terça-feira, 7 de outubro de 2014

A chuva


Não quero dormir nesta noite
Ficarei, até o romper do dia, acordado
Fitando a chuva que cai no meu telhado
Gota por gota vibrando sonoramente
Enquanto de dentro de casa eu observo
As árvores dançando ao sabor do temporal.

Sentinela das horas que passam
Pego os segundos nas mãos
E me parecem infinitos sob meus olhos...
Nino esse tempo nefasto
Que rompendo o ar espalha
Azuladas rajadas de cargas elétricas
Que escoam para as profundezas da terra
Feito um Kraken a submergir
Após engolir uma presa muito grande...

Não descobri ainda o que é a chuva
Mas tenho pra mim, que é
A estranha ocorrência de uma mágoa vívida
Que escorre do céu quando as nuvens,
Cansadas de serem sublimes e etéreas,
Desfalecem-se em plácidas gotículas
Tão frias que gritam o desassossego
Ao tocar o quente chão.
Prefiro, porém, senti-las a defini-las.
Pois chuvas são a memória dos dias
E nenhuma memória é cristalina.

(A chuva, quando entra em minha casa,
Entra simples como quem pede algo por favor
E sem uma ordem minha, já fica descalço
Vai secando os pés e puxando uma cadeira
Como se fôssemos bons amigos de outrora
- E acho que efetivamente somos! -
A prosear sobre os caminhos que a vida toma
Quando somos adultos a agir como adultos
Ao invés de sermos crianças, e só.)

Amo a chuva pela sua simplicidade
Ela não é nada além de água que cai do ar
Ar que respiramos para viver.

Outro dia eu brinquei na chuva
Contrariei as lições que dão as mães
Quando advertem os filhos 
Sobre brincar na chuva.
Tinha um sabor de travessura tudo aquilo.
A água dos rios é boa para beber
A água do mar é boa para refrescar
A água da torneira é boa para matar a sede
Mas a água da chuva é a única
Que nos rejuvenesce e nos torna crianças de novo.

Eu também sou chuva, às vezes,
Uma chuva fina, porém, duradoura e fria
Dessas que incomodam no início
Mas que depois a gente se acostuma
E até gosta de tê-la como companhia
Pertinho da nossa janela
Enquanto tomamos chá num dia frio
Olhando para o mundo 
Vendo nosso reflexo em cada gota
E assim, sinto-me parte do todo,
De uma forma quase insignificante
Mas que me completa por saber
Que também as coisas mais naturais
São boas, como um passear no parque em dia de sol.


*Para Jéssica Pereira, a menina que brinca na chuva até em dia de Sol.

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