Não quero dormir
nesta noite
Ficarei, até o
romper do dia, acordado
Fitando a chuva que
cai no meu telhado
Gota por gota
vibrando sonoramente
Enquanto de dentro
de casa eu observo
As árvores dançando
ao sabor do temporal.
Sentinela das horas
que passam
Pego os segundos nas
mãos
E me parecem
infinitos sob meus olhos...
Nino esse tempo
nefasto
Que rompendo o ar
espalha
Azuladas rajadas de
cargas elétricas
Que escoam para as
profundezas da terra
Feito um Kraken a
submergir
Após engolir uma
presa muito grande...
Não descobri ainda
o que é a chuva
Mas tenho pra mim,
que é
A estranha
ocorrência de uma mágoa vívida
Que escorre do céu
quando as nuvens,
Cansadas de serem
sublimes e etéreas,
Desfalecem-se em
plácidas gotículas
Tão frias que
gritam o desassossego
Ao tocar o quente
chão.
Prefiro, porém,
senti-las a defini-las.
Pois chuvas são a
memória dos dias
E nenhuma memória é
cristalina.
(A chuva, quando
entra em minha casa,
Entra simples como
quem pede algo por favor
E sem uma ordem
minha, já fica descalço
Vai secando os pés
e puxando uma cadeira
Como se fôssemos
bons amigos de outrora
- E acho que
efetivamente somos! -
A prosear sobre os
caminhos que a vida toma
Quando somos adultos
a agir como adultos
Ao invés de sermos
crianças, e só.)
Amo a chuva pela sua
simplicidade
Ela não é nada
além de água que cai do ar
Ar que respiramos
para viver.
Outro dia eu brinquei na chuva
Contrariei as lições que dão as mães
Quando advertem os filhos
Sobre brincar na chuva.
Tinha um sabor de travessura tudo aquilo.
A água dos rios é boa para beber
A água do mar é boa para refrescar
A água da torneira é boa para matar a sede
Mas a água da chuva é a única
Que nos rejuvenesce e nos torna crianças de novo.
Eu
também sou chuva, às vezes,
Uma
chuva fina, porém, duradoura e fria
Dessas
que incomodam no início
Mas
que depois a gente se acostuma
E
até gosta de tê-la como companhia
Pertinho
da nossa janela
Enquanto
tomamos chá num dia frio
Olhando para o mundo
Vendo nosso reflexo em cada gota
E assim, sinto-me parte do todo,
De uma forma quase insignificante
Mas que me completa por saber
Que também as coisas mais naturais
São boas, como um passear no parque em dia de sol.
*Para Jéssica Pereira, a menina que brinca na chuva até em dia de Sol.