domingo, 25 de maio de 2014

Mãe África


Quando me falam dessa mãe,
Dona do ouro e do diamante,
Dona das guerras e do sangue,
É que sei quem eu sou,
Mãe-minha, que a todos gerou,

Quando me contam suas histórias,
Passado remoto de muitas glórias,
Muitos impérios e construções,
Berço primeiro das civilizações,
É que eu me vejo recolhido eu seus braços.

Quando a olho, assim, cabisbaixa,
Diante dos seus filhos perdidos,
Que para longe foram levados,
No convés de brancos navios,
É que entendo sua dor.

Quando essa mãe se olha no espelho,
Com seu corpo em sangue vermelhos,
Sangue trazidos pelos Europeus,
Que fizeram desses filhos seus,
Não mais homens, mais sim guerreiros.
Vejo-a chorar ao não reconhecer-se.

Mesmo diante de tantos problemas,
Tantas lutas, tantas doenças,
A pobreza que a acometeu,
A terra usurpada e superexplorada,
A sede dos homens de subir ao poder,
Os irmãos a se matarem ou a morrer,
E impérios de outrora, assim, esquecidos,
Resistem seus músculos de rainha-primeira.

Saquearam seus bolsos, mãe,
Encerraram-na num muro vergonhoso,
Pensaram-te fraca, fizeram-te gozo,
Mas ninguém entendeu quem tu és.

É quando olho nos olhos dessa mãe
Que me vejo, no rosto verdadeiro,
Da herança dos nobres e guerreiros,
(Manjacas, balantas, bijagos, mandigas e jalofos,
Caçanjes, benguelas, cambidos, muxicongos, maluas, angicos e rebolos,
Iorubas, jejes, fantis, axantis, gás e txis
Haussás, kamuris, tapa e gruncis)
Dos quais sou parte e sou herdeiro,
Mesmo sendo só mais um brasileiro,
Sou antes seu filho, ó da mãe África!

sábado, 3 de maio de 2014

Espelho do tempo

Estou às margens de mim,
E o melhor é que eu esperava menos.

A pé nos caminhos que traço,
Demoro muito a chegar ao meu destino,
Por isso, vivo num eterno recomeço.
Vivi em muitos lugares,
Mas poucos lugares vivem em mim.
Enxergo melhor a distância à distância,
E cada vez mais longe estou eu,
Das esquinas que me querem ver,
Mais forte e regozijado,
Como as crianças que vejo brincando,
Quando fecho os meus olhos,
E lembro de minha infância.

Os Pedros, Diego, Cláudio, Daniel e Felipe,
Renato, Warner e tantos outros,
Somos bons amigos de outrora,
Hoje seguimos passos descompassados,
Cada um segue o rumo que a vida dá,
Segundo uma lógica inexata,
Mas meus passos são para longe,
À leste do leste mais à leste,
Ao norte do norte mais ao norte,
À nordeste de toda a terra que conheço,
Numa vila chamada sossego,
Onde encontro-me todas as noites,
E nem percebo que eu lá estou.

Sinto-me a mãe dos desalmados,
Sendo eu mesmo o ceifador de vidas alheias,
Não que eu já tenha matado alguém,
(Pelo menos não me lembro...),
É que eu tenho os pés perros e a cabeça estreita,
E penso muito mais que executo.
Já ceifei milhares de vezes,
Milhares de pessoas em milhares de Universos.
Minha realidade, porém,
Torna-me um simples alqueire,
E sobre mim se plantam sonhos,
Todos com expectativas abusivas,
Muitas vezes, maiores do que minhas mãos alcançam...

(Tenho sede várias vezes ao dia,
Mas minha água não cabe no meu copo,
Tenho que ir até a fonte...tenho que ir até a fonte!)

Quem sabe algo não me explica a vida,
Quem pouco sabe, não se acha sábio.
Prefiro saber sem saber,
E saber que sei pouco, portanto.
Não se pode ser tão ignorante ou cético sobre si mesmo,
Tem-se sempre um "etwas" diferente nas pessoas,
E ninguém é igual a ninguém,
Nem eu sou igual a mim, como fui ontem, como serei amanhã.

