sexta-feira, 10 de abril de 2020

O peso dos mortos

O peso dos mortos afunda a terra
Draga os vivos em um enorme buraco
O solo cede: vivos e mortos estão no mesmo lugar.

Memória
Um tronco no qual tropecei
Me revelou que abaixo de mim estou eu.
Onde piso é onde caio e onde me levanto
Se me dão à mão, subo depressa
Senão, vou no meu levantar lento
Sentindo o peso do meu corpo sobre as pernas
Desenrolando meus joelhos que me aguentaram
Nessa dura jornada que é me manter de pé durante o dia.

Costumo passar horas desatentas
Lendo notícias repetidas, sabendo da vida dos outros
No jornal, disputas inverossímeis
A realidade se apresenta para que não saibamos da realidade
Uma mentira aqui, uma manipulação política acolá
E mais uma vez o dia se vai sem eu ter dado atenção
Às músicas que quis compor, ao livro que não terminei
Às palavras que se fossem ditas me trariam o amor em sete dias
E as ciganas, cartomantes, oráculos, benzedeiras e ditas mães de santo
Teriam que me reconhecer como uma delas.

Dou folga aos padrões morais de onde fui criado
Não tenho pedido benção aos mais velhos
Sento à mesa sem camisa (que tipo de pessoa me tornei?)
Parece que me tornei dono da minha vida
Com meu próprio jeito de dar errado no que faço
Experimentar coisas novas e fazer dívidas inevitáveis.
Tenha pena de mim, futuro! Não sei lidar
Com bilionários filantropos, intelectuais sem estudo
Cientistas criacionistas e gente sem bom senso

Parece-me que vai chover (ou chove todos os dias)
A terra é arenosa por aqui, cuidado onde se pisa
É tudo um enorme cemitério de pretos e indígenas,
Sepulturas em pedra portuguesa e epitáfios em Latin.
A lápide afunda com o peso dos mortos, a água amolece a terra
Os vivos aguardam sua vez, cada um a sua maneira
Crentes na Igreja, Cientistas com sementes nas mãos
Sobre os ombros do capitão da nação esse enorme navio preso à terra:
- Lançar âncora, marujos! Estamos de partida!

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