terça-feira, 28 de abril de 2015

Sombra de um novo dia

Amanhece a sombra de um novo dia.
Ainda agora os garis varreram as ruas
Limparam as calçadas mas esqueceram
de limpar a sujeira dos homens.

Dias sujos nos coraçãos mundanos
Vidas feito árvores da amazônia
Trabalhadores pagando para trabalhar
Flores desabrochando mortas
Frutos podres nascendo nas videiras.

Em cada olhar extasiado na calçada
Vejo um reflexo da sociedade
Um egoísmo de sete da manhã
Que só quer ir para a mortalha sentado
E ouvir os esbravejos do patrão em paz.

Vivendo nas alcovas solitariamente
Cercamos-nos de uma multidão eletrônica
Acreditamos em datas festivas
Chocolates caros em forma oval
Mas não damos valor aos seres humanos
Esquecendo que também somos um...

E no vai-e-vem de ideias
Diariamente somos enganados
Mas fingimos que não ligamos
Para morrermos felizes e ignorantes.


Ária de Silêncio e Paz

Ária emplumada que tua voz entoa
Na melodia de uma primavera
Transforma tempestade em garoa
Acalma-me, os males dilacera.

Dos lábios doces de fazer quimera
No estribo, a nota que estridente ecoa,
Propagada a onda no ouvido gera
Silêncio d'alma que a paz coroa.

Quando o cair da noite visceral
No âmago dos seres vocifera
Tua voz faz-se meu mantra contra o mal

E quem de longe te ouve, imagina
Que o céu, enfim, à terra descera
Num mar de graça de voz cristalina.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Camponês de ideias

Abrir mão de toda a essência
Par ser um camponês de ideias
Sem toda a sofisticação computacional
Sem a pompa dos títulos acadêmicos.
Ser um pastor dos próprios pensamentos
Sem mesas de formação intelectual
Sem debates entre teóricos opostos
Somente si e o próprio silêncio
O âmago das coisas somos nós
E a filosofia primeira é a vida
Sem filosofias, somente viver.
O quê é então a solidez do conhecimento
Senão perguntas irrespondíveis?
Quem somos nós...para onde vamos...
Quando conseguiremos a paz mundial...
Quem é Deus? Quem é Deus de quem?
Perguntas vazias, perguntas sem respostas
Que nos fazem pensar no externo, 
Sem olharmos para nós. 
Temos computadores, mas não temos paz.
Temos internet, mas não temos paz.
Tem astronomia, mas não temos paz,
Técnicas fantásticas, máquinas fantásticas
Mas o que temos, não somos.
Não podemos ser máquinas, mas podemos, sim,
Ser pensamentos, ser os representantes 
De nossa própria filosofia
E, no fim, ninguém recordará de nós
Só de nossas máquinas, pois, 
Até agora, foi nelas que nos tornamos.

Certezas girassol

Certezas girassol
São volúveis, são tão eu
São caminhos bifurcados
Cheias de si de tão vazias...

Amanhecer fora melhor
Noutros dias, antes daqui
E onde estou, lágrimas nos olhos
Dor de Cabeça, trabalho em vão...

Espremido entre um por quê
E vários e se...E se não houvessem
Certezas? E se não houvessem manhãs?
E se não houvesse trabalho?
No que pensaríam os poetas e os filósofos?

Amanhecer...na vida alheia
Na minha, nasce o Sol
As brumas esfriam-me a alma
Tapando o Sol por um instante

Mas não há verão que se interrompa
Quando é meio dia na alma
Cabeça erguida, girassol!
Mude de ideia, mas sempre aponte
Onde houver mais vidas!

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Cabeça

Cabeça-pedra, anda
Pendente, encerrada
Dura feito panda
Robusta, rotunda.

Humana, cabeça,
Mantida, mordida
Ouvida e cheirada
Macia a bochecha.

O cabeça, mil cabeças,
De gado, quebra-cabeças,
De alho, os dentes,
Cabeça vazia.

Chacoalha a redonda
Esfera de osso
Maciça pensante
Oca, estridente.

Cabeça de aço,
Capacete acolchoado,
Apêndice do tronco
Pra ser amassada.

Oficina do cão no ócio
A cabeça oca (sem índio)
Geniosa-mente
De Einstein, Pessoa...

No fim do corpo,
No topo do monte
A mente é quem manda
Os pés obedecem.