Tenho corpo e alma africana,
Sinto minhas raízes ferverem no meu sangue,
E sou brasileiro. (Ou ao menos nasci aqui...).
E por ser daqui, dessa terra multicor,
Não sei bem o que é ter silêncio.
Penso que silêncio é escutar seus pensamentos,
Antes mesmo de pensá-mo-los.
Eu tenho ouvido muito, Chopin, Bach, Dvorák,
Mas eu mesmo me ouço pouco e mal reconheço,
Minha própria voz ao falar em auto-falantes.
É preciso ouvir-se falando para entender-se,
E espelhar-se em sua imagem refletida para ver-se.
Muito tempo é gasto com sutilezas e mesquinharias,
A vida, porém, é feita de lembranças e de presente,
Onde o agora é maior que o ontem,
E será sempre maior que o amanhã.
Estou só, dentro de mim,
Quem não está vazio para os conhecimento mundo,
Não entende o que é estar em ótima companhia,
Dentro de sua própria consciência.

Respirar é preciso,viver é duvidoso,
Uma esquálida maneira de parafrasear um grande poeta,
Só poderia partir de quem vê as quinquinharias do mundo,
Como uma ótima oportunidade para enriquecer.
Mas nem falo das miudezas que entopem os armazéns,
E nem daquelas quinquinharias eletro-eletrônicas,
Aliás, a riqueza à qual refiro-me é uma riqueza feia.
Falo dos pormenores da sociedade,
O rodapé social que abarca a inequeção que nos governa a todos,
Na deslei do caos, que só acontece para um lado da balança,
E traz a incerteza aos corações.
Onde está o ar limpo, onde está o verde?
Quero respirar o ar, ver a natureza,
Quero respirar e viver a riqueza que temos,
Sou herdeiro também de todos as nascentes,
E todas as fontes, e todos os bosques,
Sou herdeiro da cultura do meu povo,
Sua ginga e seus orixás,
Mas vejo-me abraçado pelo esquecimento,
E que bem nos faz as ruas, os asfaltos, a poluição?

Navalha

Um frio na alma,
O Medo.
Estar só são horas,
Questão de tempo.
Abreviado,
Maltratado,
E ainda de pé me refazendo.
Sinto o escuro nos olhos,
Nas mãos, carrego o nada,
E tudo me é inócuo,
Como uma navalha afiada.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Poesia do Desespero

De quantos prédios me atirei,
E do chão me levantei, sem nenhum arranhão?
Ah, quantas vidas tive e tenho! Quanta ilusão...

Morri várias vezes, sou um fogo ressurgido,
Ou melhor, sou nada. E sou, porém, um pensamento vão...

Apenas um refugio busco eu, o coletor de passos,
Perdido na estrada a seguir as tortuosidades do caminho,
E os demais perdidos, como eu.

Se leio, perco-me ainda mais,
E de que me serviria ler o desespero alheio,
Se também eu desesperado sou?

Um angustiado,
Um sufocado,
Um amante da dor,
Sufoca-dor,
Pensa-dor,
Cuida-dor,
Um ser que habita no seio do sofrimento,
E também por isso, talvez, não enxergo o fim do caminho,
E estou morrendo, num suicídio diário...

Já nas lembranças corre o silêncio,
E as cores que as árvores tinham desbotaram-se todas,
Num degradê que reflui descaminho,
Paisagem à qual estou alheio,
Observando o passar do tempo nas folhas da estradas,
No chão que piso, de onde me levanto...

E posso ver-me arrastado pela correnteza,
De preces que pedem por paz,
(Que pena tenho de quem quer o impossível!),
E o Deus que nos habita a todos,
Atrasado, se perde em meus desencontros,
E vai parar por engano em outros seres,
Igualmente descompassados com a vida,
Horrivelmente transvestidos em corpos humanos,
Pouco em concordância com a vida terrena.

Mortos, somos todos, um pouco em cada sentido,
Talvez me tome mais a morte física,
E o meu pensamento em luto se transfigure,
Diariamente em minha faminta alma,
Como uma roupa suja, esfarrapada,
Que só caiba em mim e só me sirva,
Junto com um sorriso cálido, angelical,
Que tanto mais se fixa em meu rosto,
Quanto mais dores em meu peito sinto.