terça-feira, 9 de maio de 2017

Coveiro das ideias mortas

Hoje é sobre o tempo
- Como todas as boas histórias -
Um nada que passa e fica
Poesias pueris a marcar momentos tristes
E mãos dadas com o grande amor
Numa quarta-feira chuvosa.

Calando trovões e cobrindo espelhos
Encontro-me, novamente, a contar migalhas
Como uma criança juntando os brinquedos nos cofins do mundo
Vasculho nas memórias o melhor de mim
E vejo-me num castelo sem portas
Uma fortaleza inútil que construí ao meu redor
Como se o etéreo pedisse para entrar ou sair
E meus pensamentos se quedassem em prisões.
Alegro-me ao ver meus iguais após o muro: estremeço.
Mas essas ruas são tenebrosas em seu silêncio
Castelos adornados de ouro mantém a aparência
De sermos felizes sendo tão miseráveis.
Dê-me sua mão, diziam-me os mais velhos,
Hoje minhas mãos trêmulas seguram xícaras
Com chás ou café, para dormir ou estar desperto
Pra quando minha quietude precisar de mim.

(A noite causa medo nas mulheres
E sair não é seguro com homens lá fora.
Nós somos os abutres do velho e do novo mundo
Homens quebrados em seus propósitos.
Ouço o som dos ossos amassando pelo peso dos dias
Enquanto uma marmita fria é devorada nalgum lugar.)

Fress mich im Schatten, du Unsterblicher Mann
Lass niemand unter die Sonne uns sehen !

Meu tio falava-me que valia a pena estudar
Meus amigos falavam o contrário.
Olho-me frente a ele com ternura : ele era sábio.
Meus amigos não sabiam o que queriam
Hoje, após estudarem, não dizem-me o mesmo que antes
Vivem como se sempre tivessem vivido meus sonhos
- E é essa a verdade -
Na candidez das manhãs espúrias ante aos escritórios
E aos consultórios que abrindo-se os recebe
Mangas de camisa e macacões para o trabalho
Não somos mais tão novos.
Eu continuo rezando aos meus ancestrais
Tios e tias, meus pais, entes amados
Peço-lhes que continuem dizendo-me o certo
Ante aos absurdos que ouço do mundo.

Chego hoje ao meu limite
Barreiras intransponíveis a minha frente
Não distinguo passado e futuro
Tornei-me parte do que odeio tentando ser grande
Vesti roupas brancas para olhar para o céu
Comi inhame e tomei banho de mar
Nada em mim foi sincero até eu desejar a minha própria morte
E, ao me deparar com ela, retrocedi com medo.
O além-vida é tenebroso aos corações culpados.

Homens e mulheres em camisas de linho
Vossas Excelências pedem a voz no Plenário
Sonhos são pisoteados em discursos
O real já não habita o imaginário.
Quanta ousadia, meu Deus!
Nessas esquinas onde os cantos ecoam
Quantos Deuses morreram aqui? E quantos gênios
Tiveram sua glória roubada na infância?
Cigarros acesos, o pó que vicia e mata em uma carreira
Na mesma mesma mesa, copos esvaziando e álcool os enchendo
Enquanto ao meu redor ninguém está seguro.
Famélicos do mundo,
distantes e desconhecidos
Limpando latrinas de mármore e granito.
Do alto da torre no centro da cidade
Os donos da nossa terra dão as orientações:
- Planeje, execute, revise!
Assistimos o mundo como se nele não estivéssemos
Um espetáculo de rara beleza, cidade irreal
A lavar os olhos dos homens e das mulheres com as monções

No sangue, o que eu levo não tem nome
Heranças não são flores desse caminho
Meus tropeços me fazem olhar do chão
Mas me levantar é tudo o que me resta.
Oh, você que me olhas, não retroceda
Nessa terra, enterrados, meus ancestrais
De baixo, me empurram para me reerguer
As mãos calejadas e cansadas, negras
Que como eu, hoje, só querem o topo, nada menos.
Seguindo os passos de um pé calejado
Meu caminho é a distância entre terras
Um oceano, uma vida com raízes que caminham
Seguem o Sol, o brilho mais profundo.

Sentado numa cadeira em falso, olho através da janela.
Não possuo nada comigo,
nem cigarros para fumar;
Nem bebidas alcoólicas para me embriagar;
Não possuo carros, nem motos, ando sempre a pé e só
Na solidão mais pura da alma humana
Sem ao menos ter a chance de desejar algo diferente.
Vejo, do outro lado da moldura do vidro,
As pessoas indo e vindo felizes
Elas não vivem a mesma vida que eu
Ocupadas em suas roupas de escritório
Seus fones de ouvido que as isola do mundo
Em seus compromissos inadiáveis
Não vêm as flores crescendo entre as pedras da rua
Não vêm os ipês ganhando cores
Não ouvem as crianças que gritam na vizinhança.
Estão concentradas em ler o nome do ônibus
Em reconhecer carros caros
Em ter boas roupas, cabelos bem arrumados
Em parecer ser mais do que realmente são
E ainda há as que vêm tudo isso e não lhes dá a devida atenção.
Enquanto eu, cidadão de um mundo desolado
Enterro e desenterro sonhos nunca vividos
Por mim, pelos mais pobres e pelos patrões
Sou o coveiro das ideias mortas, dos ideias perenes
Numa terra de fugacidades materiais tecnológicas,
Declarações de amor sem sentimentos
E sorrisos sem expressão.

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