segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Os últimos libertos

Não sabíamos que depois do muro,
Havia um outro muro
E que depois das correntes,
Haveria uma outra corrente.
Fora dos cafezais (ou não),
Fora dos canaviais (ou não)
Fora dos casarões
Vestidos como eles (ou não)
Andando como eles (ou não)
Ainda éramos nós porém,
Mas demoramos a perceber
Que essa era a melhor parte.

A senzala dos bisnetos dos açoitados
A senzala moral dos nossos filhos
A senzala que nos acompanha na pele
Nos olhares que nos disferem
Nas palavras que nem são ditas
Nos passos que se afastam
Nos empregos que não são para nós
Nos produtos que não temos acesso
O lugar que nos destinam não se chama favela
Se chama esquecimento
Pois é lá que morrem os nossos sonhos.

Jaz nessa terra, a nossa história.
Para os italianos: navio italiano e documentos!
Para os japoneses: navio japonês e documentos!
Para os alemãs: navio alemão e documentos!
Para os poloneses: navio polonês e documentos!
Para os africanos (sim, africanos sem nacionalidade):
Navio Negreiro, documentos queimados,
Favela, camburão e dura.
Não me venha falar em igualdade!
Não sou colono, não sou criador de gado!
Sou dos que tiveram tudo negado
Até o direito a ter direitos...

Cada olhar que morre lacrimeja dor
E enquanto o sangue goteja no chão,
Mais vermelho sangue que o deles,
Mais amargo, também,
Não há perdão concedido
Nunca nos foi dada a extrema unção.
Antes chicotes, hoje cacetetes
Nós, os últimos libertos,
Quebrando correntes com as nossas próprias mãos.

Um comentário:

  1. "O lugar que nos destinam não se chama favela
    Se chama esquecimento
    Pois é lá que morrem os nossos sonhos."...
    Antes chicotes, hoje cacetetes
    Nós, os últimos libertos,
    Quebrando correntes com as nossas próprias mãos."
    Sábias palavras, mostrando a realidade da luta diária.

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