante
Sonharei em tornar-me o preferido
Morrerei como um louco delirante!

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Partido ao Meio

Disparo azul em chão verde:
Máquinas se movem.
No céu some a garoa
São Paulo é como o mundo inteiro.

Em breve a extinção trará o esquecimento
Não do homem, do que é homem
Mas do homem que foi um dia
Dono de terra, fazendeiro natural.

Partido ao meio, o ambiente
A água marrom, o céu cinza, o chão vermelho
Cores primárias substituídas
Pelo artificial, pela morte e pelo caos.

Teu sonho, poeta que dorme tranquilo,
Caiu por terra, sem retorno
Sem aves gorjeando, sem palmeiras
Jazem teus versos em covas cobertas de lama.

O belo...o que foi belo um dia
Substituído por ruídos, números em telas
O alimento escasseia aos nativos das matas
Que tempos, Senhoras e Senhores!
Somos visionários de um não-futuro.







domingo, 18 de agosto de 2019

Prato do Dia

Meu restaurante tem prato do dia
Cheguem sem euforia para o almoço.
De entrada temos escravidão
De pretos africanos e angu, com caroço.

Brasileiríssimos como nós somos
Olhamos todo o país para cozinhar
Preparamos Libertação sem coentro:
Larga os pretos no centro para se virar.

No popular o cardápio é bem barato
Tem pratos simples para se degustar
Carne de negro e de índio cozida
Um misto na marmita que é pra se levar.

O principal é o prato do dia
Buscado na fonte, na periferia
Com cuidadosa ação policial
Dizemos que algum negro é mal e tome covardia.

Ainda temos desemprego em fartura
E abundante informalidade
Quem tiver a pele na cor errada pra sociedade
Nada vai comer e vai pagar contra a vontade

Oferecemos chacinas, maus tratos
Torturas, regaços e retaliação
Humilhação passada em qualquer cartão
E de sobremesa...tem vela e caixão.













terça-feira, 6 de agosto de 2019

Não há...

Não há futuro
Porquê não há Sol nem há estrelas
Não há poréns nem entretantos
Porquê não há...se perdeu com o tempo.

Há o silêncio e a compostura
Há o porvir, sem planos, sem chances
Não há revanche, segunda chance...
Não há...por quê não há.

Dentre dúvidas, no entanto
Há a certeza de que não há certezas
Não há beleza na miséria da vida
Há só distâncias na despedida.

Havia amor antes de tudo
Não do criador, não do obscuro
Mas sim o que a sinceridade nos permite.

Havia amor, sim, hoje há silêncio
Apartados eu e a felicidade
Hoje não há sequer saudade...




Balança

Minha balança é desmedida:
O bem e o mal são desiguais. 
Prêmio Nobel e miséria…
Também é fantástica a realidade.

Abismado, questiono o que é real.
É o convívio com o fascínio...
(Não confundir com facínoras, por favor
Nem com fascistas…
Fasc...faz que a gente se acostume
Com o ódio, com o pouco, com o pior.)

Sobre mim recaem expectativas
Como uma névoa que cobre o asfalto
Diminui a visão e me cega quando devia estar atento
Ouvindo os rumores e sussurros
Ouviu dizer que o dollar vai aumentar de novo?
Pois é, pois é...do que importa, não é?

Minha moeda é real, não só no nome
Não especulo, não bajulo senhores de monóculos
Na bolsa, só aposto que não acho minhas chaves
Dentro da minha bagunça e correria
Vou levando o dia, vou por ele sendo levado
Enquanto olho crianças indo à escola sozinhas
Pés mal cobertos, roupas humildes
Aquela camisa surrada me é familiar
Não tenho parentescos com escola particular.

Ser bom na vida, antes de e ante a tudo.
Sem seguir palavras ou escrituras.
Sê bom, vai, anda no que de melhor sua sorte trilha!
É um sorriso que arranco o que colore a poesia
Não a famigerada grana, 
Essa máquina de moer vida.

terça-feira, 30 de julho de 2019

Velha Leonor

Depois que a gente cresce
A vida endurece
Os pais, papéis tão importantes
Na nossa infância, se tornam lembrança
Mas na memória permanecem
Após o trabalho a gente descansa
Quando chegam as crianças
A vida aquiesce
Acontece…
Acontece que o amor acontece*
À nossa imagem e semelhança*.(* x2)

Há poucos, na alvorada da vida
Me vi uma Rosa perdida
Espinhos sem Botão
Solidão, me pegou tão distraído
Que pensei não ter objetivo
Essa minha procissão
Caminhando como anda a humanidade*
Sigo o ciclo sem coragem*
Da placenta até o caixão. *

Saudade me doi, baita saudade!
Trinca o peito, sangre e arde
Saudades da velha Leonor
Me dizia:  filho, sempre firme,
E que só o amor nos redime
Fazendo assim, a vida nao perde a cor.

