Mil delírios em tua face, olho-te.
Nas
outras milhões de faces, vejo-te.
És
o espelho do teu tempo
A
trêmula imagem que se espalha
E
se espalhando deixa rastros
Como
nos corpos perambulantes semi-nus.
Pegadas
e o perfume mundano: uma trilha!
Cheiro
dos temperos das cozinhas
Facilmente
confundidos com um desses
Perfumes
caríssimos franceses.
Pouco
silêncio nas cidades
Vale-se
menos de um cigarro nesses dias irrequietos
Em
que os ratos se expõem mais que os gatos
E
todos os predadores recuam
Reconhecendo
que perderam a vez.
Acendo
um cigarro
Nada
muda dentro de mim (mas estou mais pobre, agora)
Nem
o meu câncer que se aviva em dias de chuva
Tristeza,
o mundo continua o mesmo
Mesmo
eu morrendo
Mas
já morri antes, e nada mudou até hoje
Por
isso ando à noite e desafio
Todos
os meus sentidos mantendo-me alerta.
Digo-te,
como disse à Magdalena,
Muitos
são os caminhos
Não
existem os melhores passos no xadrez.
Já
vi-a ganhar-me de antemão algumas vezes
Como
se o futuro tivesse sido escrito
Por
uma mão com uma caneta de tinteiro
E
uma tinta irremovível.
Tudo
está tão definido como antes
Antes
de percebermos a nossa ignorância.
Um
passo em falso e é cheque-mate
Rei
e rainha subjugados por um peão
Que
ironia, não? Magdalena sabia de tudo,
Mas
preferiu morrer no silêncio do pedantismo
Guardando
pra si tudo o possível
Até
os nossos segredos mais profundos
Que
foram para o fundo do mar junto dela.
Talvez
pelo meu passado eu abra tanto as janelas
Gosto
da luz e me escondo sob ela.
O
sol é algo que me refuta as mazelas
Extirpa-as
de minhas entranhas por alguns segundos
Ou
talvez horas, se for verão.
Canto
muito quando estou só e sou um artista
Na
arte de imaginar que não sou quem eu sou
Que
sou quem não sou
Pois
tenho sido eu mesmo desde sempre
Sem
mostrar as outras faces que tenho
(Ou
pelo menos gostaria de ter)
Sem
mostrar-me, às vezes, a mim mesmo.
Gosto
muito mesmo de cantar
Mas
desafino até em notas curtas.
Por
isso danei-me a escrever versos. Ai, versos!
E
quando termino de os escrever, olho para o céu.
Se
a lua estiver lá, sei que escrevi algo bom
Algo
que presta. E a lua concorda comigo.
Se
não, sei que a lua me ignora ou que escrevi algo ignóbil.
Há
dias em que a minha musa aparece-me esplendorosa
Redonda
e alva no meu céu marinho
E
então eu percebo
Que
mesmo os outros não gostando
Posso
ficar tranquilo
Afinal,
o quê vale mais que o reconhecimento da lua?
Choro
por não ser um grande da escrita
Mas
tenho tempo, há tantos livros bons e
Coisas
bem escritas...
Talvez
eu ainda aprenda algo
Antes
de ser tragado para a terra
Junto
com meus sonhos e desejos
Para
junto dos outros pequenos como eu.
Magdalena
morreu feliz.
Riu-se,
muito provavelmente,
Por
saber que não faria falta a ninguém.
A
jovem de vinte e poucos era tão feia
Tão
boba e tão quieta
Que
era capaz de não falar por dias
Só
observar do alto da sua sabedoria
Os
erros alheios e se deleitava com isso.
Morreu
agonizando numa barcaça e
Hoje
quem ri sou eu, lembrando
Quando
me contaram o fato.
A
infeliz tinha esquecido-se
Que
nada fica em pune no mundo.
A
vida é perfeita para punir
Mas
foi mal projetada para ser justa.
Ela
sabia caminhar
Às
vezes por longas distâncias
Lia
assiduamente
Mas
esqueceu-se de aprender a levar a vida como ela exige.
É
preciso olhar para o mundo como quem encara um prato de comida
Depois
de uma árdua jornada de trabalho.
É
preciso ter fome de viver para ter uma vida plena
Mas
nem todos o sabem.
Por
isso morremos, cada dia mais velhos
Porém,
cada dia menos sábios,
Mais
acadêmicos, mas menos vividos.
Olhos
cerrados de dia
Vida
que segue adiante
Mesmo
sob o luto tenebroso
Que
é a vida cotidiana.
Vejo
mortos perambulando
Mortos
somos todos
Orgulhosos
de sermos suicidas.
Fecho
a janela para o sol não entrar.
O
calor já quase escalda-nos no nosso suor.
Penso
nas horas que se vão transpirando
Uma
pressa sem limites
Que
só os dias atuais entendem. Eu não.
Limito-me
a ler Camões de madrugada, na rede.
Tu
não entendes. Tua mãe, do fundo do mar,
Entenderia.
Ouça,
a mensagem é bem simples, porém:
Quero-te
inteiramente tua,
Sem
medos de ser feliz ou seguir adiante.
A
crueldade do mundo é só dele,
Mas
tu não és o mundo.
Ao
teu redor, o mar não tem só ondas ou corpos náufragos
Nem a
terra guarda só luto subterrâneo.
Têm-se
plantações inteiras de hortaliças para se colher
Milhares
de espécies de peixes a serem descobertas
E
tu és tão jovem, há de entender.
Não
me dê ouvidos, eu também já morri há anos.
Mortos
somos todos
Os
nascido sob o candelabro sem vela
Que
brilha no céu matutino.
Fagulhas
acesas nos corações
Centelhas
divinas caídas
Na
profana infusão
Que
embebeda nossas mentes
No
caos estabelecido que chamamos Terra.
Vi-me
ante à escuridão tortuosa
Que
permeia as membranas da sociedade eclesiástico-burguesa
Pois
um dia fui um de seus membros e nela estive
E
não mais para lá voltarei.
Agora
que penso no mundo como em Fridrichhain
Há
um quê de revolta no meu âmago
Um
retalho sem remenda nas minhas vísceras
Um
beijo não dado.
Mas
sustento só um corpo vazio
A
alma que possuía, deixei com o meu senhor
Tão
certo de si que me dá pena.
Mortos
somos todos. E o quê mais seríamos?