Poetizar

Esta poesia que não me vem à mente
Que não faz louvor aos elementos da natureza em nada
Nem ao canto das aves pela manhã
Nem ao som da água do rio fluindo serra à baixo
Nem ao chiar das árvores quando passa o vento
Nem ao som dos animais correndo ao ar livre...nada!

Esta poesia que não possuo
Que não tem palavras dentro dos homens
Que é incompleta, incompreendida
Dita pertencida aos grandes mestres - homens também,
Esta poesia bandida que me foge à mão quando a escrevo
Que me foge à boca quando a declamo
Que me foge ao peito quando a quero sentir...

Esta poesia que mal imagino
Não é uma poesia, nem eu sou poeta.
Nunca houve natureza traduzida em palavras
Nem sentimentos, e nem horas, e nem momentos,
Nunca houve poesia no meu poetizar.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Morto coração

Morto não sei quando
O coração que nunca tive.
Anunciou a família num carro de som
Uma nota, o falecimento do coitado.
Vinha sentindo-se mal,
Vomitando sentimentos mal-digeridos
Regurgitando remorsos
Amores passados, decepções
Doenças fatais, arrebatadoras.
Agora, adormece, finalmente,
O corpo, relaxando,
Num ofurô de pensamentos fugazes,
Corpo são, mente sã,
Alma tranquila a drener angústias
Reciclar memórias e afazeres.
Planeja a cabeça um final feliz
Sem ter complicadores nas decisões
Agora não teme bifurcações na estrada
Segue seu caminho o corpo
Guiado por uma mente racional
Que livre nunca há de ter sido
Posto que liberdade é um sonho
Mas que agora respira um ar
Sem as ilusões de um coração parasita.


quarta-feira, 1 de abril de 2015

Vitral

O vitral dava pra ruazinha
Na lateral da igreja velha
Antiga como a cidade
Construída ao redor dela.
Parecia um litostroto suspenso
Mais polido, transparente
Quase translúcido
Quanto a paz que ali pairava.
Da igreja tradicionalmente branca
Via-se o efeito do tempo em seus detalhes.
O sino velho acima dela
As pessoas novas em sua frente
Lembrava velhas canções
Velhos poemas, velhas lembranças...
Todas as tardes eram sonolentas
Como as missas rezadas
Como as canções de Hildegard
Cantadas em coro por uma multidão
Que acompanhava o soar do órgão.
Uma saudade deslizava nas paredes
E habitava os vapores
Que as janelas altas expulsavam...
Hoje longe, muito longe,
Após tanto tempo
Eu só olho as fotos daquele tempo
E peço com devoção
Pra que nada tenha mudado por lá...




Se não fosse dezembro...

Hoje não haveria sol
Se não fosse dezembro...
Paira em redor
Do vento frio uma aura
Que sussurra com ele,
Que faz gritar os portões
E derruba como que sem querer
Uma fina camada
De gelo picotado sobre
A grama verde dos jardins.
Flores que não desabrocharão
No cinza da tarde
Fontes que não nos brindarão
Com água pura da torneira
Os cães não sairão
A funçar, cascabulhar
Um lixo menos amargo que a ração
Pelas ruas por preguiça
Pois é pálido o brilho da luz de hoje
Mas se dezembro já tivesse passado
Hoje não haveria sol
E no passado,
Nada é tão triste quanto o agora:
Os olhos se abrem cedo
As lojas se fecham tarde
A vida move-se tão depressa
Que nem se dá conta de que está viva...
Os que são pesadêlos
Respiram um ar puro
Os que sonham,
Enxergam o ar que respiram...
E as árvores, continuam
A morrer e a viver à mercê
Do cimento, dos facões e das serras
Sempre verdes, sempre altivas
E nas minusculidades da existência
Pensa a água que está em seu fim
Pensa a terra que está sufocada
Pensa o ar que já virou cinzas
Eu penso que há pouco tempo
E muito frio nas esquinas...
Vi perdida uma arara outro dia
Voava sem compromisso, sem hora
E assim, nunca conseguirá sua casa na praia
Sua independência...pobre arara!
Fria como os dias de hoje...
Acho que são os últimos dias de dezembro
Perto do fim do ano, todas as festas
Que não há de serem comemoradas
Pois logo será janeiro
E só quem viveu dezembro
Poderá se lembrar do calor do Sol.