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Despedida

Lembra de mim que estou partindo
Eu vou migrar pra outro país
Levo o teu nome na mala pesada
Que será extraviada e irá pra Paris
Guarda consigo uma foto minha
Mas com um belo sorriso, disso eu não abro mão
Quem sabe ponha no Hack da sala
Ao lado da minha foto nova aqui em Milão
Meus olhos fundos hão de lhe mostrar
Que nunca quis sair do chão da nossa Terra
É de calor que meu peito transborda
E não desse céu cinzento aqui da Inglaterra
Mas convenhamos meu bem, sejamos francos
Até o raiar do dia pode ser traiçoeiro
O nosso amor já estava andando arrastado
Ai meu deus, mas que saudades do meu Rio de Janeiro!

Saí de casa decidida
A viver longe, a arriscar
Mas esqueci que a despedida
Era também do meu lugar.




segunda-feira, 17 de junho de 2019

Eles, os cientistas

Não estarei aqui para ver o nascer do Sol do novo mundo
Não estarei nesse corpo quando houver dignidade para os desgraçados.

Não estarei nesse plano quando entenderem a matéria escura
Nem quando a origem da vida for pergunta de fácil resposta...
Tampouco hei de aqui estar quando for norma culta o termo Educação Universal...

Meu curto prazo sem parcelas, meu corpo perecedor
Não verá a solução das equações mais difíceis
Nem a paz no Oriente Médio, e nem o fim das bombas atômicas...
Armas de fogo extintas: eu jamais verei...

Fronteiras inexistentes, água de acesso Universal e gratuito
Bens comuns de sobrevivência, alimentos saudáveis acessíveis,
Risos não forçados fluindo naturalmente das bocas...nunca hei de vê-los!

Minha curta existência me diz:
Eles, os que querem desenvolver as técnicas de agricultura,
de pesquisa para aumentar a produção de grãos;
eles, os que gastam bilhões em aceleradores, tiram fotos de buraco negro;
eles, que resolvem os piores problemas matemáticos,
São os mesmos que causaram a fome,
São os que falaram que a Terra é plana,
Que criarão as os problemas matemáticos.

Nessa vida, hei de nunca encontrar, um só destes
Que em real esforço filosófico se debruçou sobre o maior dos problemas
O que nos divide, o que nos torna distintos sendo da mesma raça...
Não hei de achar um deles que tenha ideia de como acabar com o racismo.

domingo, 16 de junho de 2019

Balaio do Amor

Já não brigo com o Amor:
Sempre deixo que ganhe!
O amor não tem razão
Mas sempre está certo.

Há tempos em que penso:
Tolice isso de envelhecer junto!
E de fato o é: amor é rápido,
Amor é lento mas não tem prazo.

Há o amor que fica e acompanha a vida,
Mas há o amor que só acontece e se vai.

Tolo mesmo é quem não ama
Por opção, à quem a vida deu escolhas.
Quem tem coração duro eu compreendo:
É difícil amar em solidão.

No balaio do amor eu carrego bem pouco:
Beijos de boa noite, risos de canto de boca,
Olhar de gente boba.
O que não carrego é o desejo que ele tenha razão.








segunda-feira, 29 de abril de 2019

Mestra de Armas

Chegou, enfim, a derradeira
Mestra de Armas, mãe saudosa.
Teus calcanhares, ó impiedosa,
São meus alentos da vida inteira.

Nódoa que meus olhos tocam
Traz da noite o canto ecoando
O Bardo Lunar, ermitão sem bando
No teu manto negro, dores desbotam...

Senhora do Nada, nome invisível
Teu colo é o berço do fim
Quando a tampa encerra nossa glória.

Tenha de nós misericórdia!
Quando no seu beijo marfim
Ganhar a luta invencível.






terça-feira, 2 de abril de 2019

Quem souber teu nome

Minha pele Saara, cabelo guiné.
Não há Oásis na solidão.
Distância é o sobrenome da saudade
Meus olhos a procuram, procuram em vão.

Quem souber teu nome noutros cantos
Há de contar-me dos seus dias
Dos seus risos que me foram tão caros
E do balouçar que me inspirou poesias!

Toda noite, antes que me tombe as pálpebras
Passeio pelas nossas lembranças
Visito nossos planos e nossos momentos,
E a falta imensa que meu corpo desmancha...

Trago a voz rouca de gritar meus versos
E hei de cessá-la em um dia vindouro
A tristeza corrói-me em um luto eterno
Por negar meu riso e abraçar meu choro. 

E apesar desse medo crescente
Permaneço fiel ao meu pensamento:
Antes vê-la distante e sempre contente,
A vê-la penar em meu eterno sofrimento.


domingo, 17 de fevereiro de 2019

Preto é medroso


Preto é medroso:
Tem medo de branco,
Tem medo de banco,
Tem medo de igreja,
Tem medo que seja
Escravizado

Tem medo de polícia
Tem medo da política
Tem medo de médico
Tem medo de cético
Que nos desacredita

Tem medo da história
Tem medo da memória
Tem medo da noite
Tem medo do açoite:
Nos lembra senzala.

Tem medo do bispo
Tem medo de Cristo
- Redentor de pecado -
Que de tão ocupado
Tenha nos esquecido

Tem medo de som alto
Tem medo de asfalto
Tem medo de supermercado
Tem medo de agente armado
Temos alvo na testa...

Tem medo de chuva
Medo de andar com guarda-chuva
Tem medo de furadeira
Tem medo pela escola inteira
Nunca está a salvo

Tem medo do morro
Tem medo do corro
Tem medo do mato
O verde e o armado
Tem medo do fico

Tem medo da morte
Tem medo da sorte
Tem medo do patrão
Tem medo do irmão
Que diz amém na igreja.

Tem medo das pás
Tem medo da paz
Sobre nossas cabeças
Fazendo que se esqueça
O auto de resistência.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

A lama do mundo

Não parem as máquinas,
Ainda há muito a ser feito!
Cada pedaço de terra
Clama por uma função.

Alimentar o mundo-lixo
Enterrar o lixo do mundo.

Atemporal o desejo de mudança
Mudar de Estado geográfico
Mudar de estado da matéria
De morro pra lama
De lama pra mato
Soterrado, atolado, asfixiado
Avalanche de rejeitos sobre os rejeitados.

Somos gado, somos gado, somos gado.

Mais um rio se calou
Perdeu para o silêncio
Apostou alto, dobrou a aposta
Pensou: comigo será diferente!
Mas também a natureza se engana.

Enquanto isso, a fantasia e o engano
Se espalham como blefes nas praças
O jogo é outro, noutra esfera
- Malditos detentores da realidade! -
E nós, de passeata em passeata
Vamos passear no parque
Enquanto seu novo não vem.

Homem de Bem

Eu mataria para endireitar-te
Eu mataria para clarear-te
Eu mataria para comportar-te.
Eu mataria.

Eu mataria para dar-te decência
Eu mataria por sua condescendência
Eu mataria pela tua obediência
Eu mataria.

Eu te mataria para não revelar-me
Eu te mataria para não libertar-se
Eu te mataria para não explanar-me
Eu te mataria.

Eu mataria, eu mataria, eu te mataria...

Filho meu anda direito
Filho meu não casa com preto
Filha minha não se veste desse jeito!
Filha minha!...

Merece apanhar, seu desmonhecado
Tinha que ser preto pra roubar mercado
Mulher não se dá com política!

Que Deus tenha pena da tua alma
Que sua morte seja lenta e calma
Que pague pela vida em pecado!

Mas homem de bem nunca fraqueja
Mulher de bem sempre te deseja
Ser a bruxa e lutar contra a igreja.

Verão

Mal nos despimos do verão
E o frio já nos atropela a alma.
Corpos imundos na lama apodrecerão
E logo o outono nos irá sorrir.

Uma bola de fogo a engolir sonhos
Uma avalanche a rolar vidas
O carnaval se aproxima com cuidado
Será ele a próxima vítima?

Quem são esses senhores no alto das Torres?
Ternos cinzas decidem destinos
Indenizam os diligentes - soldados do capital
O que resta aos esforçados, além da memória?

Lavar os corpos com o pó preto dos céus
Lágrimas escorridas serão enterradas
Nada além de lástima nos rostos
Corra, logo passará o busão.



sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Fim de tudo

A dor cessa com o vermelho no chão.
O céu escurece tão rápido, parece inverno.
Esqueci como é sorrir, dias escassos
É noite em Longyearbyen, capital de mim.

Os outros trouxeram flores, um jardim
Foi como se meu corpo fosse terra
Senti o frio dos grãos de areia, mexendo
Revolvendo como minúsculas máquinas
Tratores do subsolo. Minei feito água corrente
Escorri de mim, de dentro para fora.

O belo encarrega-se de desviar os olhares, brotando
Teus olhos se fecham quando o som não quer sair
Escuta-me: meu corpo é falta.
Silêncio de boa noite, adeus, adeus
Minha casa fica tão perto que é em todo lugar
Meu lar é o mais seguro desse mar de gente:
É terra firme.

O tempo se encarregou de levar o inanimado
Memórias, poemas, construções...
Tudo encontra seu fim no infinito
E lá no fim, depois do fim de tudo,
A dor durou um segundo, 
O vermelho tingiu o chão de pétalas
Lavadas com as lágrimas de quem não pude ser.